AS ÁRVORES DOS PEIXES & MAIS

AS ÁRVORES DOS PEIXES I – 13/6/2016

Em uma aldeia que se localizava

no sul da Rússia, vivia um camponês

com sua esposa de rubicunda tês (*)

mais uma língua que parada não ficava...

(*) De rosto corado.

E não somente a seu esposo perturbava,

falando sem parar, mês após mês,

mas com as vizinhas as fofocas dessa vez

todos os dias com prazer compartilhava...

Ora, Vanuschka, o camponês, não era tolo,

mas já casados há mais de cinco anos,

filhos não tinham para o seu consolo

e ela no campo jamais o ia ajudar,

passava o tempo a matracar os seus enganos,

sem dos deveres de casa se lembrar!...

Mas certo dia um capricho teve a sorte

e enquanto ele arrancava uma raiz

surgiu panela, em que tanta história diz

ser enterrado um tesouro de bom porte...

Vanuschka, ou “Ivãzinho”, deu um corte

nessas raízes, no cuidado mais feliz,

que um dia achara cobra e, por um triz,

não recebera de uma picada a morte!...

Porém, de fato, havia ali um tesouro:

muitas moedas de cobre, outras de prata

e lá no fundo, uns vinte rublos, puro ouro! (*)

(*) Moeda russa, dividida em copeques, muito valiosa então.

Enrolou tudo no seu gibão de couro

e para casa correu por entre a mata

até seu campo em que brotava o trigo louro...

Logo a mulher encontrou no seu caminho,

sabendo ele ser curiosa e faladeira

e ao lhe mostrar o que achara na ribeira (*)

um certo medo acometeu-o, de mansinho...

(*) Na beira do riacho ou da sanga.

“Minha Goluba”, falou ele, com carinho,

“tivemos sorte pela vez primeira,

mas se contares a alguma fofoqueira

vão-nos tirar esse tesouro rapidinho!...”

“Nem preciso lhe explicar qual a razão:

toda a gente fica cheia de ambição,

os seus parentes vão querer alguma parte...”

“Logo a seguir chegará o vice-prefeito,

a proclamar que a prefeitura tem direito:

sua arrogância é impossível que se farte!”

Goluba, “a Pomba”, prometeu não dizer nada;

dentro de um saco esconderam no porão...

“Esfregue bem essa panela, coração!

Que não pareça ter no campo sido achada!”

Mas vendo-a à noite em soneira bem pesada,

colocou todo o dinheiro em um surrão (*)

e o enterrou, após abrir cova no chão,

montou a cavalo e saiu em disparada!...

(*) Saco de couro grosso.

Chegando à feira que existia na cidade,

com alguns dos cobres depressa adquiriu

cinquenta peixes, uma lebre e macarrão!...

E na floresta, com bastante habilidade,

pendurou os peixes e a lebre conduziu

até a lagoa, em que a afogou sem compaixão!

AS ÁRVORES DOS PEIXES II

Já o saco inteiro de massa pendurou

sobre o telhado de sua estrebaria;

deitou-se, então... e logo a seguir fingia

que somente nessa hora se acordou...

À sua esposa sacudindo, despertou:

“Sonhei de noite que muito peixe encontraria

e que dos ramos dos carvalhos penderia!

Vamos depressa, ver se o sonho resultou!...”

“Você é louco, Vanuschka! Desde quando

se encontra peixe pendurado na floresta?...”

Mas o marido obrigou-a a levantar...

E embora mil protestos resmungando,

lá se foi ela, carregando grande cesta

sem por minuto parar de reclamar!...

E em lá chegando, teve a maior surpresa,

que ali se achavam os tais peixes pendurados,

seu cesto enchendo depressa com os achados,

toda esquecida já de sua estranheza...

“Mas o seu sonho estava certo, que beleza!

Foi por São Pedro que você foi abençoado!

Achou o tesouro e agora todo este pescado!...”

“Não vai contar a ninguém, tenho certeza!...”

Já no caminho de volta para casa,

viu Vanuschka puxar a linha e o anzol,

trazendo à margem a lebre pendurada...

