O VEADO E O SAPO E OUTRAS HISTÓRIAS

QUATRO FÁBULAS DE ANIMAIS

William Lagos 6-9 NOV 2015

O VEADO E O SAPO – 6-11-15

O VEADO E O SAPO I

O Veado e o Sapo queriam se casar

com uma linda donzela Perereca;

o herbívoro em seu porte nada peca:

o pai da moça um bom partido a calcular!

Mas pelo Sapo ela foi se apaixonar,

apreciando sua lustrosa e verde beca...

“Minha filha não se vai casar com jeca!” –

falou Seu Perereco, a resmungar!...

Miss Perereca se pôs a lamentar

e o jovem Sapo apresentou seus argumentos:

“Parentes somos e bem próximos até!”

“Seu Veado é rico, mas não vai saber tratar:

capim e grama são seus alimentos;

dar-lhe-ei as moscas mais gordinhas desta sé!”

Disse o Veado: “Eu sou bom desportista:

decidiremos na base do concurso;

o Sapo é pulador, mas meu recurso

é correr bem, ao longo de uma pista!...”

“A mão da jovem Perereca se conquista

em uma légua, indo até o Fosso do Urso...”

“Mas que amanhã bem cedo seja o curso,”

disse o Sapo. “Quero olhar primeiro a pista!”

“Pois muito bem.” “Olhe, o senhor corre gritando:

Gulugubango-Bangolê pelo caminho

e ao mesmo tempo, eu respondo: Laculê!...”

Assim verá que não estou me disfarçando,

mesmo tendo o meu couro bem verdinho

e quem chegar primeiro então se vê!...”

“Estou de acordo,” disse o Veado, satisfeito.

“Aqui estaremos amanhã bem cedo;

Seu Perereco dá início a nosso enredo

e os dois partimos do exato e mesmo jeito!”

Porém o Sapo não queria estar sujeito

à mesma velocidade e tinha medo

de perder, por um metro ou por um dedo

e assim agiu com muito mau conceito.

Chamou os primos que moravam na lagoa,

de couro igual e com igual tamanho

e combinou com todos eles a trapaça,

cada um ficando a uma distância boa,

garantindo a seu parente ter o ganho,

mesmo que fosse por meio de pirraça!...

No outro dia, bem de madrugada,

chegou o Veado, de aspecto garboso

e mais o Sapo, verde e pavoroso,

que o pai da noiva já demarcara a linha.

“Já estão prontos...?” A multidão se apinha,

em sua espera de um resultado prestimoso;

uns torcendo pelo Veado tão formoso,

mas outra parte que do Sapo se avizinha...

E quando o sogro proclamou o “Já!”,

o Veado já disparou numa carreira,

com o Sapo pululando logo atrás...

E nos matinhos enfiado logo está,

sem nunca ter mostrado a cara inteira,

mas se esforçando, feito um bom rapaz!...

O VEADO E O SAPO II

Ora, uma légua é medida bem variável

e assim cinco quilômetros calcularam

e já muitos dos mateiros se postaram

na Linha de Chegada memorável...

Enquanto outros, na Partida confortável

e caminhando por atalho, acompanharam,

com mais uns quantos que sobrevoaram,

sem dar grande atenção ao improvável...

Todos achavam que o Veado ganharia

e seguiam caminhando calmamente,

o Veado desportista bem contente,

pois para trás depressa deixaria

o pequenino pulador seu oponente

e logo a mão da noiva ganharia!...

Correu cem metros e já cantou vitória,

Gulugubango-Bangolê, alegremente,

mas escutando uma resposta surpreendente:

Laculê-Laculê!... – grito de glória!...

Vinha de uns metros além, bem à sua frente!

Mas como foi que me passou essa escória?

Melhor dar um jeito depressa nessa história!...

Precipitou-se mais impetuosamente!...

Mas depois de correr outros quinhentos,

gritou: Gulugubango-Bango-Bangolê!

sem que encontrasse ninguém no seu caminho...

Não via do Sapo sequer os pulos lentos,

mas a seguir logo escutou o Laculê!

À sua frente, surgindo de um cantinho!...

E novamente, ele estugou o passo:

a dois quilômetros proclamou seu Bangolê!

porém à frente já escutou o Laculê!

do sapo a perseguir o falso andaço!...

Então correu bem mais depressa, já se vê;

onde chegava, escutava o verde traço

dos pulos do batráquio – que cansaço!

Pobre Veado! Em si mesmo já não crê...

Naturalmente, no fim o Sapo já esperava

e quando viu apontar o concorrente,

com cinco pulos já estava na Chegada!

Gulugubango! – o Veado suspirava!...

Laculê! – coachou o Sapo, alegremente

e sua vitória foi logo proclamada!...

E desta forma, foi celebrado o casamento,

o Veado a descansar, em desaponto...

Porém o Tuiuiu soube do conto (*)

e lhe veio a relatar o fingimento!...

(*) Ave pernalta do Pantanal de penas brancas e negras.

