O VELHO, O MENINO E O BURRO & MAIS
TRÊS FÁBULAS SOBRE ANIMAIS
WILLIAM LAGOS, 3-5 NOV 2015
O VELHO, O MENINO E O BURRO
William lagos, 3 nov 15
(Sobre original de Jean de La Fontaine, 1668 – Para Kátia Chiappini).
O VELHO, O MENINO E O BURRO I
La Fontaine foi um grande fabulista,
que muitos a Esopo compararam;
belas histórias esses dois contaram,
por longos séculos a deixar sua pista.
É necessário que primeiro aqui se insista
que numerosas versões modificaram
esta historieta que tantos já narraram,
cada um conforme a memória já conquista.
É quase certo que você tenha escutado
até mais de uma versão, mas me pediram
e agora a minha aqui lhe mostrarei,
depois que a ler, talvez tenha agradado,
tanto quanto meus quartetos permitiram,
já que em conjunto de sonetos a exporei...
Vamos, então, à antiga narrativa,
que talvez brote de um tempo imemorial,
mas La Fontaine, com seu jeito magistral,
tornou-a popular e rediviva...
Em mil seiscentos e sessenta e oito a fez cativa
de um livrinho sem grande cabedal,
logo alcançando um sucesso triunfal
republicações alcançou, bastante ativa...
La Fontaine mencionou foi um moleiro,
ou “meunier”, o proprietário de um moinho,
mais o seu filho, seguindo seu caminho,
na intenção de venderem, bem ligeiro,
o seu burrico, por não mais trabalhar bem,
a fim de outro melhor comprar também...
Ora, o animal era bastante forte
e assim os dois montaram no burrinho,
que seguiu a marchar, devagarinho,
em direção a uma feira de bom porte
e assim andavam, empós a própria sorte,
na polvadeira ao longo do caminho,
enquanto, mansamente, o seu bichinho
avançava, a passos lentos, para o norte...
Então passaram por um bando de ciganos,
que outros dizem serem cavaleiros
ou mesmo padres durante procissão,
que os criticaram, sem quaisquer enganos:
“São dois malvados montados em poleiros:
o pobre burro vai morrer do coração!...”
Pois o moleiro ficou meio desbicado (*)
e disse ao filho: “Se o burro se assolear, (+)
ninguém bom preço por ele irá pagar:
desça, menino, e caminhe do meu lado.”
(*) Desapontado. (+) Ficar cansado e ofegante.
O rapaz era obediente e, sem cuidado,
desceu da sela e começou a andar,
jovem e forte, sem muito se importar,
ficando o bicho, assim, mais aliviado!
Porem o pai continuou nele montado,
as pernas longas a se arrastar no chão,
sem que em nada protestasse o animalzinho;
logo a seguir, um riacho foi achado,
as lavadeiras esfregando com sabão
o seu lavado, até ficar limpinho!...
O VELHO, O MENINO E O BURRO II
Mas bem depressa, uma delas apontou:
“Vejam, meninas, que homem mais folgado!
Pouco se importa se o garoto está cansado,
sobre o asno o vagabundo se abancou!”
“E o pobrezinha a se esfalfar deixou!...”
Logo iniciaram um coro e um assobiado:
“Desce daí, vagabundo, desalmado!...
E então o moleiro bastante se espantou...
Mas não querendo a ninguém desagradar,
falou ao filho: “Talvez tenham razão,
segue montado, que agora eu vou descer.”
“Senhor meu pai, não me importo em caminhar!
Por mim, pode conservar a posição...”
“Não, essa gente a criticar não quero ver...”
E assim, montou o menino no burrinho,
com o moleiro a caminhar pesadamente,
que a feira era bem longe, realmente
e já arrastava os pés pelo caminho...
Porem acharam um pomar ali pertinho,
dez colhedoras cantando alegremente,
no seu trabalho cada qual contente,
as frutas pondo dentro de um cestinho...
E quando viram o velho andando a pé,
mais o menino montado no animal,
começaram a fazer troça de imediato:
“Mas como esse moleque tem má fé!