“É lebre d’água. Só aparece na água rasa,

de sete em sete anos, quando sai o sol...

Pode cozer ou fritar, fazer assada...”

E no retorno, junto à estrebaria,

encontraram pendurado o macarrão...

“Mas o que é isso?” “Aqui chove uma porção

a cada sete anos, de acordo com minha tia...”

“Minha avozinha confirmava o que dizia...”

Goluba, a Pomba, dominada de emoção,

salgou os peixes, então ferveu o macarrão

e a lebrinha preparou como sabia...

Ora, Vanuschka continuou a sua vidinha,

mas a mulher tinha a língua muito solta

e logo estava a cochichar sobre o tesouro,

mas quando alguém ao camponês indagar vinha,

(que falatório para casa sempre volta)

qualquer conversa ele matava ao nascedouro...

Ficou a fofoca a correr, naturalmente

e só na frente do marido ela negava...

O vice-prefeito em breve ali chegava,

já acompanhado por bastante gente!...

“Não há tesouro algum. Essa inconsciente

da Goluba já estar rica imaginava:

se engrandecendo, essa história ela criava:

desconfio que já está meio demente!...”

“Demente, eu? Você achou esse tesouro

e no outro dia colhemos peixes na floresta,

pescou uma lebre e macarrão aqui choveu!...”

E sem acharem no porão seu paradouro,

ficou a mulher considerada louca e besta

e todo mundo do tesouro se esqueceu!...

EPÍLOGO

Não sendo bobo, sua terrinha ele vendeu,

pediu divórcio da sua faladeira

e se mudou para um lugar distante;

abriu negócio e logo lá enriqueceu,

casou depressa com outra companheira,

que lhe deu um par de filhos num instante!

A fofoqueira fama de doida conservou

E nunca mais a gente nela acreditou!...

O PATO E O PELICANO I – 14 JUN 16

Corre na Islândia uma simples lenda,

do que as sangrentas sagas mais singela,

já que nestas a feia história se revela

e poucas vezes se relata gentil senda.

Plumas macias, iguais que fios de renda,

possui o Eider, ave bastante bela,

pato selvagem, que no frio não se congela,

tendo a plumagem tal qual cálida tenda...

Por tal razão, ao despontar a primavera,

quando suas crias já aprenderam a voar,

aos seus penhascos galgam colhedores,

a recolher a forração dos ninhos que os espera,

para almofadas ou desenhos de bordar,

sendo tais aves proibidas a caçadores...

Por outra parte, ali existe um pelicano,

chamado Cormoran, cuja gordura

o protege, tal qual manto de lã pura

e facilmente sobrevive ao frio insano...

Tem um pescoço comprido como um cano,

bolsa de pele sob o bico se pendura,

guardando os peixes de sua faina dura

como alimento para as crias desse ano...

Porém dele se aproveitam os pescadores:

com redes caçam tais pássaros vorazes

e argola firme em seus pescoços prendem;

e com uma longa corrente os captores

firmam as aves, das pescarias em fases

que das gaiolas somente então desprendem!

E a cada vez que observam captura,

puxam o bicho de volta para o bote,

abrem-lhe o bico, a retirar-lhe o dote

e lhe permitem retomar a sua aventura...

Ao Cormoran só libertam da tortura

depois de peixes ter reunido um lote;

só na gaiola lhe retiram do congote

a tal argola que de engolir lhe causa agrura...

E então permitem que de um pouco se alimente,

mas não demais, que assim conserve o incentivo

para pescar continuamente no outro dia,

trazendo a casa assim o que os sustente,

enquanto o pobre escravo mantêm vivo

com esse mínimo que seu corpo nutriria...

Um certo dia, o pelicano se encontrou

com o Eider, o tal pato selvagem;

sendo mais forte, segurou-o com coragem

e pela troca de destinos demandou!...

“O meu pescoço e minha bolsa hoje lhe dou

e em troca, me dará a sua plumagem!...

“Mas não percebe que isso é uma miragem?”

Ao Cormoran então o Eider protestou...

“Pouco me importa! Você é sempre bem tratado

e só lhe tiram essa plumagem que descarta,

enquanto eu sou o tempo todo escravizado!”

