O MACACO E O CARPINTEIRO
O MACACO E O CARPINTEIRO
(Folclore brasileiro, recolhido por Silvio Romero e recontado por Monteiro Lobato em
HISTÓRIAS DE TIA NASTÁCIA, sob o titulo de O DR. BOTELHO, provavelmente versão
caipira de O GATO DE BOTAS do autor Charles Perrault. Versificação e adaptação de
WILLIAM LAGOS, 8 DEZ 2015)
O MACACO E O CARPINTEIRO I
Era uma vez um pobre carpinteiro,
que morava em uma limpa casinhola;
ganhava pouco e nunca fôra à escola,
mas era ingênuo e bom trabalhador;
ainda solteiro, ele sentia muito amor
por seu trabalho, aos animais hospitaleiro;
porém morava de um bosque na clareira,
pouca encomenda, vazia sua algibeira... (*)
(*) Bolso.
Certo feita, lhe apareceu um macaco
todo estropiado, com jeito de doente...
O carpinteiro o acolheu incontinenti,
mesmo no meio de tal noite cerrada;
deu-lhe alimento, ofereceu pousada,
vestiu-lhe calça velha e até um casaco
e cuidou dele até ver que estava bem,
surpreendido ao ver que fala humana tem!
“Eu sou Simão Botelho,” ele falou,
“e muito lhe agradeço a sua bondade...”
“Não foi nada,” disse com sinceridade
o carpinteiro. “Deste modo consegui
um bom amigo para conversar aqui...”
O macaco no trabalho o ajudou,
sem demonstrar-se muito habilidoso
e o carpinteiro o ensinou, bem caridoso.
Nas horas vagas, esculpia brinquedinhos
muito bem feitos, com pés articulados
ou carrinhos, com rodinhas equipados
e o macaco a tudo olhava atento,
sem revelar jamais seu pensamento;
mas num dia, em que esculpira uns veadinhos,
ele os pediu de presente ao carpinteiro,
que os entregou, alegre, ao companheiro.
O MACACO E O CARPINTEIRO II
O macaco saiu com os veadinhos
e o carpinteiro ficou meio intrigado:
Para onde Simão tê-los-á levado?
Mas nessa noite, retornou o macaco,
sobraçando um pesado e um leve saco;
no saco grande, alimentos e até vinhos
e no pequeno, vinte moedas de ouro:
para seu amo um magnífico tesouro!
“Mas, Simão, de onde tirou isso?”
“Foi o rei que me deu. Eu lhe levei
de presente os veadinhos e até busquei,
além deles, na beira do ribeiro,
um rebanho de veados... Bem ligeiro
fui ao palácio e falei ser um serviço
do Dr. Botelho, um homem muito rico,
deixando o rei muito contente, como explico.”
Os dois juntos então se banquetearam
com as vitualhas que Simão trouxera!
No outro dia, já sendo primavera
e encarregado que ele era de levar
os seus trabalhos, após os terminar
(e os clientes até se acostumaram),
pediu licença para um chapéu comprar
e um par de botas, para melhor se apresentar.
O carpinteiro concordou, alegremente
e o macaco retornou, todo enfeitado,
de chapéu, calças e botas ajambrado,
mais um casaco da melhor libré!...
O carpinteiro se surpreendeu até,
porém não reclamou. Ficou contente
quando outras roupas lhe entregou o macaco,
muito elegantes, tiradas do seu saco...
O MACACO E O CARPINTEIRO III
“Você gastou já todas as moedas...?”
“Claro que não! Gastei só o pagamento
desse trabalho que fez, tão a contento,
que em dobro decidiram lhe pagar:
todas as roupas assim pude comprar...”
“Mas desse jeito, Simão, até me enredas,
porque essa gente nunca pagou a mais
e regateava, insistindo ser demais!...”
“Disso não sei... Mas trouxe novas encomendas:
um quarto e uma sala!...” “E a madeira?
Só tenho verde!... Vai empenar, certeira!...”
“Deixe comigo. Eu sei como apressar,
para essa pilha bem rápido curar!...”
E Simão enfiou ervas entre as fendas
e acendeu fogo em todo o seu redor,
fazendo a pilha ressecar-se com o calor!
“Você, de fato, saiu melhor do que a encomenda!”
Falou o carpinteiro. “Só me trouxe boa sorte!”
“Porém precisa de ter nome de bom porte:
Vou chamá-lo Nicolau, meu bom patrão!