O pobre velho caminhando mal,
refestelado o malandrão, que desacato!...”
Ficou de novo o moleiro surpreendido:
Mas não se pode contentar ninguém?
“Certo, menino, vem caminhar também,
fica o burrinho assim desimpedido...”
Mas seu caminho foi de novo interrompido
ao passarem numa venda, de onde alguém
chamou os outros: “Minha gente, vem
olhar três burros de rabo comprido!...”
E foi de novo enorme a assuada:
“Andam a pé os três! Qual é o patrão?”
Mais do que nunca surpreendeu-se o bom moleiro.
Coçou a cabeça, sem saber mais nada:
Já fiz de tudo! Só nos resta, na ocasião,
levar o burro nas costas bem ligeiro!...
Destarte. o filho dando apoio ao pai,
com grande esforço, ergueram o burrinho,
que zurrava e protestava no caminho:
patas no ar, muito assustado vai!...
Em breve tempo, o pobre bicho cai,
de pé se ergue e corre, ligeirinho:
por esses loucos nem sente mais carinho,
sobe a barranca e desse trilho sai!...
Moleiro e filho se olharam, espantados,
sendo obrigados à alimária perseguir,
enquanto o velho, furioso, resmungava!...
Só alcançaram o bicho bem cansados
e o moleiro, depois de o conseguir,
jurou que a ninguém mais ele agradava!
HISTÓRIAS DE MACACO
William lagos, 4 nov 15
(Retirado de HISTÓRIAS DE TIA NASTÁCIA, Monteiro Lobato).
HISTÓRIAS DE MACACO I
Encontram-se, no populário brasileiro,
histórias de macaco numerosas,
algumas delas bastante espirituosas,
outras tantas de soar tão só brejeiro...
Em uma delas, o macaco é companheiro,
sem quaisquer explicações mais calorosas,
em disputas mais ou menos duvidosas,
de um coelhinho branquinho e muito arteiro...
Na verdade, deve ser meio europeia,
já que o macaco é nativo do Brasil,
enquanto o coelho só depois foi importado
e em nada explica a origem dessa ideia
de um concurso de resultado vil,
colocando ambos os bichos lado a lado...
Mas por qualquer motivo incompreensível,
ficou o macaco de caçar as borboletas,
deixando ao coelho, com intenções secretas,
uma tarefa para o pobre já impossível...
Ao manso coelho coube a tarefa inexaurível
de as cobras matar, por certo petas
desse mono de espertezas tão completas,
julgando um tal perigo ser risível!...
Quando, porém, o coelhinho adormeceu,
veio o macaco e lhe puxou as orelhas
e o peludinho despertou, muito assustado!
“Mas, Seu Macaco, por que deu puxão em mim?”
“Ah, desculpe! Tens rosadas sobrancelhas
e confundi com borboletas, apressado!...
Pouco depois, o macaco espertalhão,
sentou-se calmo, a comer uma banana,
sobre uma pedra, de que sua cauda abana,
chegando o coelho, a trazer um pau na mão!
E então lhe deu um violento safanão!
O macaco, a seguir, logo se dana:
“Mas que razão encontrou para essa gana?
Quebrou-me o rabo, sem qualquer razão!...”
“Mas, Seu Macaco, só lhe dei uma batida,
bem de acordo com nosso entendimento:
vi a cola a remexer, fazendo dobra!...”
“Não vá pensando que lhe quis causar ferida:
vim caminhando, assisti o movimento
e só bati pensando que era cobra!...”
Queria o macaco fazer uma pamonha,
pois gosto tinha para essa gostosura,
que já comera, por roubalheira pura:
não mais a encontra e muito se entristonha...
Imaginou um belo golpe que se ponha:
comprou milho do galo e pagar jura,
hora marcando, na maior doçura...
Foi na raposa, sem a menor vergonha,
E lhe comprou mais um litro de milho,
que pagaria meia hora após ao galo;
logo a seguir, do cachorro outro comprou
e seguiu pela mata, ao longo trilho,
comprando um quarto da onça e, num regalo,
mais meia hora depois pagar jurou!...
