CINCO HISTÓRIAS DE JUDEUS

CINCO HISTÓRIAS DE JUDEUS

(Retiradas de More World Over Stories, de Ezekiel Schloss e Morris Epstein,

versão poética de William Lagos, 19-23 Setembro 2016)

O Milagre ... ... ... 19 set 16

A Invasão dos Turcos ... ... ... 20 set 16

O Ensopado de Vagens ... ... ... 21 set 16

Jacó e a Vela Comprida ... ... 22 set 16

As Agulhas do Pinheiro ... ... ... 23 set 16

O MILAGRE I – 19 Set 2016

(Episódio histórico, transcorrido na Alemanha, entre 1778 e 1809, narrado por Frieda Clark Hyman, versão poética e adaptação de William Lagos).

Já bem do século dezoito no final,

Moshe Sopher, um rapazinho judeu (*)

a escola frequentava em que aprendeu

ensinamentos de grande cabedal.

(*) A pronúncia Sefardita é “Moshê”, mas era um judeu Asquenazita,

do norte da Europa, portanto o nome se pronuncia “Móshe”.

O estudo da Bíblia para ele objeto natural,

quando à ciência pouco valor se deu;

as leis judaicas com afinco compreendeu,

seus mandamentos e as regras do ritual.

Porém, ao completar seus quinze anos,

foi convocado por seu professor,

o Rabi Nathan Adler, para lhe comunicar:

“Você devera Frankfurt, sem enganos,

abandonar para um lugar maior;

não há mais nada que eu possa lhe ensinar.”

Moshe não queria sair de sua cidade,

mas mencionou essa ordem a seu pai,

que preocupado, ao rabino indagar vai:

“Ele pode ser bem jovem, na verdade,

“porém precisa conhecer a humanidade;

com cada homem que em seu caminho cai

alguma coisa há de aprender, acreditai;

grande respeito irá obter na sociedade.”

Destarte, Moshe partiu para Maiença

ou seja, Mainz, para na casa se hospedar

do Sr. Hahn, um muito rico mercador,

o qual, conforme os costumes de sua crença

o dia inteiro lhe permitia passar

no estudo das santas leis de seu Senhor.

Ali encontrou um militar francês,

que estudava na universidade

as muitas leis de grande variedade,

um Juiz Militar querendo ser, talvez...

Uma grande amizade assim se fez,

Moshe explicando-lhe a diversidade

da Lei Hebraica e a estudar com boa vontade,

as leis terrenas aprendendo por sua vez.

Paul de Montfort certo dia lhe indagou:

“Você acredita que seus antepassados

a pé cruzaram realmente o Mar Vermelho?”

“Como fato real nosso povo o acreditou.”

“Mas como o mar a pé podiam ter cruzado?”

“Porque aceitaram de Jeová o conselho.”

“E na sua crença obedeceram nessa instância,

conforme Deus a Moisés tinha ordenado

e foi o mar destarte atravessado,

pela força de sua fé e sua constância...”

“Pois tal milagre resultou da concordância...

Mas como Deus poderia ter quebrado

as próprias leis que um dia havia criado?...”

“Tudo depende de cada circunstância,

“ou de um conjunto delas... Se um tufão,

um terremoto ou mesmo um tsunami

as águas apartassem nessa hora,

“desde sempre de Jeová a ordenação

para tal fato em Seu Poder proclame,

sem infringir o que ordenara outrora...”

O MILAGRE II

“É a isso que de “milagre” você chama:

fortuita série só de encadeamentos?”

“Manifestados justamente nos momentos

que a Majestade Divina então conclama.”

Foi meditar Montfort na própria cama,

ficando Moshe a estudar seus Mandamentos,

em sua Torah encontrando cem portentos (*)

em que o poder de Jeová se inflama.

(*) A Torah é o Pentateuco, os cinco primeiros livros do Velho Testamento..

Eventualmente, foi a guerra declarada

entre a França e os cem reinos à parte

que falavam alemão, pelo corso Bonaparte

e Montfort retornou à pátria amada.

Moshe Sopher tornando-se um rabino

de grande conhecimento e maior tino.