Nicolau Botelho, igual que o seu Simão!
É um belo sobrenome por que atenda...”
E doravante não será só Carpinteiro,
dessa forma que o tratamos de primeiro!
Logo a madeira tornou-se bem “curada”,
ou seja, seca e impossível de empenar;
e Nicolau se pôs a trabalhar,
com o máximo da antiga habilidade,
a obra a realizar de boa vontade!...
Mas de noite, sempre dava descansada
e Simão lhe pediu nova escultura,
que realizou, a demonstrar grande ternura...
O MACACO E O CARPINTEIRO IV
Ele esculpiu de garças um casal,
e novamente as presenteou ao bom Simão,
que no outro dia foi até o ribeirão
com as garcinhas e se pôs logo a assobiar:
logo cem garças vieram ali pousar
e então Simão as conduziu à capital,
de duas em duas, em alegre procissão
para ao rei as entregar com a própria mão!
“Mas que presente mais lindo e soberano!”
“Foi o Doutor Botelho que mandou!
Seu fiel súdito é que o presenteou:
eu sou apenas seu servo e portador!...”
“Pois foi um belo presente, sim, senhor!
E terá nova recompensa, sem engano!
Vá procurar o tesoureiro e o cozinheiro,
que lhe darão o que merece, bem ligeiro!
Assim, Simão voltou de novo carregado,
com mais ouro do que antes e comida,
dois sacos cheios transportando nessa lida
e surpreendeu novamente ao carpinteiro
mas Nicolau lhe indagou, meio vespeiro: (*)
“De onde foi que esse tesouro foi achado?”
“Eu o ganhei de recompensa do seu rei:
pagou-me as garças, conforme manda a lei!...
(*) Desconfiado.
Nicolau então comprou um carroção
e três juntas de bois para o puxar;
a sala e o quarto Simão foi entregar
e retornou com camas e cobertas
para as noites de inverno mais espertas,
mais encomendas para o seu patrão,
que não cabia em si de tão contente
por ter macaco de tal modo inteligente!...
O MACACO E O CARPINTEIRO V
Daí a um mês, a Páscoa já chegava:
Simão pediu-lhe uma dúzia de coelhinhos!
Nicolau os esculpiu, engraçadinhos
e Simão então pediu também gaiolas...
Nicolau disse fazer, mas onde pô-las?
Logo Simão ali os coelhinhos colocava.
“Não se preocupe, eu levo o carroção
E não se irá desapontar desta missão!...”
E chegando ao interior de uma clareira
ele assobiou e coelhinhos às dezenas
foram chegando, perfazendo duas centenas
e nas gaiolas foram depressa entrando,
de chocolate ovos ligeiro fabricando!...
Levou Simão tal multidão brejeira
até o palácio do rei, muito eficiente,
Sua Majestade deixando bem contente!
Mais uma vez, ganhou muito dinheiro
e mais comida para lauta refeição;
colocou tudo sobre o carroção,
voltou depressa para sua floresta
em que ele e Nicolau fizeram festa!...
Foi um cofre esculpindo o carpinteiro
para guardar tanto ouro em segurança,
sem saber o que fazer com a abastança!
E foi Simão levando mais presentes,
acostumando com o tal “Doutor Botelho”
e com “o macaco das botas de jabutelho”,
como afirmava o bom Simão de cada vez:
“Foi com casca de jabuty que a gente fez
revestimento para nos deixar contentes...”
Porém o rei manifestou a real vontade
de conhecer o autor da generosidade...
O MACACO E O CARPINTEIRO VI
“Bem, Majestade, ele saiu em viagem,
mas posso lhe mostrar suas propriedades
e visitaram dez fazendas e herdades:
“Todas pertencem ao fiel Doutor Botelho,
que a seu amigo deu botas de jabutelho!...”
Ficou o rei observando a criadagem,
os inúmeros peões e agricultores
e os verdadeiros batalhões de caçadores...
Depois Simão ao rei solicitou
que permitisse lhe fazer um pedido...
“Peça o que quer, pois já está concedido!”
“Peço a mão da princesa para meu senhor!”
O rei hesitou, mas concedeu o favor,
porém primeiro condição apresentou:
“Esse doutor... não é homem muito velho?”
“Não, é jovem e brilhante como espelho!...”
Foi a notícia transmitir para seu amo,
que ficou simplesmente apavorado!...
