O REI NARIGUDO E OUTROS CONTOS
O REI NARIGUDO & MAIS – 11-15/7/16
(Cinco Contos de Malba Tahan, versão poética de William Lagos)
O Rei Narigudo ... ... ... 11/7/2016
A Recompensa do Sábio ... ... ... 12/7/2016
A Última Vontade do Emir ... 13/7/2016
O Doutor em Efelogia ... ... ... 14/7/2016
A Lâmpada Azul do Hedjaz ... 15/7/2016
O REI NARIGUDO I – 11/7/2016
Em um dos reinos do continente indiano
havia um rajá estúpido e vaidoso,
cujo nariz era de fato monstruoso...
Mas não o julgava assim o soberano,
que se achava muito belo em seu engano
e ai de quem ofendesse ao orgulhoso!
Mesmo encarar o seu apêndice viçoso
causava ao descuidado o maior dano!
Assim todos os mais próximos do rei
evitavam, com o máximo cuidado,
falar sobre quaisquer órgãos nasais!...
Mesmo um espirro poderia acionar lei
arbitrária do impiedoso potentado
levando algum para suplícios terminais!...
Sequer alguém se aproximava resfriado,
mas davam parte de qualquer outra doença
que não pudesse ao rajá causar ofensa,
nem respirar ou falar de modo airado!...
Caso algum fosse por demais desavisado
e revelasse em embaraço a face tensa,
ante o desgosto da fisionomia densa,
seria então, de imediato, castigado!...
E os mais espertos fingiam não notar,
tal qual se nada ali houvesse acontecido,
com outro assunto a confundir o seu rajá,
cuja esperteza deixava mesmo a desejar
e até queria por cortesãos ser distraído
com diversão qualquer que o agradará!
Porém um dia... Rajá Mahendra encasquetou
que desejava ver pintado o seu retrato!...
A corte inteira ficou em espalhafato,
mas ao Pintor da Corte então chamou...
“Majestade, nosso Alcorão determinou
que pintarmos coisa viva é um desacato!”
“Reis dos pagãos não têm igual recato
e os seus retratos vi pintar!...” – contrariou
o rei vaidoso. “Tenho certeza de que Alá
o irá perdoar, caso pinte o meu semblante,
clemente é Deus, bom e misericordioso!”
“A mim, portanto, você representará
e lhe darei um palácio e um elefante,
caso o retrato saia exato e cuidadoso!...”
Não tendo assim qualquer alternativa,
ao máximo se esforçou Salim Kadar,
para em total exatidão representar
seu soberano, tal e qual sua imagem viva!
Mas para quê!... Na fúria mais ativa,
o Rajá Mahendra ao pintor fez enforcar!
“O atrevimento!... Como foi me deformar!”
De defendê-lo a corte inteira esquiva!...
“Providenciem para já melhor pintor
no lugar daquele cão desaforado!...”
E convocaram a Meryem, especialista
em mosaicos, de arabescos grande autor,
o qual, julgando não ser tolo, com cuidado,
pintou-lhe o rosto mais belo que se avista!
O REI NARIGUDO II
Mas para quê!... O Rajá Mahendra, novamente
com o resultado se mostrou enraivecido!
“Mas quer zombar de mim? Nem parecido
esse retrato é comigo!... Que esse insolente
“seja enforcado e ali fique pendente
até que os corvos seus olhos de atrevido
tenham arrancado! E só então seja descido
para o sepulcro de um verdadeiro crente!”
Passou assim a resmungar por mais de mês.
Tomou conselho, afinal, com seu vizir.
“Eles eram crentes,” – o sábio ponderou,
sem experiência em pintar humana tês
e perturbados, talvez, por ter de agir
contra os ensinos do Profeta...” – lhe explicou.
“Está querendo pôr a culpa no seu rei?”
Indagou o Rajá Mahendra, exasperado.
“De modo algum. Mas seu desejo realizado
por profissional deverá ser – é isso que direi.”