Certo dia, enquanto a guerra continuava,

Dois comerciantes vieram consultá-lo:

um acusando ao outro de roubá-lo,

este ao primeiro do roubo o acusava...

Mas Hatan Sopher, como o povo lá o chamava,

mesmo indagando os pormenores desse abalo,

só conseguiu que admitissem, com resvalo,

que de uma carga de ferro se tratava... (*)

(*) Naturalmente, não queriam confessar que eram armas.

E percebendo que os dois mentindo estavam,

o bom rabino determinou a divisão,

cada um ficando com meio suprimento;

e ao ver que ambos não se conformavam,

em pergaminho lavrou sua decisão,

em duas cópias assinando o documento.

Porém no ano de mil oitocentos e nove,

a cidade de Pressburg foi tomada

pelos franceses; ali tinha sua morada

o Rabi Moshe e o povo inteiro se comove.

“Como podemos aos franceses agradar,

sem à Áustria mostrar deslealdade?

Talvez a França, num ato de maldade

a nossa gente decida massacrar!...”

A Jeová pediu Moshe orientação...

Logo a seguir, recebeu convocação

de apresentar-se ante Corte Marcial!...

A comunidade judaica apavorou-se:

caso o rabino condenado fosse,

sobre o povo recairia um grande mal!...

Apresentou-se Moshe perante a Corte,

desembainhadas as espadas sobre a mesa

e o Juiz Presidente, sua face muito tesa,

manifestou-lhe acusação de grave porte.

Ele teria colaborado no transporte

de armas, documento o provando com certeza!

Mas o Rabino apresentou a sua defesa

e de ser absolvido teve a sorte!...

Ambos a sós, após findo o julgamento,

disse o juiz que era Paul de Montfort,

com quem antiga amizade se consagre.

Na favorável conjunção desse momento,

que outro juiz lhe daria pior sorte,

as circunstâncias produzindo tal milagre!...

Hoje em dia se acredita que as circunstâncias narradas no Velho Testamento foram reais e provocadas pelas diversas erupções do Vulcão de Santorini, o mesmo que destruiu a civilização cretense.

A INVASÃO DOS TURCOS I – 20 SET 2016

(Episódio histórico, transcorrido na Áustria em 1682, durante o reinado do Imperador Leopold I, filho de Friedrich III, conforme narrativa de Alfred Apsler, recontada em versos e adaptada por William Lagos.)

Sanson Wertheimer habitava em Viena;

da corte austríaca era o Banqueiro Provedor;

seis milhões de thalers lhe devia o Imperador,

Leopoldo I... E pagamento não se acena...

Seu filho Jacob não aceitava a pena:

“Leopoldo será seu eterno devedor,

nosso dinheiro desperdiça sem temor

e de seu luxo o senhor sustenta a cena!”

“Mas só assim eu posso os pobres ajudar

de nosso povo. Essa dívida é pequena,

se nos permite conservar tal posição...”

“Porém se a bancarrota nos chegar,

verá o ódio que os católicos envenena

contra os judeus – e não teremos salvação!”

Então o Conde Zeckendorff, o Chanceler,

chegou às pressas, vindo de carruagem,

e apresentou aos banqueiros a mensagem:

“Mais um milhão o Imperador requer!...”

“Mas, meu amigo, não nos pagou juro sequer

sobre sua dívida...” Seu protesto, com coragem,

apresentou Wertheimer... A corte é uma voragem

e quando mais lhe empresto, ele mais quer!...”

“Porém ocorre que os Turcos, caro amigo,

já se aproximam de nossa capital,

será o dinheiro para o soldo e equipamento

“de nossas tropas, para opor-se ao inimigo.

Se nos invadem, nos farão um grande mal,

você e os judeus tereis o mesmo sofrimento!...”

“E você pode considerar ter grande sorte,”

falou o Chanceler, ao banqueiro contemplando.

“Tendo a riqueza que vem acumulando,

sendo capaz de dar ajuda de tal porte!...”

Disse Wertheimer: “Preciso ir até a Corte.