“Sou carpinteiro! Como vou ficar casado
com a filha de meu rei?” “Se assuste, não!
Deixe tudo por minha conta, meu patrão!”
E no outro dia, acordou-se, sem engano,
num vasto leito de coluna e cortinado,
em belo quarto com espelhos enfeitado!
E logo apareceu-lhe o bom Simão,
que o conduziu a passear pelo castelo,
cada aposento mais elegante e belo!...
“Está contente agora? Pode ver
que como noivo pode bem aparecer...”
Porém disse Nicolau: “Não é ingratidão,
contudo deve tudo isso me explicar,
caso contrário, não é possível aceitar!...
O MACACO E O CARPINTEIRO VII
“Não se espante, que contarei toda a verdade:
de Pedro Botelho eu sou o filho!” “Do diabo?”
“Pois é, mas fui um filho malcriado,
que tão só boas ações realizava;
ele achou que seu poder prejudicava
e me exilou, até aprender maldade...
Mas é claro que também sou poderoso
E assim criei este castelo majestoso!...”
“Com as fazendas e herdades ao redor;
e então meu pai transformou-me num macaco,
até que eu seja um patife de igual caco;
só que eu não quero ir de volta para o inferno;
prefiro antes o Paraíso eterno
e fiz um pacto com Nosso Senhor:
Caso ações boas praticar em profusão,
dar-me-á alma e um humano coração!...”
“E foi assim. Sou de fato seu amigo,
mas de seu bem sou eu mesmo que preciso,
para destarte conquistar o Paraíso;
falta ainda muito para me transformar,
por isso vou sua vida inteira transformar,
enquanto permaneço aqui consigo,
até que esteja muito bem casado
e na sua vida de príncipe arranjado!...”
“Mas como vou me casar com essa princesa,
se nem ao menos eu consigo falar bem!?”
“Por minha conta ficará isso também;
apenas lembre como falavam seus clientes,
quando ficavam com sua obra bem contentes
e depressa irá falar como a nobreza...
Mas lhe trarei professora de etiqueta
e sua origem ficará sempre secreta!...”
O MACACO E O CARPINTEIRO VIII
Assim Nicolau aprendeu as boas maneiras,
modificou todo o seu jeito de falar,
aprendeu como dançar, como esgrimar
e seus criados o obedeciam com presteza,
vestia-se bem e se portava à mesa
como quem sempre teve as algibeiras
cheias de ouro, de estirpe bem antiga:
quase um milagre que Simão tanto consiga!
E tão logo o auxiliar teve certeza
que adquirira o melhor comportamento,
numa carruagem o fez tomar assento
e o acompanhou à presença de seu rei,
que o recebeu tal qual nobre de grei
(Simão forjara-lhe os foros de nobreza) (*)
de uma grande família sendo o herdeiro,
embora dela o descendente derradeiro...
(*) Os títulos e a genealogia.
Passou um mês como hóspede real
e apaixonou-se pela linda princesa
e também ela por ele, com certeza!...
Foram depois conhecer o seu castelo,
que até mesmo que o do rei era mais belo,
para depois retornar à catedral...
E desta forma, celebrou-se o casamento
com toda a pompa e maior contentamento!
Porém no centro da mesa do banquete
havia bananas bem amarelinhas!...
Tentações para Simão garantidinhas,
que esquecido de seu posto, se jogou
por sobre a mesa e ao cacho inteiro se agarrou,
comendo todas!... Ai, que escândalo comete!
Porém o levaram na troça e na alegria,
do casamento conservada a sua harmonia!
EPÍLOGO
Passado um mês, Nicolau, muito contente,
foi conversar com o macaco seu amigo:
“Quer dizer que você vai ficar comigo
um certo tempo mais?” “Ah, que remédio,
de fazer boas ações já sinto o tédio...
Ser um macaco eu reconheço finalmente:
foi essa a grande armadilha do meu pai,
que me prender aqui na Terra vai!...”
Deste modo se passaram muitos anos...
Eventualmente, Nicolau tornou-se rei,
governando com justiça e toda a lei,
com a princesa tendo bela descendência;
Simão sempre a demonstrar sua obediência,
até que um dia, a matutar seus desenganos,
veio uma luz a iluminá-lo no jardim,
que o transportou ao Paraíso, enfim!...
NB: A história original era muito mais simples,
mas resolvi enriquecê-la por minha conta. – WL