HISTÓRIAS DE MACACO II
Fez sua pamonha, que já comeu, contente,
mas boa parte guardou numa cabaça; (*)
deitou num galho, gemendo igual quem passa
com uma terrível, pavorosa dor de dente!
(*) Cuia grande ou pote nesse formato.
Chegando o galo, se lastima, espertamente:
“Ai, meu amigo, não sei mais o que faça
com esta dor!... Mas o doce eu fiz de raça!
Fique comendo, até que a dor se ausente!...”
Mas o galo sentiu o cheiro da raposa
e se enfiou, bem fundo, num cantinho...
Chegou a raposa, a buscar seu pagamento...
“Coma, comadre, minha pamonha está famosa!”
“Não anda um galo por aqui, pertinho?”
“Não, minha querida, nem só por um momento!”
E apontou para o cantinho, o sem-vergonha!
Foi a raposa e o devorou inteiramente!
Mas o cheiro do cachorro então pressente!
“Se esconda ali, que com você o cão nem sonha!”
Chegou o cachorro e o mandou comer pamonha.
“Mas, e a raposa? Sinto o faro bem presente!”
“Aqui não esteve, compadre, francamente!...”
E apontou para o cantinho, o songa-monha!... (*)
(*) Espertalhão, vigarista.
Logo o cachorro devorou a raposinha,
lambendo os beiços, mas depressa farejou,
sentindo a onça, cujo cheiro se avizinha!...
“Se esconda ali, vai ver que a fera nem notou!”
Mentiu de novo, apontando com a patinha,
e a onça ao cusco inteiro devorou!...
Bem satisfeita, ela pediu o pagamento...
“Mas, Dona Onça, já o meu doce saboreou,
então o cachorro inteiro mastigou,
que havia comido a raposa há um momento!”
“Que antes o galo havia comido num alento!
Seu pagamento inteiro já gastou,
por esse milho carunchado que entregou!
Já paguei tudo, pelo meu entendimento!
Porém a onça achou-se ludibriada
e disse ao macaco: “Você vai me pagar!”
E foi chamar de ajuda toda a onçada!...
Impedindo do riacho a sua chegada...
Louco de sede, o macaco a ruminar,
sem saber como sair dessa enrascada!...
Então teve uma ideia e se melou,
para entre as folhas, a seguir, se rebolcar:
de modo algum o puderam identificar
e o “bicho-folha” o quanto quis tomou!
Mas depois que no galho se encontrou,
lá de cima, muito alegre, foi troçar,
as onças todas, com raiva, a lhe roncar,
quando até cascas de frutas lhes jogou!...
Então a onça quis também igual fazer
e se deitou num buraco, bem tapada,
com um monte de folhas, feito morta!...
Mas o macaco foi bem capaz de perceber,
jogou-lhe pedra no meio da queixada,
deixando a onça com a boca toda torta!...
a onça, o veado e o MACACO
William lagos, 5 nov 15
(Retirado de HISTÓRIAS DE TIA NASTÁCIA, Monteiro Lobato).
A ONÇA, O VEADO E O MACACO I
Havia um mato governado por pajé
e o índio velho, com firmeza, governava;
tratava os bichos bem, mas controlava,
se via maldades, castigava até!...
Ele morava numa casinha de sapé
e ser chamado de “Compadre” ele mandava;
de vez em quando, cada bicho o visitava,
prestando contas com a máxima boa fé!
Havia mesmo os dias demarcados
para a chegada de cada morador,
todos tinham do pajé grande temor
e lhe contavam, prontamente, seus pecados,
para depois, ao receberem penitência,
cumprirem tudo com a maior paciência!...
Ora, um dia, foi a onça convocada
e se encontrou no caminho com o veado;
onça matreira, porém bicho pesado,
não se animando a atacá-lo pela estrada...
De qualquer modo, já estava atrapalhada
e não queria arranjar mais um pecado;
no mês seguinte, talvez até fosse caçado,
mas por enquanto, seria camarada!...
Só não podia a sua maldade reprimir
e no caminho, lhe foi pregando peças:
forte o veado, porém pouco inteligente...