Uma audiência para mim vá arranjando...

Veja bem, que nada estou negando,

porém preciso de garantia bem forte!...”

Viu o Chanceler sair dali, meio irritado,

logo em seguida lhe chegou um recado,

por um pajem, que lhe chegara comissão

dos principais judeus... Com grande enfado,

ordenou, pois lhe interrompiam a meditação,

que para entrar lhes dessem permissão...

Chegou um grupo, formado por judeus:

chapéus usavam de formato estranho,

traziam nas roupas de remendos bom tamanho

por sobre os trajos ricos que eram seus.

“Em que posso lhes servir, amigos meus?”

disse ele, contemplando esse rebanho,

na indumentária de singular amanho;

eram rabinos, comerciantes, fariseus...

“Irmão Wertheimer, a nossa Imperatriz,

que nos obriga a usar roupa diferente,

sem confusão com a dos súditos cristãos,

“baixou um decreto, por meio de um juiz:

que abandonemos Viena incontinenti,

em quinze dias, sem qualquer prorrogação!”

A INVASÃO DOS TURCOS II

“Contudo, os turcos se aproximam da cidade

e por suas tropas seremos massacrados,

mesmo sendo por Maomé designados

‘O Povo do Livro’, a ser tratado com bondade!”

“Reb Wertheimer, a expressar toda a verdade,

você é a única esperança ao nosso lado!”

Disse o banqueiro: “Tende o maior cuidado,

não saiam de casa sem total necessidade!...”

“Irei hoje falar com o nosso Imperador

e desvendar qual a razão desse decreto.

Hei de fazer o quanto for possível...”

“É a Imperatriz e seu malvado Confessor,

que por judeus nutre um grande desafeto

e se pudesse, nos daria morte horrível!...”

O Chanceler ao Imperador se apresentou:

“O Provedor Real audiência pede...”

Logo de início, Leopoldo não concede:

“Por que? Esse dinheiro lhe negou...?”

“Conceder não negou, nem afirmou,

mas, Majestade, vasta é a dívida; e vede,

sem garantia forte, ele não cede...

Contudo, sempre antes o auxiliou...”

“Bem o sei,” – falou o Imperador;

“não obstante, mostra um certo atrevimento,

aproveitando-se de nossa situação...”

“Lugar devido eu vou mostrar a esse senhor,

já tão privilegiado até o momento,

que pretender me imponha alguma condição!”

Wertheimer aproximou-se, humildemente,

todo de negro permeio à Corte colorida;

com uma vênia mais ou menos reprimida,

chegou aos pés do trono, lentamente...

“Meu caro Provedor, bom é que me apresente

boas razões para a exigência desmedida...”

“Majestade, vim apresentar minha despedida,

após vinte anos a servi-lo fielmente...”

“Mas como quer abandonar seu cargo?”

“Vossa Majestade é que me manda embora...”

“Mas de onde é que tirastes tal ideia?”

“Eu sou judeu, apesar do alto encargo;

todo o meu povo partir deve sem demora

e assim terei de acompanhar essa assembleia.”

“Mas você aprontou de novo, Margarida?”

Falou o Imperador à sua rainha...

E o Confessor: “Foi por devoção que tinha;

a invasão dos turcos foi-nos garantida

“por não limparmos a cidade à toda brida

desses infiéis...” “Mas que ideia mais mesquinha!

O Sultão prometeu às tropas com que vinha,

toda a cidade poder saquear em desabrida!”

“Esta ordem é de imediato cancelada!

Nada mais faça sem me consultar!

Meu bom Sanson, eu o recompensarei,

“se a quantia que lhe pedi for emprestada.”

“Certamente, Majestade, já estou a providenciar!”

E a tropa turca foi então forçada a retirar!...

Wertheimer não era obrigado a acompanhar os demais judeus, o avô de Leopold lhe concedera residência perpétua em Viena, após a doação de vasta quantia com que pagara os soldos atrasados. Na verdade, a guarnição de Viena resistiu ao cerco corajosamente, mas este só foi levantado quando o Rei da Polônia, Jan Sobieski, chegou com grande tropa e finalmente fez recuar os turcos.