“Como assim?” “Algum pintor eu lhe trarei
que com figuras já esteja acostumado...”
“Mas um pagão?... Isso cheira até a pecado!”
“Será um Cristão, esse que eu chamar irei...”
“Ao Povo do Livro abençoa o Alcorão,
o Santo Escrito que deixou-nos Maomé:
nós respeitamos aos Cristãos e aos Judeus.”
“Reconhecemos que desorientados são,
por não seguirem a verdadeira e santa Fé,
porém Alá os recebe igual aos seus...”
“Isso é verdade, meu querido amigo!..
A quem então ir-me-á recomendar?”
“Fawzi Malik, um sírio, que se acha a viajar
em vosso reino e convocar hoje consigo!...
Ora, Fawzi vivia no reino, ao bom abrigo
de um comerciante, que logo se assustou:
“Seus predecessores o rei já enforcou!
Sem qualquer dúvida, sua vida está em perigo!”
“Meu caro amigo, queira rezar por mim,
pois só farei o quanto Deus me iluminar!...”
E lá se foi apresentar perante o rei...
“Você é Cristão,” disse Mahendra, “mas enfim,
se o meu retrato fielmente executar.
um elefante e um palácio lhe darei!...”
E assim Fawzi a real fisionomia
pintou com a maior fidelidade...
Cumpriu Mahendra sua liberalidade
e no palácio logo os amigos recebia...
“Como acertou isso que o rei queria?”
“Pintei Mahendra caçando. Na realidade
seu nariz pelo arcabuz tapei, pura verdade... (*)
Sem ele, rosto até belo ostentaria...”
(*) Antigo tipo de carabina.
“Mesmo fiel, lhe ocultei a monstruosidade,
porém foi Deus que a inspiração me dava!”
“Mas se nas pernas fosse o seu defeito?”
“Eu o pintaria, sem a menor contrariedade,
quando num lago até a cintura se banhava,
só a nos mostrar a sua cabeça e o peito!...”
A RECOMPENSA DO SÁBIO I – 12/7/2016
Viveu na China Tchang Na Li, um erudito,
que todas as obras importantes estudara
e uma vasta obra própria já criara,
mas era pobre e por miséria aflito!...
Sempre que houvera qualquer dúvida no rito,
vinham os monges e tudo a todos explicara
e aos mandarins leis obscuras deslindara,
sem lhes cobrar um tael por tanto agito... (*)
(*) Antiga moeda chinesa.
A única coisa que aos consulentes requeria
era o papel de arroz em que escrevia
seus pareceres, mais a tinta e seus pincéis,
que lhe traziam muito mais do que pedia
ao miserável casebre em que vivia,
merecedor de mil ou mais taéis...
Era a opinião geral de que seguia
os preceitos de Buddha, o Venerável,
que só era pobre pela opção saudável
de quem negar-se todo desejo buscaria...
Quando alunos ele tinha, então comia
as refeições que lhe traziam, em ato amável;
ninguém trazia qualquer soma apreciável,
mas bem ou mal, em seus estudos persistia...
Só que os alunos foram aos poucos escasseando.
Os pais pensavam que o estavam perturbando,
com suas consultas de um nível inferior...
E assim Tchang Na Li seguia esfomeado...
E às escondidas, de noite, amedrontado,
mexia no lixo, por restos, triste horror...
Contudo, a honra não o deixava mendigar
e quem notava a miséria que passava,
de ajuda oferecer se envergonhava:
por religião dedicava-se a jejuar!...
Mas como a fome continuava a piorar
reuniu os escritos melhores que guardava
e foi ao Imperador, a quem audiência suplicava:
Tching Tchau Sen, um vasto reino a governar!
Rei, monarca e imperador, Filho do Sol...
Mas vários dias fizeram-no esperar
na longa fila dos tristes suplicantes,
a quem davam pão e sopa no arrebol,
algumas vezes, em costume familiar,
por caridade, os pobres monges mendicantes.