Assim, somente por querer se divertir,
foi ao outro enganando com umas dessas
que só em histórias de mentira encontra a gente!
E no momento em que chegaram ao riachão,
de tardezinha, depois de haver enchente,
ela disse ao companheiro, indiferente:
“Pode cruzar, que não há perigo, não!...”
O pobre herbívoro aceitou a sugestão
e quase se afogou nessa torrente;
caso morresse, o comeria calmamente,
sem precisar prestar contas da má ação!
Já a onça foi passar um pouco adiante,
por onde os galhos quase atravessavam
e se encontrou com o veado na outra margem.
“Comadre Onça, levou-me o rio por diante!”
“Eu não notei como as águas engrossavam,
você passou por ser um bicho de coragem!...
Logo a seguir, encontraram bananeiras
e a onça disse: “Você prefere comer verde!
Mesmo amarelas sendo podres, não se perde,
ficam pra mim, que as comerei inteiras!”
Um pouco adiante, encontraram colhedeiras
e disse a onça: “Chegue ali e não se alerde:
mande ao inferno essa gente e delas herde
as melhores boas graças – bem certeiras!...”
Mas quando o pobre xingou. os trabalhadores, prontamente lhe soltaram os cachorros
e teve de galgar valos e morros...
E a onça falsa escondeu seus maus pendores:
“Deus ajude a quem trabalha, meus amigos!”
Cumprimentando-os sem quaisquer perigos!...
A ONÇA, O VEADO E O MACACO II
E finalmente, apareceu cobra coral...
Disse ao veado: “Olhe que lindo colarzinho!”
E o pobre bicho se escapou só de fininho
de um feio bote que lhe faria muito mal!...
Quando chegaram do Compadre no quintal,
armaram rede no alpendre, num cantinho...
Saiu a onça depois, bem de mansinho,
comeu uma ovelha, coisa até bem natural...
Mas uma cuia cheia de sangue derramou
sobre o veado, que estava adormecido...
O pajé falta da ovelha então notou.
“Foi o veado! Comeu! Está ali todo encolhido!”
Veio o pajé com um porrete, enfurecido,
E sem pensar, ao veado ele matou!...
Mas de outra vez, foi do macaco a companhia
e quando a onça quis pregar-lhe peça,
ele notou sua malícia bem depressa:
sempre era a onça que no fim perdia!...
No ribeirão, quando cruzar lhe sugeria,
por sobre os galhos a pular não cessa
e foi a onça que quase morreu dessa,
errando o pulo de onde saltaria!...
Quando até as bananeiras os dois chegaram,
subiu depressa e as comeu amarelinhas,
deixando as verdes para a onça malvada!...
E quando os trabalhadores encontraram,
“Deus ajude a quem trabalha!” – diz certinhas
as palavras da saudação mais adequada!...
Mas os cachorros a onça perceberam
e atrás dela foi que eles partiram!
E quando o ninho da coral já atingiram,
falou primeiro e da cobra os dois correram!
Os maus projetos da onça se esqueceram,
mas raiva e ódio em sua cabeça se reviram;
os dois contudo, de bons amigos se fingiram
e a boa vontade antes da hora não perderam.
Mas quando o roçado do pajé reconheceram,
pediram a bênção e se foram confessar,
depois tomaram rapadura com café...
Nas duas redes os dois se recolheram,
fingindo a onça já roncando estar,
mas já de olho nas ovelhas do pajé...
E fez o mesmo que da outra vez:
comeu a ovelha e uma cuia encheu
com o sangue do animal que não bebeu,
em igual manobra que no primeiro mês...
Porém era mais esperto esse freguês:
com um chute, todo o sangue ele verteu,
que em todo o pelo da onça se meteu:
foi-se lavar, mas um mau serviço fez!...
No outro dia, o pajé se levantou
e já deu falta de mais uma ovelha...
O macaco só apontou para a inimiga!...
E o Compadre bem depressa se achegou,
tirando da parede a lança velha,
matando a onça com um pontaço na barriga!...