O ENSOPADO DE VAGENS I – 21 SET 2016

(Episódio supostamente histórico, do princípio do século vinte, narrado por Claudine Naar, versão poética e adaptação de William Lagos).

Esta história foi em álbum encontrada,

reminiscência de uma testemunha,

que retomou de seu passado a cunha

e a registrou para que fosse relembrada.

Foi em Salônica, na Grécia, realizada

esta historieta que em tal página se expunha,

embora um pouco ainda me acabrunha

o destino desta gente mencionada...

Ora, em Salônica comunidade havia

de judeus que da Espanha haviam fugido

no ano de mil quatrocentos e noventa e dois,

o mesmo ano em que Colombo conseguia

chegar à América, após tanto ter sofrido,

perseguidos os judeus logo depois...

Na Espanha havia cerca de três milhões

de judeus, logo após a Reconquista;

mas a Rainha Isabel, seguindo a pista

de conselhos que escutara em confissões,

ao Rei Fernando, que após muitas missões,

aos Mouros retomara a longa lista

das cidades espanholas que se avista,

convenceu ela, sem mais hesitações,

a expulsar os judeus de toda a Espanha,

sob pena de morte ou conversão

à religião católica dos reis...

Um milhão assassinaram em tal sanha,

outro milhão se converteu à religião,

mais um milhão a fugir de injustas leis...

Em Salônica, por quatrocentos anos,

seus descendentes viveram e prosperaram,

até que as tropas de Hitler ali chegaram

e a oitenta mil deportaram, em seus afanos,

para Auschwitz, sua fumaça pelos canos

a subir, pois a todos massacraram.

Alguns poucos algum refúgio acharam;

deles provém esta história, sem enganos.

Mas chega de tristeza. Toda guerra

do ser humano o pior lado descerra

e sempre houve perseguição de minorias,

fossem judeus, ou negros ou ciganos,

ou protestantes, por seus desenganos,

contra a Igreja a proclamar suas heresias...

Em Salônica, nessa época, viviam

o pequeno Isaac e sua irmãzinha,

chamada Jenny, ou que outro nome tinha,

estes os nomes que no álbum se continham,

de que sai este conto. Os dois dormiam

na mesma cama, em casa pequeninha

e numa sexta-feira, Isaac vinha

a rebolcar-se nesse leito em que jaziam.

A pobre Jenny reclamava, com razão:

“Isaac, pare! Cada vez que vou dormir,

você me acorda de tanto se mexer!”

Então Isaac lhe fez uma confissão:

“O cheiro dos fígeons não podes sentir?

É por isso que não consigo adormecer!”

O ENSOPADO DE VAGENS II

“Fígeons” era o prato mais tradicional

entre os judeus de Salônica, na ocasião:

eram vagens cozinhando no fogão,

a noite toda, até o Sábado, afinal,

sem precisarem fogo acender em dia tal,

como os costumes dos judeus indicarão:

“Não farás obra servil”, por devoção (*)

e até ensopado fazer julgavam mal...

(*) O Levítico excetua: “salvo no que se refere ao comer.”

Então as vagens se mergulham nágua

durante duas horas, até que dobram

de tamanho e se misturam com azeite;

cebolas, algum sal, charque sem mágoa;

a noite inteira em fogo lento se cozinham,

para comerem só no Sábado, em deleite...

Ora, ocorria que o quarto da criança,

ficava ao lado, justamente, da cozinha

e o cheiro delicioso fácil vinha

pela fresta da porta e os alcança...

De revirar-se, Isaac não se cansa

e finalmente convidou sua irmãzinha:

“Vamos lá, provar só uma colherinha...”

“Ah, não, Isaac! Se a Mãe ouve, a gente dança!”

“Ora, Jenny... Chegamos lá devagarinho,

sem que façamos sequer um barulhinho!

A gente prova e depois, pode ir dormir!...”

“Mas isso é coisa muito... muito proibida!

Vai a Mamãe ficar mesmo entristecida

e o Papai é bem capaz de nos punir!...”