O que almejava era minúscula pensão
que permitisse a seus estudos continuar,
mas no momento em que o salão foi adentrar
foi recebido por uma vasta aclamação!
Fez o kowtow ao Imperador, sua saudação, (*)
muito surpreso por se ver assim louvar.
”Caro erudito, hoje o irei recompensar
por sua obra de tão grande aceitação!...”
(*) Curvatura, colocando a testa contra o piso.
“Aqui e agora, eu lhe conferirei
o nobre título de Primeiro Mandarim
dando-lhe um trajo com doze botões!...”
“Pois aos demais só dez botões eu outorguei!”
O pobre Tchang Na Li agradeceu-lhe assim
e retirou-se, em contraditórias emoções...
A RECOMPENSA DO SÁBIO II
O erudito retornou, a passos lentos,
o seu trajo magnífico a envergar,
porém a fome o seu estômago a rasgar,
muito confuso pelo estranho dos eventos...
Mas como iria pedir seus suprimentos
ao Imperador, depois de tanto o honrar?
E na sua aldeia, quando o virar regressar,
mais o louvaram, mas não deram alimentos...
E o pobre velho seguiu passando fome,
com a antiga roupa esfarrapada indo catar
os peixes mortos arrastados pelo mar
e os tristes restos que ninguém mais come,
disputando ossos velhos como um bicho,
às escondidas, no mais nojento lixo...
Por sorte, bom papel não lhe faltava
e ainda um que outro aluno conseguia;
o povo inteiro por seu jejum o louvaria,
mas por penúria é que se não alimentava!
Dentro em breve, nova ideia o acalentava:
toda a filosofia da China reuniria
em uma obra que ao Imperador entregaria:
a sua pensão talvez assim ele outorgava!
Passou seis meses compondo o documento,
em vinte rolos de papel de arroz
e se arrastou mais uma vez à capital...
Mas desta feita, não encontrou impedimento
e os vinte rolos perante o rei depôs,
sendo saudado por um aplauso triunfal!
O Imperador folheou seus manuscritos,
que os Sete Sábios da China examinaram
e entre si a recompensa consultaram:
“Majestade, não têm preço tais escritos!”
Então, pensando o rei em tais quesitos,
alto valor como um dote combinaram:
um chapéu todo dourado encomendaram
com duas penas de pavão – dons inauditos!
Tchang Na Li fez seu kowtow, agradecendo
e então se ergueu, na maior dificuldade,
para sair do real salão a cambalear,
junto da porta, porém, desfalecendo...
Licor lhe deram, com generosidade,
Até o acordo de si recuperar!...
Envergonhado, ainda atreveu-se a inventar
que escutara dois cachorros discutindo
por um pedaço de osso, ambos latindo,
e em seu desmaio, os conseguira interpretar...
Por que estamos por um osso a disputar,
se Tchang Na Li há quatro dias está jejuando?
“Mas que humildade está ele demonstrando!
Alguma nova recompensa lhe vou dar!...”
E duas dragonas de seda fez buscar,
para que usasse sobre os ombros do roupão!
Tchang Na Li se retirou, ainda esfaimado...
Contudo, um monge percebeu o seu penar
e a seu mosteiro o conduziu, em compaixão,
em que ele foi, finalmente, alimentado!...
A ÚLTIMA VONTADE DO EMIR I – 13/7/2016
Hibban El-Hajji, emir de Shiker e Mukalla,
era um monarca de vaidade extrema,
nenhum motivo havendo por que tema,
sendo louvado por eloquente fala...
Tinha riquezas, esposas, grande gala:
da sorte o barco para ele sempre rema,
sendo porto de comércio; e trigo ou gema,
tudo quanto aportava, enchia-lhe a sala
suntuosa do tesouro... e assim podia
dar a seus súditos um bom nível de vida;
era o emirado por desertos protegido,
nenhum ataque a lhe fazer pirataria;
tinha filhos leais, guarda aguerrida,
sucesso tendo em quanto havia empreendido.
