Era uma vez, uma raposa sapeca, serelepe, esfomeada...
RAPOSA SAPECA,
DA BARRIGA QUEBRADA,
GULOSA EXTRAVAGANTE,
COMILONA EXAGERADA,
NÃO ESCOVA OS DENTES,
TEM DOR DE DENTE
DE TANTO COMER TUDO QUE VÊ PELA FRENTE...
Era um dia ensolarado, destes que a gente tem mesmo é vontade de abrir uma sombrinha bem colorida e um leque bem grande para fazer sombra e bastante vento. Lá, sentada no balanço armado no galho da mangueira, está ela, dona raposa sapeca se balançando para lá e para cá quando viu, de longe, um galo se aproximando. Foi logo dizendo: "Eu sou uma sem sorte, uma raposa sozinha no mundo! Não tenho vestido novo, sapatos novos nem o que comer. Minha barriga está seca, minha boca está seca e agora, o que posso fazer?"
O galo ouviu de longe e ficou assustado, as asas encolhidas, o bico em silêncio e os olhos arregalados. Pensou, respirou e cantou alto, bem alto. O cachorro logo latiu, a raposa escapuliu e depois apareceu!
A RAPOSA SAPECA,
BARRIGA QUEBRADA,
GULOSA EXTRAVAGANTE,
COMILONA EXAGERADA...
Ficou triste assim, comeu capim assim e ficou com a barriga pesada... De longe avistou o galo, arregalou bem os olhos, abriu bem a boca, passou a língua nos lábios e falou assim, assim: "Se xícara tem asa e não voa, cadeira tem braço e não abraça, Bule tem bico e não bica, eu que nem sou xícara, nem caseira e nem sou bule, preciso fazer algo para salvar o mundo!"
O galo abriu bem os ouvidos, encolheu bem as asas, arregalou bem os olhos e de coragem falou: "Como?! Repete que não ouvi direito!"
A raposa, barriga quebrada, cruzou assim os dedos e falou: "Ah, você está aí, amigo galo, nem vi você chegar. Pois fique o senhor sabendo que agora eu sou uma nova criatura, mudei, cansei de não fazer nada. Quero agora ajudar na mudança do mundo".
O galo achou muito esquisito aquele papo de raposa. Donde já se viu uma criatura tão falada, astuciosa com aquela conversa mole. Para tirar a prova dos nove, ele arriscou dizendo: "Então espero um pouco, dona Raposa, estou vendo que meu amigo cão está chegando, aí eu desço da árvore e nós conversamos".
Nem esperou o galo terminar, a raposa escapuliu, correu, correu, a língua mordeu, os olhos esbugalharam, a raposa cansada, caiu e dormiu.
A raposa gulosa extravagante comeu como se fosse um elegante, ficou com a barriga quebrada, as pernas escancaradas e andava lenta assim...
A RAPOSA SAPECA,
BARRIGA QUEBRADA,
GULOSA EXTRAVAGANTE,
COMILONA EXAGERADA...
Avistou de longe o galo suculento que a fez ficar esperta, com os olhos arregalados, o coração acelerado e a língua salpicada de vontade de comer galo. Pensou, pensou, pegou um pano no varal, amarrou na cabeça e fingiu uma dor de dente. Ensaiou um choro alto, foi chegando de mansinho até que o galo a percebeu. Foi falando assim: "Sou uma raposa infeliz, sem amigo e sem gente que me cure essa dor de dente que me faz ainda mais infeliz".
O galo arregalou os olhos, encolheu as asas para dentro, o bico para baixo e os pezinhos assim, mas a raposa sapeca, barriga quebrada, gulosa extravagante, comilona exagerada, se fez de coitada, falou manso e dengosa: "Ai que dor de dente, se o amigo me ajudar, nunca mais vai me ver correndo atrás da sua gente"! Detalhe, os dedos cruzados, o coração acelerado, doida para devorar o galo inocente.
O galo ficou com o coração apertado sem saber o que fazer. Foi vendo a raposa se aproximar, a boca arreganhar, mas na hora, bem na horinha que o galo fechou os olhos, quem apareceu? O cachorro veio às pressas e pisou no rabo da raposa que conseguiu escapar... Correu, correu, a língua mordeu, os olhos esbugalharam, caiu e dormiu... Acordou, comeu, comeu, a raposa sapeca, barriga quebrada, as pernas ficaram assim, os braços também ficaram desse jeito, a boca escancarou e nunca mais quis saber de comer galo amigo de cachorro.
A raposa sapeca aprendeu uma lição: Mais vale um amigo para todas as horas que uma mentira que não cola.