“Pois tudo bem, então eu vou sozinho!

Depois é você que não dorme com o perfume!

Na cozinha está quentinho, aceso o lume,

os fígeons eu vou provar devagarinho...

Jenny aceitou acompanhar o seu maninho,

porém no escuro, sem saber bem onde rume,

derrubou uma cadeira e o medo assume:

“Não vou mais! Vou ficar no meu cantinho!”

Mas percebendo que a mãe não acordava,

Isaac a porta foi abrir, sem barulhinho:

os fígeons borbulhavam no fogão...

A tentação cada vez mais os chamava,

a almotolia a mostrar brilho bem mansinho,

a noite inteira a iluminar a refeição...

Vendo essa lâmpada de óleo a fumegar,

Isaac considerou o que faria;

o aroma dos fígeons o atraía...

Porém se os lábios acabasse por queimar?

E a tampa quente, se fosse derrubar?

E recordou-se da canção que o pai diria,

com que o alimento de manhã abençoaria

e como a mãe até a luz fora abençoar!...

Acreditou que, de algum modo, estragaria

toda a beleza da sagrada refeição:

fechou a porta e tornou a se deitar...

Aos sobreviventes esta história lembraria

tudo o que a guerra destruiu, sem compaixão,

quando outros fígeons ainda fossem preparar...

JACÓ E A VELA COMPRIDA I – 22 set 2016

(Final do século XIX, narrativa de Claudine Naar, versos de William Lagos).

Seguia o cortejo pelas ruas da cidade

de Tânger, no Marrocos, alegremente;

muitos judeus em procissão fremente,

ali tratados com cordialidade.

Era cidade espanhola, na verdade,

os marroquinos maometanos, realmente,

alguns turistas a passear, celeremente,

por entre árabes na maior ociosidade...

Bem à frente, iam dois árabes robustos,

contratados em especial para a ocasião,

vela portando da mais vasta proporção,

logo seguidos por judeus vetustos,

que não podiam realizar qualquer ação

que a algum trabalho pudesse dar razão.

Era por isso que os árabes contratavam,

aos quais o dia santo é a sexta-feira

(o mandamento a burlar dessa maneira,

seus empregados tampouco trabalhavam,

nem qualquer “peregrino” que hospedavam,

mas os carregadores moravam em outra beira

da cidade – e de antemão em sua algibeira

o pagamento pelo esforço que mostravam...)

Pois nem pagar os judeus então podiam

em qualquer sábado, consoante a tradição;

mas esses árabes mereciam sua confiança

e com uma bênção, os rabinos permitiam

na sinagoga entrarem na ocasião,

a imensa vela a introduzirem sem tardança...

Logo após os dois árabes, seguiam

as mamães, seus bebês a transportar,

irmãs e primas também a acompanhar,

que os garotinhos segurar pediam...

Os pais já estavam na sinagoga a esperar:

desse préstito participar não permitiam

os costumes seculares que seguiam

os Sefarditas de Tânger, sem falhar...

Os irmãozinhos de um bebê, Davi,

Jacó e Léia, seguiam mais atrás...

”Esse pequeno Davi é que é feliz!”

“É carregado, sem precisar subir aqui,

nesta ladeira que sem fôlego me faz...”

“Mas que bobagem!” – a irmãzinha diz.

“Irias fazer uma ridícula figura

no colo da Mamãe, com teu tamanho!

Há cinco anos, você teve o mesmo ganho

e todos dizem que portou-se com doçura...”

“Só que eu não sei se isso foi verdade pura!

Era nenê, também... Se fez assanho

eu nem me lembro ou se fungou com ranho!...”

“Bobalhona! Vou contar sua travessura!”

Esse era o sábado do Simchat Torah, (*)

um dia de festa, que uma vez por ano

celebravam os judeus dessa cidade.

(*) O dia de louvar o Velho Testamento.

Na porta o pai o seu nenê segura já,

com grande orgulho, envolto nesse pano

que judeus chamam de Tallith, na verdade.

