O RATO PRETENSIOSO & MAIS
TRÊS OCTETOS DE WILLIAM LAGOS
O RATO PRETENSIOSO – 29 MAI 2016
OS MACACOS PREGUIÇOSOS – 30 MAI 16
O CAMPONÊS INGÊNUO – 31 MAI 16
(Baseados em contos publicados por Monteiro Lobato conforme Silvio Romero)
O RATO PRETENSIOSO I – 29 MAI 16
Foi esta história atribuída aos Esquimós,
mas realmente é dos índios Algonquim,
que o próprio nome de Esquimós é assim
uma palavra que, de fato, empregam sós
os seus vizinhos Algonquim, sem quaisquer dós,
que “Comedores de Carne Crua”, enfim,
significa o tal nome – enquanto eles, outrossim,
só sob o nome de “Inuit” andam empós,
significando simplesmente “A gente”,
na própria língua que esse povo fala;
mas como vivem sobre lençóis de gelo
seria a história a seguir impertinente
para sua própria geografia suportá-la
e ao próprio herói nem poderiam conhecê-lo.
Pois houve um dia um importante rato,
que se tinha em melhor conta que os demais,
tanto se impondo sobre os outros animais,
que a tribo inteira o expulsou, por desacato.
“Por que não vai se gabar para algum gato?”
E nesse orgulho, sem motivos naturais,
sua própria toca construiu com os materiais
que dispersos encontrou naquele mato...
No outro dia, percebeu, ao se acordar,
que sua toquinha estava a pegar fogo!
E não querendo então morrer queimado,
por entre as chamas foi depressa se lançar,
para o exterior conseguindo sair logo,
sem ter ao menos o seu pelo chamuscado!
E de imediato já ficou mais convencido:
Dentre mil ratos eu sou o mais potente!
Diante das chamas demonstrei-me bem valente,
passei no fogo, sem sequer ficar ferido!...
Pena que a toca eu tenha assim perdido...
Notou, porém, um fato surpreendente:
inteira estava a toca, bem à frente:
Eu protegi até o meu lar querido!...
Mas foi forçado a perceber, então,
que fora apenas o sol, atravessando
os espaços por entre os seus gravetos!...
Sofreu assim uma vasta humilhação:
O fogaréu eu só estava imaginando!
Não demonstrei poderes ter secretos!...
Mas continuou pelo orgulho a ser movido
e pretendeu fazer assim outra proeza,
que à rataria indicaria, com certeza,
ser dos heróis o maior já conhecido!...
Ao longe um morro ele avistou, sendo envolvido
pelo desejo a que a vaidade o lesa: (*)
Darei um salto com a maior nobreza:,
Subindo ao morro terei a todos convencido!
(*) Engana.
Mas primeiro irei fazer um bom ensaio,
de meu sucesso futuro a garantia!...
E assim pensando, um vasto pulo armou.
mas embora se lançasse como um raio,
ficou contente porque ali ninguém o via,
pois nem sequer quatro metros alcançou!...
O RATO PRETENSIOSO II
Pouco depois, encontrou uma lagoa,
a seus olhos a maior de toda a Terra,
já convencido de que desta vez não erra:
Se eu a cruzar, será façanha muito boa!...
E se lançou à água, em vasta loa, (*)
maior distância então notando que ela encerra;
nadou valente, em verdadeira guerra,
mordidas pela cauda, que alguém roa!...
(*) Louvando a si mesmo.
E finalmente, chegou ao outro lado,
daqueles peixes procurando se livrar,
que descobriu serem apenas vermezinhos...
Numa pocinha quase tinha se afogado!
De frio tremendo, fez por se secar:
os seus triunfos, no final, tão pequeninhos!...
Pois apesar de sentir tanta canseira,
nem sequer fora qualquer lago profundo,
só um depósito de água bem imundo,
que atravessara com tanta trabalheira!