O Veado já se ergueu, nesse momento:

queria brigar, porém: “Não seja tonto,”

falou o Tuiuiu. “É caso pronto,

não mais se pode alterar o julgamento!...”

“Mas eu o ajudarei a aferventar

a água do banho que o Sapo vai tomar:

o castigo vai lhe servir como uma luva!...”

Tonto de vinho, foi o Sapo se jogar

na água fervendo, morrendo a cozinhar

e o Veado assim casou com a viúva!...

A ONÇA E O COELHO – 7 NOV 15

A ONÇA E O COELHO I

Plantara a Onça um roçado – mas urtiga

tomara conta de toda a plantação!

Quando tocava, sentia ardência e comichão

e procurou de outra gente ajuda amiga...

Mas percebendo que a ninguém consiga,

fez empreitada de tal capinação:

um boi inteiro pagaria, em condição

que, sem coçar-se, completasse a briga!

Vieram Seu Bode, Seu Veado e Seu Macaco,

mas mesmo sendo peludos animais,

não se aguentaram e logo se coçavam...

E a Onça espertalhona, num pitaco, (*)

foi dispensando a todos nos finais,

já aproveitando a capina que deixavam!

(*) Capricho, vigarice.

Por último, veio o Coelho e apresentou-se;

sem se coçar, começou a longa liça;

então a Onça, já tomada de preguiça,

deixou a filha em seu lugar e afastou-se...

O coelhinho encostou-se na sua foice

e começou uma conversa bem prolixa:

“Esse boi de sua mãe tem mancha fixa

neste lugar?” – e logo ali coçou-se...

A oncinha respondeu: “Não, não tem...”

Mas o coelhinho apontou outro lugar,

aproveitando para coçar-se ali também...

Foi bem fácil à oncinha engazopar (*)

e desse modo, ele coçou-se bem,

até o roçado inteiro completar!...

(*) Enganar.

Pois quando a Onça voltou, viu o roçado

das urtigas capinado inteiramente

e indagou da filha: “Certamente,

muito esse Coelho se deve ter coçado!”

“Não, mamãe, fiquei olhando com cuidado:

o trabalho ele fez completamente,

sem se coçar uma só vez!...” “Isso é excelente,”

mentiu a Onça e trouxe o boi do seu cercado.

“Compadre Coelho, aqui está seu pagamento,

mas não o mate onde houver mosca zumbindo,

nem escutar qualquer galo cantando.”

“E nem galinha ciscando em açodamento!...” (*)

O pobre Coelho teve um trabalho infindo,

mas finalmente o tal lugar foi encontrado!

(*) Pressa, precipitação.

Matou o boi, mas quando foi carnear,

Chegou a Onça: “Isso é demais para você:

um dos quartos traseiros já me dê!...”

O pobre Coelho não podia se negar...

Deu um pedaço, a gente logo crê

e mal a Onça acabou de o devorar,

um outro quarto pôs-se a reclamar

e devorar o boi inteiro o Coelho vê!...

Ficou pensando em como se vingar

e colocou-se da Onça no caminho,

para cortar cipós com seu facão...

Chegou a Onça, bem gorda, a balançar

e lhe indagou: “Olhe só, meu amiguinho,

para cortar tanto cipó qual é a razão...?”

A ONÇA E O COELHO II

“É que a garça me avisou da ventania:

daqui a pouco vai soprar um furacão!

Vou-me amarrar a uma árvore, senão

o vento me carrega neste dia!...”

Disse a Onça: “E hoje mesmo principia?”

“Vem daqui a pouco, sem contestação,

quem estiver solto, hoje morre sem perdão!”

“Meu compadre, você não me amarraria?”

“Ah, não posso! Já cortei todo o cipó,

vou amarrar os meus doze filhotinhos!...”

“Ai, meu compadre! Amarre a mim primeiro!”

Fez-se o coelhinho de um rogado só...

“Me amarre, Coelho, nós somos bons vizinhos!”

Tanto pediu, que ele aceitou ser seu parceiro...

Contra um tronco, ficou a Onça de pé;

ele amarrou-a, sem deixar-lhe movimento...

“Tem certeza de que a firmei a seu contento?”

“Compadre Coelho, nem piscar consigo até!...”

Falou o Coelho: “Então, bom passamento!

O furacão chegou na casa do pagé,

que está fazendo um feitiço de boa fé:

pode atrasar, mas chega num momento...”

E lá se foi o Coelho, sorridente,

a carregar de cipó uma braçada,

deixando a Onça suspirando de aliviada...

Porém o tempo foi passando, lentamente,

sem que chegasse sequer leve viração

e começou a desconfiar, com boa razão!

Passou o Veado. “Você não se amarrou?”

“Ué, por que?” “É que vem o furacão!”

“Eu não ouvi falar de nada, não!...”

“O Compadre Coelho a você não avisou?”

“Nem ele, nem ninguém disso falou...”

“Será que me enganou o espertalhão?

Compadre Veado, me desamarre, então...”

“Eu não sou bobo!... Você ontem me caçou!...”