JACÓ E A VELA COMPRIDA II

A imensa vela foi acesa junto ao altar,

junto com velas de todos os tamanhos,

para Jacó parecendo mesmo estranhos

aqueles círios erguidos sem brilhar...

Porém o pai levou-o ao tal lugar

e acendeu outras três velas nesses ganhos,

uma bem alta, com quase iguais amanhos,

outra menor e outra quase a terminar...

“A vela nova é a do seu irmão Davi

e esta outra foi a vela que comprei,

marcando o dia em que o apresentei.”

“Esta menor que você observa ali

é a minha vela; e a outra, mais pequena,

do seu avô representa a longa cena...” (*)

(*) Os círios indicavam o número de homens na comunidade.

“Nós só as acendemos em datas importantes,

mas com o tempo, elas vão se desgastando...”

“A do vovô já está quase terminando!...!

“É que esse círio já celebrou muitos instantes.”

“O meu já o foi em ocasiões interessantes,

aniversários e vitórias celebrando;

durante a vida, elas vão-se conservando;

quando alguém morre, consomem-se os restantes.”

Porém Jacó entendeu à sua maneira:

A gente cresce quando encurta a vela!

Estou cansado de ser tão pequeninho!

Queria que a minha se gastasse bem ligeira;

quando eu for grande, terei a vida bela

e poderei decidir qual meu caminho!...

Lá do balcão, as mulheres atiravam

amêndoas, frutas e doces numerosos,

enquanto os homens dançavam, vigorosos

e os pais as mãos dos filhos seguravam

e os nenezinhos no colo ainda levavam;

a criançada logo entrando nuns retoços,

catando amêndoas e doces em alvoroços,

porém Jacó demonstrou como o educavam.

Mas não parava de pensar nas longas velas,

representando a ele e ao irmão menor,

enquanto a de seu pai já diminuíra

e a do avô se desgastara. Só de vê-las,

imaginou que poderia ser maior,

caso sua vela mais depressa a chama fira!

Alguns dias depois, seu pai o avistou

a correr pelas ruas da cidade,

da sinagoga já bem perto, na verdade;

e bem depressa até lá o acompanhou...

Logo um ruído estridente ele escutou

e viu Jacó, em sua ingenuidade,

numa pilha de cadeiras; e sem habilidade,

uma caixinha de fósforos espalhou!...

“Queria minha vela poder diminuir mais,

para mais rápido eu poder crescer!

Deixar da mesma altura que essa sua!...”

“Ah, meu filhinho, irás crescer veloz demais...

E há uma coisa que bem deves compreender:

queria minha vela tão comprida quanto a tua!...”

AS AGULHAS DO PINHEIRO I – 23 SET 16

(Narrativa de Sarah Bryant, similar ao conto folclórico sueco O PINHEIRO AMBICIOSO, versão poética e adaptação de William Lagos).

Nascera na floresta um pinheirinho,

em certo ponto da Síria tão antiga;

sendo pequeno ainda, dura briga

para arranjar à luz do sol um lugarzinho!

Com minhas agulhas a mim mesmo espinho!

E crescer bem duvido que consiga;

essas árvores a meu redor fazem intriga

e nunca arranjo do Sol nem raiozinho!...

Esse que chega mal posso aproveitar:

as minhas agulhas tem pouca clorofila;

ser transplantado a um parque eu quereria,

em que ao Sol eu me pudesse deleitar,

meus ramos a estender em larga fila!...

Mas quem da mata me levar procuraria?

Se minhas agulhas, ao menos, fossem ouro!

Eu causaria grande admiração

e alguém me levaria, com paixão,

para bem longe do meu nascedouro!...

O seu clamor escutou certo besouro,

que depressa foi levar sua petição

ao Anjo das Flores, bom guardião,

que conserva das árvores o tesouro...

Assim o Anjo das Árvores e das Flores

acolheu o seu pedido, sorridente

e agradeceu a seu pequeno mensageiro.

“Essa arvorezinha solicita tais primores,

sem saber o que é deles consequente!

Pois vou atender a seu pedido bem ligeiro!...”

