Eupeu sempem ninpinguémpém...

Aquelas meninas recém-chegadas na nossa rua não me davam a menor pelota, mas me deslumbravam assim mesmo quando nos folguedos de fim de tarde soltavam a voz, e me pegando pela mão, me prendiam, de forma atroz, as batidas do coração.

E não mais do que de excerto do refrão me lembro agora: você gosta de mim, oh, fulano, e eu também de você...E embora meu nome nunca fosse pronunciado naquelas juras, eu sentia um quase arrebatamento, na esperança de que minha vez ainda havia de chegar.

E a magia não terminava ali, já adentrada a noitinha quando todos de pés lambrecados da poeira, nos escarrapachávamos sobre alguma

graminha, ou barranquinho, e aquela linguagem misteriosa surgia de suas bocas e parecia que só minha irmã maior La Toya lhes respondia no mesmo tom...mas nunca revelava.

E se breve foi a passagem daquelas garotas por nosso meio, pois seu pai, aparentemente funcionário da rede ferroviária fora transferido para outro lugar, a lembrança delas me seguiu, por décadas a fio até que, como num desvario, ouvindo de outras bocas algo tão familiar, deduzi que era a língua do pê que viviam a falar.

E enquanto Odair José lamuriava sua solidão na radiolinha, senti-me seu companheiro, eupeu sempem ninpinguémpem, tentando com o vento dialogar...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 10/10/2016
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