“Sei muito bem que você nem é caçado,

que a seus filhotes dá comida à farta,

enquanto em passo meio estrangulado!...”

O PATO E O PELICANO II

“O que eu exijo é só um ato de justiça!

Nossos destinos agora trocaremos:

ainda aos homens igualmente serviremos,

porém é você que empreenderá minha liça!...”

Furiosamente, as suas penas mais eriça!

Mas tinham os patos pescoços mais pequenos;

grasnou o Eider: “Nós só consentiremos,

nessa troca, que para nós é injustiça,

“se numa prova simples me vencer:

deitamos juntos na beirada de um rochedo

e o que primeiro de nós vir o nascer

“do sol no oriente e ao outro despertar,

dessa disputa terá a chave do segredo

e com o outro terá de concordar!...”

“Caso eu vencer, fica tudo como está;

se me avisar primeiro, a troca será feita;

cada um de nós ao resultado se sujeita

e nunca mais contra ele se erguerá!...”

Concordou o Cormoran e ambos já

se postaram ao anoitecer, com todo o jeito,

o julgamento desse modo sendo aceito,

a ver se a troca a seguir se cumprirá...

Se bem que o Eider julgasse ser tolice,

pois de que modo os pescoços iam trocar?

Mas fez o trato e depois nada mais disse.

Caso perdesse, encontraria a solução

de algum pescoço poder assim cortar,

sem que a sua morte sobreviesse na ocasião...

Quem sabe as plumas eu arranco do meu peito

e então eu cobro o pescoço ao pelicano...

Cortada a goela em seu desejo insano,

somente ao frio eu me acharia sujeito...

Para alguma proteção daria um jeito,

mas sem pescoço ele terá horrível dano,

sem insistir mais na bobagem desse plano:

o julgamento para mim será perfeito!...

Ficou o Cormoran bem acordado,

porém o Eider dormiu a bom dormir,

já ficando o pelicano a se iludir

que seu projeto seria assim realizado,

aguardando com ardor o arrebol,

suas vistas fixas onde nasceria o sol...

Mas sono é sono. O tempo foi passando,

enquanto o Eider dormia calmamente,

já o Cormoran em bocejar frequente,

essa chegada do sol já proclamando,

sem vir a luz sobre os dois pássaros chegando;

e acabou adormecendo, finalmente...

Quando o Eider se acordou, todo contente,

a verdadeira alvorada se anunciando!...

O Cormoran reconheceu o seu engano,

sempre o Eider proibido aos caçadores...

E para que esta lenda não esqueças,

recorda que até hoje, o pelicano

é feito escravo por outros pescadores

que sobre plumas descansam suas cabeças!

O CONTO DO VIGÁRIO I – 15 jun 16

Um estancieiro vendeu uma boiada

por um milhão e meio de reais!...

Falar verdade, tal preço era demais,

doente e magra se achando a animalada...

Destinada ao matadouro, a ser carneada

para alimento das tropas nacionais,

cheios de berne e mormo os animais,

a alimentação do quartel contaminada...

O fazendeiro embolsou o seu dinheiro

e pretendendo ir gastar na “capital”,

tomou um ônibus para o Rio de Janeiro,

mesmo podendo um automóvel ter comprado

com motorista em contrato natural,

donde se vê que era um tanto atrapalhado...

E no momento em que chegou à Rodoviária,

a grana inteira no seu bolso bem guardada,

a mala firme com a direita transportada

atrapalhou-se com tanta gente vária...

Tomar um táxi achou coisa perdulária

e foi andando para a pensão recomendada,

achando hotel ser despesa demasiada:

era um conselho de uma tia solidária...

Mas no caminho, a mala já pesando,

foi abordado com bastante timidez:

“Bom dia, meu senhor...” – alguém falou.

Logo de cara o fazendeiro desconfiando,

o cumprimento devolveu com polidez

e seu dinheiro lá no bolso segurou...

Disse-lhe o outro que era um sertanejo,

recém-chegado à antiga capital,

não conhecia ninguém, andava mal,

ladrões à volta vendo num cortejo...