E nessa noite, o pinheirinho adormecido,

desceu o anjo das nuvens, lá do céu

e com a ponta de suas asas, branco véu,

tocou o pinheiro que seu dom havia pedido.

No outro dia, mal o Sol havia nascido,

o pinheirinho se acordou com o escarcéu

das outras árvores, pensando ser o réu

de pura inveja por seu prêmio recebido...

Porque, de fato, já notava o próprio brilho,

as suas agulhas de puro ouro a cintilar:

de imediato a Jeová pôs-se a louvar!...

Mas já passava caravana pelo trilho,

maravilhados assim com tal tesouro,

logo arrancando toda e qualquer agulha de ouro!

Ficou o pinheirinho assim despido,

tremendo ao vento, sentindo muito frio;

o inverno é enfrentado em vasto brio

pelo pinheiro, por agulhas protegido!

Mas sem elas, é seu tronco destituído

e não suporta esse vasto corrupio:

logo se torna seco, em calafrio

por qualquer brisa que o tenha sacudido!

Ai de mim! – pensou o pinheirinho.

Julguei que a gente me fosse transplantar,

porém todos só quiseram me roubar!...

Agulhas novas queria ter, mas de vidrinho,

que bem de longe se ouviria tintilar...

Se alguém as tocasse, seus dedos ia cortar!

AS AGULHAS DO PINHEIRO II

Mais uma vez o escutou o besourinho

e foi ao Anjo levar nova mensagem,

o qual sorriu, ao escutar essa bobagem:

“Agulhas de vidro! Ora, este pinheirinho!...”

“Pois vou atender a seu capricho, ligeirinho;

ele vai ver o quanto dura a bela imagem,

a cintilar com tanto orgulho na paisagem,

para depois ter um destino bem mesquinho...”

Assim o Anjo desceu, durante a noite

e outra vez, com a ponta de suas asas,

ele tocou no pinheirinho desnudado;

e de manhã, mostrando o Sol primeiro acoite,

as suas agulhas rebrilhavam como brasas,

vermelho ao Sol, qual de rubis formado!...

Sentiu um vasto orgulho o pinheirinho,

já começando a agradecer a Jeová...

Mas para o vento proteção não há,

numa floresta sita à beira do caminho...

Em pouco tempo, com estalo pequeninho,

porque firmeza seu galho não lhe dá,

uma agulhinha foi despencar-se já,

no chão quebrando-se, com leve estalinho...

Logo a seguir foi cair uma segunda

e outra mais... e mais outra desprendeu-se,

até que todas contra o chão tombaram!

Agora em cacos de vidro o solo abunda...

Mais uma vez nu o pinheiro percebeu-se,

suas ilusões, como vidro, estilhaçaram!

Ai de mim! – lamentou-se o pinheirinho.

Essas coisas pesadas não sustento!

Queria ter folhas para meu alento,

igual que as árvores de que me avizinho!

A luz do sol recebendo com carinho,

farfalhando alegremente contra o vento,

com grande altura meu lugar tomando assento:

seria imponente à beira do caminho!...

Mostrou o Anjo só de leve um sorrisinho.

“Vou-lhe atender mais uma vez o seu pedido...”

E de manhã, cheio de folhas o deixou!

Mas uma cabra se achegou, devagarinho,

maravilhada com o manjar ali contido

e as suas folhas, uma a uma, devorou!...

Não percebi que por ser tão pequeninho

para as cabras ia ser fácil refeição!

Ficam as árvores sem sofrer depredação

porque bem altas tem as folhas em seu ninho!

Só agora eu vejo, -- chorou seiva o pinheirinho,

que minhas agulhas me davam proteção.

Eu cresceria, com alguma lentidão,

a imponência a alcançar devagarinho...

Como eu queria minhas agulhas em renovo!

Falou o Anjo: “Custou, mas aprendeu

que cada árvore já perfeita concebeu

“Nosso Senhor... Amanhã será o Ano Novo

das árvores... E em tal celebração

do Tu Bi-Shevet eu lhe darei renovação...” (*)

(*) Dia do “Ano Novo das Árvores” para os judeus.

William Lagos

Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br

Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com

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