Tinha razões para a vaidade, certamente,
o que queria era, porém, algo diverso:
desejava ser lembrado em prosa e verso,
mas por ter dado um bom motivo, realmente.
Defendera a Santa Fé, era um bom crente;
por seu exemplo, muito pagão fora converso,
mas nenhum escrito seu fora disperso,
nem qualquer música: nada deixara permanente.
O que Hibban desejava, em realidade,
era que por suas palavras o lembrassem,
especialmente aquelas ditas ao morrer...
Iskandar (ou Alexandre), na verdade,
“Ao mais digno!” – se o herdeiro perguntassem,
fora em seu leito de morte assim dizer!...
Nero, o famoso imperador romano,
ao se matar (ou ao ser assassinado)
“Que grande artista perde o mundo!” – havia falado,
sem se gabar de qualquer feito soberano.
E Júlio César, outro pagão arcano,
ao ser no Fórum atacado e apunhalado,
haveria em desaponto proclamado:
“Até tu, meu filho Brutus!” – num reclamo.
Dissera Rafael, pintor pagão: “Estou feliz!”
E uma rainha que ia ser decapitada,
após pisar sobre o pé do executor,
qual foi a frase que em tal momento diz?
Não se mostrou infeliz ou amedrontada:
Apenas disse: “Queira perdoar-me, meu senhor!”
O astrônomo Newton, com maior razão,
morreu dizendo nunca achar toda a verdade,
que havia buscado com engenhosidade:
não sendo muçulmano, faleceu como cristão!
E o pintor Da Vinci protestara na ocasião:
“A Deus eu ofendi, pois toda a qualidade
que devia ter minha obra; por infelicidade,
jamais consegui alcançar à perfeição!...”
Naturalmente! Pois pintara, em profusão,
mulheres, animais e outras coisas proibidas
por nosso grande Profeta Maomé!...
Mas as palavras de sua honesta confissão
por muitos séculos continuam a ser ouvidas,
professando ele, embora, a falsa fé!...
A ÚLTIMA VONTADE DO EMIR II
Mas por que frase ser lembrado poderia,
que conservasse a sua memória eterna?
Seria, talvez, declaração bem terna,
ou imprecação que após si se guardaria?
Um bom conselho que seu povo aceitaria,
um pensamento de sabedoria sempiterna?
Em sua mente cada dúvida se alterna,
pensando, enfim, que a alguém consultaria...
Mas se a frase lhe dissesse um conselheiro
ou um alto funcionário, saberiam sua autoria
e todo o mérito para o outro ficaria...
Não poderia ser assim sábio altaneiro...
Mas, e quem sabe? Se o conselho recebesse
de alguém humilde, em quem ninguém mais cresse?
Deste modo, com o secretário conversou,
Salim Sady, a quem comprara como escravo,
mas se mostrara depois leal e bravo,
quase um filho, a quem logo ele alforriou. (*)
(*) Concedeu a liberdade.
E seu desejo finalmente revelou:
“Quero uma frase que provoque um cravo
na mente dos fieis, um vasto agravo
ou uma sentença qual Maomé legou...”
“Pois vejo agora que já me pesa a idade;
provavelmente, minha morte se aproxima...
Qual frase de ouro eu deixo na memória
“de meus súditos? Não pela eternidade,
a que somente nosso Alcorão se inclina,
mas que me traga duradoura glória...?”
“Sábio Emir, nasci no Afeganistão
e me recordo de Mizuk, um bom poeta,
mas cuja obra o esquecimento afeta,
que poderá empregar nessa ocasião.“
“Ninguém em Mukalla recorda sua feição.
Lugar algum do Islam hoje se inquieta
pela poesia desse afegão, antes dileta:
hoje esquecida sem um rasgo de emoção...”