“Mas se sente tanto medo neste ensejo,

a mim parece que seja um bom sinal

que no seu bolso tenha um certo cabedal...

Medo de roubo nos seus olhos vejo...”

O homem olhou à volta, desconfiado

e se achando num lugar meio deserto,

tirou do bolso um grande pacotão...

“Lá na minha roça um dinheiro foi juntado;

da Santa Casa será que já estou perto?

Neste pacote eu trago dez milhão...”

“Mas por que traz no bolso esse dinheiro?

Por que num banco não o vai depositar?”

“Eu nunca tive confiança em tais lugar...

Quero entregar este pacote bem ligeiro...”

“É um donativo da minha gente, companheiro:

À Santa Casa eu tenho de levar,

mas tenho medo que alguém vá me assaltar

ou que me perca neste formigueiro...”

“Se isso acontece, vão dizer que eu roubei

e na minha terra não vão mais me respeitar...

O senhor deixa que eu caminhe do seu lado...?”

“Da Santa Casa o caminho eu perguntei,

mas é tão longe!... Poderá me acompanhar?

É mais difícil algum ladrão dois atacar...”

O CONTO DO VIGÁRIO II

“Acho que fica no caminho da pensão...

Vamos depressa, que já me pesa a mala...”

Agradeceu-lhe o outro, em longa fala

e de repente mudou o fio de seu sermão...

“Este pacote já me faz mal ao coração:

nem um momento de reclamar se cala...

A cada passo a minha saúde mais se abala!

Vou desmaiar, sem cumprir a minha missão...”

“Só o senhor é que merece minha confiança

nesta cidade de tanta gente má...

Não pode o meu pacote ir entregar...?”

“É um homem forte, seu coração não cansa

e assim grande favor me prestará...”

E concordou o fazendeiro em auxiliar...

Logo enxergou notas de cem reais

quando o pacote a seguir examinou.

Que era dinheiro real verificou,

bem apertados em plástico os totais...

“Não quero ver nem um minuto mais!”

disse o outro e o fazendeiro colocou

na mala o pacotão e seu lucro calculou...

Foi embora o outro, dando passos naturais...

Mas para que precisa disso a Santa Casa?

Que vai fazer com toda essa dinheirama?

Vou dar aos pobres lá da minha terrinha!...

Porém posso conservar minha própria vasa,

pelo trabalho e o perigo que se irmana...

Metade eu penso que pode bem ser minha!...

Mas de repente, escutou passos apressados

e depressa se virou, meio assustado!...

Mas era o homem que o havia acompanhado,

seus cabelos já um tanto desgrenhados...

Vendo seus planos já desapontados,

falou ao outro com um ar meio zangado:

“Mudou de ideia? Vai ficar bem do meu lado?

Vejo seus olhos meio a meio desconfiados...”

“Não, meu senhor, não tenho desconfiança,

mas gostaria de uma certa garantia...

Dão-lhe um recibo na secretaria

“Da Santa Casa... Eu aqui fico na aguardança,

bem nesta esquina em que agora estamos...

Dá-me o recibo e a garantia destrocamos...”

“Mas o que entende o senhor por garantia?”

“Basta o senhor me entregar esse dinheiro

que tem no bolso, como um bom parceiro:

assim mais fácil eu me tranquilizaria...”

E o fazendeiro, que tanto lucro pressentia,

o seu milhão e meio deu inteiro!...

“Vai esperar mesmo aqui, meu companheiro?”

“Claro que vou!... Até depois do meio-dia!...”

E o fazendeiro, que se achava espertalhão,

foi bem depressa registrar-se na pensão

para o pacote inspecionar logo depois...

Notas de cem encontrou nas duas pontas,

mas quando pretendeu fazer as contas,

todas as outras eram notas de um e dois!... (*)

(*) Hoje em dia as cédulas têm tamanhos variados, mas no início

do Plano Real eram todas do mesmo formato.

EPÍLOGO

Funciona assim o “Conto do Vigário”,

entre um patife bobo e um outro esperto;

ambos deviam ser postos na cadeia!

Sai castigado o idiota salafrário,

seu dinheirinho tendo destino certo

para o bolso do patife que o enleia!...