Mas nem assim perdeu sua estribeira:
um tronco alto ele enxergou, rotundo:
Segura o céu no seu lugar! – jocundo, (*)
ele pensou, imaginando nova asneira...
(*) Muito alegre.
Se eu derrubar esse pau, cairá o céu!
Hei de fazer assim grande escarcéu:
quem não morrer, irá me respeitar!...
Mas primeiro um buraquinho fez no chão:
Aqui me escondo dessa devastação
e nem o céu conseguirá me machucar!,,,
Assim, chegou-se ao tronco e foi roer;
levou dias, ali gastando os dentes,
roendo em volta, cuidados bem presentes:
Antes que caia, preciso me esconder!
E quando viu o poste já a ranger,
para o buraco deu dois pulos bem potentes;
bem depressa se enfiou, mas entrementes
ouviu do tronco um som de estremecer!
E por azar, o poste inteiro então caiu
diretamente sobre a cova que fizera,
deixando o rato bastante machucado!...
E finalmente, para o alto olhou e viu
o céu azul, tal e qual ele estivera:
façanha alguma ele havia realizado!...
Mas depois de muito mais raciocinar,
viu uma duna com mil grãos de areia!
Mais uma vez seu tolo orgulho o incendeia:
Vou jogar a duna inteira para o mar!...
Nessa tarefa, firmemente a se empenhar,
anos levou e a ventania que permeia
mais areia acumulava e até receia
o pobre rato não conseguir nunca acabar!
Até que um dia soprou um forte furacão
e arrastou da duna inteira o que restava,
muito contente deixando esse ratinho,
já muito velho, no seu esforço vão...
E enquanto o último suspiro ele soltava,
julgou-se herói, tal qual antes, coitadinho!
OS MACACOS PREGUIÇOSOS I – 30 MAI 2016
Antigamente, em lugares africanos,
existia uma raça macacal,
bem diferente de qualquer outro animal:
falava a mesma língua dos humanos!
Sendo mascotes, viviam sem afanos,
alimentados de forma natural;
eram símios bem pequenos, afinal;
não trabalhavam, mas não causavam danos.
Porém a tribo junto à qual moravam
plantava muito e mantinha criação,
vivendo em paz, ao menos na ocasião;
e deste modo, os macacos só brincavam,
comendo bem... e sem ter obrigação,
para as crianças eles até dançavam!...
Um dia, porém, certa festa aconteceu:
da tribo o soba se embriagou; (*)
pelo vinho de palmeira se tonteou
e de sua choça até mesmo se perdeu!
(*) Chefe de tribo, no dialeto Swahili.
E cambaleando, na zona se meteu
da macacada... e a turma toda se ajuntou
e a maior safadeza ali aprontou
enquanto o chefe sem notar, adormeceu!
Foi então que eles mais se aproveitaram,
as roupas e colares lhe arrancaram,
no corpo inteiro a dar-lhe beliscões!
E quando o soba se acordou, coitado!
Viu que dormira toda a noite bem pelado,
sendo abusado por tantos mandriões!...
E quando por suas roupas lhes pediu
a macacada dele apenas ria;
o infeliz chefe suportou a zombaria
e para casa, enfim, se dirigiu.
Os seus guerreiros, furioso, conduziu
até o local, passado o meio-dia;
a macacada ainda mais se divertia:
nenhum deles prender se conseguia!...
Mas foi então com Nzame se queixar,
o qual era um feiticeiro poderoso,
que aos macacos atraiu com sua magia
e após descompostura lhes passar, (*)
por intermédio de um feitiço majestoso,
determinou que trabalhassem todo dia!
(*) Repreensão.
Porém macacos são desavergonhados
e embora andassem até a plantação,
nada faziam que tivesse correção
e até arrancavam as plantas dos coitados!
Mesmo por força da magia condenados,
fugir tentavam, armavam confusão
e os trabalhadores, cheios de razão,
foram pedir que fossem dispensados!