“Tenho certeza de que todos julgarão
que tal frase o senhor mesmo é que compôs
e ainda lhe faço o mais firme juramento
“de que nada a tal respeito escutarão
de minha boca, tal qual hoje vos expôs;
para meu túmulo seguirá o conhecimento!”
“Como é essa frase que tem tanta valia?”
“Naib aq vast y harde katib nosteby.”
“Uma linguagem desse tipo nunca ouvi...
Em língua árabe, que representaria?”
“Meus erros esqueci, pois pretendia
acertar sempre,” respondeu Salim Sady.
“É uma frase muito sábia, compreendi...
Se a decorar, quando morresse, o afirmaria!”
Assim, no dia em que a morte lhe chegou,
em seu último suspiro, proclamou o bom emir
a estranha frase, com a força de um sacrário...
E quando, enfim, a tradução se apresentou,
Foi que Hibban, ao falecer, quis proferir:
“Deixo meu trono e meus bens ao Secretário!”
O DOUTOR EM EFELOGIA I – 14/7/2016
Havia em Marrakesh, a negociar com fumo,
um estranho russo, da pátria um exilado,
que preferia permanecer calado,
sem de qualquer conversa tomar rumo.
Mesmo se achando o calor em suprassumo,
em grosso casacão todo enrolado
e num gorro de astracã trazia enfiado
o crânio calvo, sua grossa barba em grumo.
Era Vladimir Koliêvitch o seu nome;
nunca falava nada a seu respeito,
mas se portava com bastante educação,
sempre que para conversar alguém o tome.
Sem dizer nada sobre quanto havia feito,
de outros assuntos dava boa informação.
Segundo, no geral, se acreditara
de Riga fora na universidade professor,
sendo exilado após cair em desfavor,
por rebelião, de que participara
pela independência lituana, se afirmara;
preso estivera em lugar de grande horror
lá na Sibéria, de que fugira com ardor
quando uma chance para tal se apresentara.
Mas certo dia, outra jovem exilada,
chamada Sonia Beliekina, perguntou:
“Alguém conhece o rio Falgu, por favor?”
Ora, nem eu, nem ninguém sabia nada,
porém Koliêvitch então se apresentou:
“Fica na Índia e é mencionado com louvor.”
“Ali, segundo dizem, foi que o Buddha recebeu
a inspiração, sob os ramos da figueira...
É um rio estranho, de arenosa esteira
e nem parece que qualquer um ali bebeu!”
“Mas realmente, isso é muito interessante,”
falou a jovem Sonia. “Sobre esse rio ouvi
neste romance de um Octave Feuillet...”
“Ah, um escritor de mérito inconstante,”
aduziu Koliêvitch. “Ninguém o lembra aqui
e mesmo em França, pouco gente mais o lê...”
“Escritor muito melhor seria Flaubert,
o celebrado autor de Salammbô
e de Madame Bovary, que influenciou
mais de uma geração, como se quer...”
A seguir lhe perguntaram por Molière
e por Balzac, porém desconversou
e sobre a França se então manifestou,
em erudição maior que a de qualquer!...
Os circunstantes se achavam assombrados,
pois esse homem seria um gênio universal,
toda a História conhecia e a Geografia!...
Mais conhecimentos revelando, imoderados,
sobre Botânica e mesmo História Natural,
tal qual chamavam nesse tempo a Zoologia!
O DOUTOR EM EFELOGIA II
Às “Filanzanes” também ele descreveu,
liteiras típicas de Madagascar,
que pobres cules precisam transportar
com os fortes braços que o labor lhes deu.
Uma borrasca então nos surpreendeu,
janelas, portas e telhados a estalar,
já os hóspedes principiando a se assustar,
mas Koliêvitch, com o impassível rosto seu
trouxe de volta toda a tranquilidade:
“Caros amigos, não é mais que ventania,
não se trata, em absoluto, de um flagelo!”