E o Veado foi-se embora, bem lampeiro;

daí a pouco, o Bode apareceu...

“Compadre Bode, vai chegar o furacão?”

“Não ouvi falar,” respondeu-lhe bem ligeiro.

“Então, me desamarre, amigo meu!...”

“Se eu a soltar, me pega de traição!...”

Só no outro dia o Coelho apareceu.

“Você me enganou! Estou com fome até!”

“O furacão quem afastou foi o pagé!...”

“Me desamarre! Foi você que me prendeu!”

“Se a desamarro, me jura de boa fé

que não vai me agarrar?...” A Onça prometeu.

Chegou o Coelho por detrás e a desprendeu,

Mas a Onça, logo depois de ver-se em pé,

tentou o Coelho pegar para comer

e o bichinho num buraco se escondeu;

a Onça as patas e o focinho até meteu,

mas o coelhinho conseguiu se defender:

com o facão o seu focinho cutucando

e a Onça malvada saiu aos pulos e chorando!...

O pulo do gato – 8 NOV 15

O PULO DO GATO I

Andava a Onça de parceria com um Gato,

que concordou em ensinar como pular.

A Onça é boa em árvores trepar

e para um bote, salta sem recato!...

Mas para saltos melhores pelo mato,

só o Gato sabe mesmo se virar!...

Por amizade, começou a lhe ensinar...

“Sou boa aluna! Em breve, já lhe bato!...”

E aprendeu bem depressa, na verdade;

os dois saíam para fazer caçadas,

ganso e veado, do banhado o rato...

Juntos pulavam, cheios de amizade,

as suas barrigas de caça já estufadas:

paca, cutia, capivara e pato!...

O PULO DO GATO II

Mas veio a seca e escasseou a comida;

já andava a Onça espreitando o companheiro,

que comia a sua parte bem ligeiro

e a digestão até fazia na corrida...

Só encontraram um lagarto nessa lida...

“Vamos ver quem pega ele primeiro!...”

Deu o Gato um belo salto parelheiro

e o lagarto abocanhou, feliz da vida!...

Mas a Onça o atacou, bicho matreiro

e o Gato saltou logo para o lado,

o lagarto bem firme na sua boca!...

“Compadre Gato, você é bem traiçoeiro:

não me ensinou esse pulo, que pecado!”

“Não sou idiota!...” E fugiu para a sua toca...

O PULO DO GATO III

Ficou a Onça bem desapontada,

meio sentindo um buraco na barriga,

chamando o Gato, com voz muito amiga,

mas em sua toca não conseguiu entrada!

“Reparte, Gato, estou bem esfomeada...”

“Você mostrou ser hoje uma inimiga...”

“Entendeu mal, é preciso que se diga,

foi o pulo que eu errei desta assentada...”

“Era o lagarto que eu pretendia pegar...”

“Pode até ser, mas eu peguei primeiro...”

“Como pulou de lado eu não atino!...”

“Saia daí e venha me explicar...”

“Comadre, esse é meu pulo mais certeiro

e o Pulo do Gato eu nunca ensino!...

A RAPOSA CApRICHOSA – 9 NOV 15

A RAPOSA CAPRICHOSA I

Uma Raposa, por pura traquinagem,

foi-se deitar à beira do caminho,

dura e esticada, como morto animalzinho,

a um camponês aguardando com coragem.

Fazia tempo que andava de vadiagem

e o camponês a tratava com carinho;

ela encostava na mão o seu focinho:

bela amizade, sem qualquer bobagem...

O camponês não tinha galinheiro

e assim acostumou-se com a raposa,

até um pouco de comida repartindo...

Mas o animal, de fato, era matreiro:

quis pôr à prova amizade tão formosa

e que havia morrido foi fingindo!...

A RAPOSA CAPRICHOSA II

Quando foi encontrada pelo amigo,

ele ficou bastante comovido:

cavou um buraco e a enterrou, sentido,

seguindo em frente, a meditar consigo.

Mas a Raposa, sem medo do perigo,

do buraco saiu e, em desmedido

trote, passou à frente e igual fingido

realizou, tal qual do jeito antigo...

Outra raposa! Essa também morreu!

E a colocou à beira do caminho,

com um monte de folhas a cobrir...

Mas bem depressa o animal se ergueu

e novamente estendeu-se, de mansinho,

como terceira morta a lhe surgir...

A RAPOSA CAPRICHOSA III

Já desta vez, demonstrou menos leniência:

no meio do mato, prontamente, ele a jogou.

Mas quem será que tanto zorro hoje matou?

Meio cansado da inicial benevolência...

Pois não é que a Raposa, que imprudência!

Mais uma vez feito morta se atirou

e o camponês quarta vez lá tropeçou,

porém agora já tomado de impaciência!...

“Ah, é assim? Nunca acaba de morrer?”

Ergueu a bengala, em que na senda se apoiara

e deu enorme tunda no animal!...

“Levantar mais uma vez não vai poder!”

Deixou a Raposa, que tanto o incomodara.

completamente morta no final!...