OS MACACOS PREGUIÇOSOS II
Ituki, o chefe, ainda estava ressentido
e cansado de escutar queixas constantes,
sem resultados ter obtido dantes,
foi ter com Nzame, um novo plano concebido.
Um banquete prepararam, bem sortido,
com alimentos mais do que bastantes
e quantidades de vinho embriagantes:
pelo perfume cada mono foi trazido...
Ituki mandou pôr erva dormideira
misturada dos vinhos nas cabaças...
Como reserva posta a um canto parecia,
enquanto o povo fingia estar de bebedeira;
e a macacada, pensando fazer traças,
todo o vinho preparado assim bebia!...
Assim, pensando só estar emborrachados,
numa soneira caíram, bem depressa!
O chefe, vendo o sucesso de sua peça,
mandou a todos deixar bem amarrados...
Algumas horas depois, já despertados,
mandou a turma chicotear à beça,
que o mal que haviam feito não se esqueça,
pondo de novo a trabalhar os malcriados!
Mas que nada! Fingiam estar doentes,
em resultado de tantas chicotadas,
a chorar e a gemer de causar dó!...
Mesmo levando outras lambadas bem frequentes
quaisquer tarefas deixavam estragadas,
todas as plantas arrastando pelo pó!...
E com seus gritos faziam tal zoeira,
sempre berrando os piores desaforos,
as palavras mais imundos nos seus coros,
mantendo a gente acordada a noite inteira!
Até as crianças escutando a bandalheira,
um vil fedor rebrotando de seus poros,
e disse então Nzame ao rei – esses estouros
cortar devemos de uma forma derradeira!
Assim trouxeram os bichos amarrados
e o feiticeiro afiou sua pederneira.
Pelos guerreiros tais bichos segurados,
suas línguas, uma a uma, foi cortando,
cauterizando a seguir a boca inteira,
a hemorragia bem depressa se estancando!
No outro dia, já desamarrados,
os bichos todos fugiram para o mato,
loucos de raiva por tão triste fato,
loucos de medo de serem mais marcados!
E assim foram os símios castigados
por cometerem o louco desacato
de submeterem o chefe a tal maltrato,
nunca mais por ali sendo encontrados!
E é por isso que não sabem mais falar:
embora tenham língua os descendentes,
tem muito medo que também sejam cortadas!
Só lá do alto das árvores a guinchar,
contra os guerreiros sempre descontentes,
a lhes jogar as porcarias mais safadas!
O CAMPONÊS INGÊNUO I – 31 MAI 16
Um caboclo partiu para a cidade,
pensando ali vender a sua cabrinha,
que alguma coisa compraria de farinha
e de alimentos de maior necessidade.
Seguia pela estrada, sem maldade:
uma sineta em sua cabra tinha,
a tilintar o tempo todo a campainha
e ali seguia, cochilando de verdade,
no lombo de um burrinho bem paciente,
só nos cobres a pensar que ganharia
para comprar seu feijão, arroz, farinha;
sem ter malícia, o coitado era inocente
e assim cruzou por uma hospedaria,
três homens vendo ao redor de uma mesinha...
Ora, acontece que esses três eram ladrões
e quando viram passar esse cortejo,
disse o primeiro, enquanto dava um beijo
na própria mão, aos demais espertalhões:
“Vamos mostrar que em nossas profissões
temos mão leve como o vento num adejo;
hoje de noite, a cabrita que ali vejo
irei carnear para umas boas refeições!...”
“E esse caipira nem vai perceber...
Alguém duvida de minha agilidade...?”
“Claro que não!” – um dos comparsas respondeu.
“Mas e a sineta?” “Você vai logo ver!
Dela me livro com toda a habilidade!...”
E bem depressa para agir ele se ergueu...
Sempre o caboclo caminhava distraído,
cuidando apenas o ruído da sineta;
chegou o ladrão em sua missão secreta,
que habilidoso de fato era o bandido!