“Não é tufão, nem ciclone de verdade,
Em Marrakesh nenhum tornado se assistia
e nosso hotel é mais forte que um castelo!”
“Além disso, Faye, o astrônomo francês,
que estudou principalmente os ventos,
as trombas d’água a tomar por passatempos,
aos habitantes daqui tranquilos fez.”
“Terremotos só pela Argélia e Itália vês,
pela Grécia e por Turquia, há longos tempos,
no Marrocos não são mais que contratempos...
E prosseguindo neste tema, se me crês,
“avalanches por aqui não passam perto,
nem maremotos, é muito calmo o mar,
tampouco incêndios, por causa do deserto.”
“Não, meus amigos, podem-se tranquilizar,
Isto eu afirmo de coração aberto:
é só um ventinho e logo irá amainar!...”
E nessa noite, todos foram se deitar,
sem mais sentirem o menor receio...
Sonia, a exilada, passou a noite a meio
com seu sábio compatriota a conversar...
Já no outro dia, em que saí a passear,
vencera o sol todo aquele tempo feio
e a meu encontro, por acaso, veio
o grande sábio que estava a admirar...
Pareceu-me estar um tanto embaraçado
pelo respeito que então manifestei:
“O senhor é um excelente professor!”
“Jamais a um outro conheci tão informado!
Especialistas são aqueles que encontrei,
mas a cultura universal tem é o senhor!...”
“Meu amigo, sou forçado a declarar
que de mim falsa impressão elaborou:
não existe em mim o gênio que julgou,
porém memória bastante singular!...!
“O senhor vê, em rebelião fui-me implicar,
que infelizmente a meu país não libertou
e o governo de Moscou me transportou
até a Sibéria, para ali me encarcerar!...”
“Mas encontrei em minha cela de prisão
só a letra “F” de uma enciclopédia
que, por dez anos, era tudo o quanto lia...
E deste modo completei minha erudição,
sem ser imensa, mas tão somente média:
não sou mais do que um Doutor em Efelogia!”
EPÍLOGO
Fiquei surpreso com uma tal franqueza,
que margem deu para bem grande amizade
e logo após ainda maior felicidade,
ao ser padrinho do seu casamento
com a jovem Sonia, de gentil beleza...
Creio que os dois tiveram muita sorte,
uma família a iniciar de um belo porte,
a compensá-los pelo antigo sofrimento!...
A LÂMPADA AZUL DO HEDJAZ I – 15/7/2016
Khamir El-Hajji, rei poderoso do Hedjaz,
localizado junto ao Mar Vermelho,
não era ainda um homem muito velho,
quando da capital ao Cádi chamar faz...
Jeddah é o nome que a cidade traz,
das águas se reflete em claro espelho,
que para declarar, em bom conselho,
de encarnado não se mostra nada assaz!
Segundo afirmam, esse Yam Suph hebreu,
que traduziram como Erythra Thalassa,
só se refere ao rumo Sul, em cananeu, (*)
(*) Aos quatro pontos cardeais.
Tal o Mar Negro, que se referiria ao Norte,
o Branco ao Leste; e o Amarelo o Oeste traça,
só indicando as direções de maior porte...
Pois veio o Cádi logo à presença do Sultão,
que lhe indagou qual a origem que teria
uma lâmpada azul, que à noite via,
brilhando sem parar nessa ocasião.
Mas logo o Cádi lhe explicou, com emoção:
“Majestade, a luz surgiu de minha moradia;
com minha família rezamos terço e homilia
por sua saúde e o bom governo de sua mão!”
Ficou Khamir em extremo surpreendido
e resolvido a compensar o seu prefeito
por nobre mostra de tal dedicação!...
E disse ao Grão-Vizir, bem comovido:
“Caro Moallim, o nosso Cádi tem direito
a mil dinares, em merecida dotação!...”
“Mil dinares? Certamente, Majestade!