Sem perceber estar sendo perseguido,
o infeliz campônio nem se afeta
quando o ladrão a sua cabrinha aquieta,
tirando a sineta do pescoço, sem ruído!
Logo a prendeu no rabo do burrinho,
deixando então que de novo tilintasse...
E segurando com cuidado o animal,
voltou depressa pelo seu caminho,
que aos comparsas sua façanha demonstrasse,
rindo os três de sua esperteza, no final!
Falou o segundo: “Foste esperto, realmente,
mas vou mostrar que sou até um pouco mais,
pois o burrinho eu vou roubar!” “E como vais?”
“Vocês vão ver!...” E se ergueu, rapidamente;
Pôs-se a correr pela estrada, velozmente;
seguia o caipira com passadas naturais,
sem se apressar, nem retardar demais...
Logo o ladrão o saudou, alegremente...
“Olá, amigo, aonde vai com seu burrinho?”
“Eu vou à feira, vender a minha cabrinha...”
“Mas que cabrinha?...” – indagou o espertalhão.
Só então se virou o pobrezinho,
Vendo no rabo do burro a sinetinha!...
“Eu vi a sua cabra conduzida por ladrão...”
O CAMPONÊS INGÊNUO II
“Lá pela estrada, mas andava devagar...
Que fosse dele o bicho até pensei;
duzentos passos atrás até cruzei
por um atalho em que o vi entrar...”
“Mas onde fica?” “Ora, basta se apressar,
duzentos passos à direita eu calculei...”
“Mas o meu jegue é lento...” “Eu poderei
segurar para o senhor, até voltar...”
E o caipira, na sua ingenuidade,
desceu do burro, o cabresto pôs na mão
do ladrão, depois correu, dobrou à direita!
E o vigarista conseguiu tirar velocidade
do burrinho, que mostrou, com diversão,
rindo os três juntos, de novo, nessa feita!...
“Que foi esperto bem notei,” disse o terceiro,
“mas é melhor esconderem os animais;
mais burro é o dono, mas ideias naturais
poderá ter e chegar aqui ligeiro!...”
“Você tem toda a razão, meu companheiro,
vamos levar esses dois aos matagais
atrás da hospedaria... Ali, jamais
esse infeliz os achará, parceiro!...”
“Mas vou mostrar que sou ainda mais esperto!
Eu vou roubar a roupa do caipira,
sem precisar lhe dar tapa qualquer!...”
Riram-se os outros, de coração aberto:
“Queremos ver como você se vira:
tirar-lhe a roupa, sem lhe bater sequer!?...”
Seguiu em frente o terceiro espertalhão
para um lugar em que um poço se encontrava
e ali sentou-se, fingindo que chorava,
até chegar-lhe o caipira, em confusão...
“Você não viu um burro, meu irmão?
Ou uma cabrinha, que com o animal se achava?
Que desgraça! Me roubaram! Eu precisava
tanto deles para a minha plantação!...”
“Meu caro amigo, o meu caso é bem pior,”
disse o ladrão, que estava bem vestido.
“Tinha um cofrinho de jóias e o botei
na beirada do poço; e ao descansar, que dor!
Caiu la dentro, com o maior ruído!...
Pegar de volta eu nem sei como farei...”
“Mas e por que não desce lá no fundo?”
“Sou muito velho para descer no poço,
porém você é jovem!... Forte e moço,
recupera o meu cofrinho num segundo!”
“Eis um saquinho de ouro, bem rotundo,
que eu lhe darei quando subir do fosso
com meu cofrinho, para o meu retoço, (*)
pois me dará um alívio bem profundo!...”
(*) Alegria.
.
E sem mais hesitar, o camponês
tirou as roupas e começou a descer,
sem cofrinho nenhum poder achar!...
E o terceiro ladrão, por sua vez,
pegou-lhe as roupas, fugindo a bom correr,
sem que o coitado as pudesse recobrar!...