Esta é, sem dúvida, belíssima quantia...
Alguma ação demonstrou grande valia,
executada pelo bom prefeito da cidade...”
“Fui surpreendido pela luminosidade
de uma lâmpada azul que antes não via
e o leal Cádi confessou-me que a acendia
para por mim rezar em intensidade!...”
“E assim passou com a família a noite inteira,
a revelar pelo meu bem grande amizade!
Mais do que justo que lhe dê tal recompensa!”
“Meritória e bela ação, se verdadeira,
mas sou forçado a lhe dizer que é falsidade,
invencionice de indignidade densa!...”
“Como assim?” – falou o Sultão em sua surpresa.
“É que o bom Cádi nem ao menos tem família
e nunca reza em sua própria moradia,
só na mesquita, para que o vejam, com certeza!”
“Porém, e a luz azul? Igual beleza
pelas ruas de Jeddah nunca antes via!”
“Majestade, eu vos confesso neste dia:
foi a lamparina que coloquei sobre minha mesa.”
“Passei em claro a noite hoje passada,
pensando em como encontrar a solução
para os problemas que vosso reino afligem!”
“Não basta o dia. É só de madrugada
que consigo completar esta missão:
dura é a vida daqueles que dirigem!...”
A LÂMPADA AZUL DO HEDJAZ II
Khamir El-Hajji ficou estarrecido!...
Não esperava que seu Cádi lhe mentisse
e que seu Grão-Vizir o desmentisse...
Seria a este o prêmio então devido!
Mas o mau prefeito deveria ser punido,
para que um tal precedente não se abrisse.
A seu Sultão mentira séria disse!
De seu cargo deveria então ser demitido!
Pois recompensa daria assim ao Grão-Vizir,
que demonstrara possuir tal dedicação:
seria guindado à posição de Emir!...
E assim pensando, convocou seu general,
que comandava as grandes tropas da nação,
Al-Muhaddin, o seu amigo mais leal!...
“Meu General, quero guindar o Grão-Vizir
a um posto digno de tanta lealdade,
pois as noites ele passa, na verdade,
em grande esforço, para o reino conduzir!”
“Dos mais valentes, cem soldados vai reunir
como uma guarda de veraz perpetuidade,
que o acompanhe quando andar pela cidade,
pois vou nomeá-lo para a posição de Emir!”
“Naturalmente, Majestade! Contudo, me permite
indagar qual foi o feito extraordinário
que o intitulou a tal honra soberana...?”
“Durante a noite, para que dormir evite,
lamparina acendeu, de brilho azul e vário,
enquanto em benefício meu se afana!...”
“À luz azul a noite inteira atende?
Majestade, acreditou nessa artimanha?
Essa é a luz de minha tenda de campanha,
em que a defesa do reino mais me prende!”
“Foi-me informado que rebelião se acende
entre as tribos do deserto, em ímpia manha.
Seu Grão-Vizir em falsidade não se acanha;
isso meu brio de militar bastante ofende!”
Ficou o Sultão surpreendido ainda mais
e a calcular qual seria a recompensa
que compensasse a devoção do militar...
Vou consultar o Ulemá, o qual, jamais,
falhou em aconselhar-me no que pensa!
E a história inteira narrou-lhe, sem parar...
“Meu sábio amigo, o prefeito me mentiu
e depois dele o meu amado Grão-Vizir!
De que forma deverei aos dois punir?
Só o general com honradez me preveniu!”
“Majestade, me perdoe... A luz que viu
é a do farol que ordenou se construir...
Só na outra noite começou o seu luzir:
Al-Muhaddin igualmente o iludiu!...”
Sofreu o Sultão grande desapontamento,
mas nessa noite, ao subir a seu terraço,
viu lâmpadas azuis, aos milhares, a brilhar!...
E bem depressa lhe chegou ao entendimento,
que escutado haviam da recompensa o traço
e que mil súditos o buscavam ludibriar!