Quadro-negro

Estudante e professor, estive diante de tantos quadros na vida - até mesmo de um neto do próprio Jânio - que seria difícil tentar singularizá-los. Houve os móveis, os fixos, os negros, os verdes, os que ocupavam toda a extensão de uma parede e os menos pretensiosos.

E havia até aquele da sala de música do Ginásio de Pitangui que reproduzia as linhas de uma pauta. Mas se tocar em qualquer tecla do piano era-nos vedado para quê concentrar naquelas cinco linhas com suas complicadas semi-colcheias, mínimas e semínimas? E uma vez fui levar uma anotação na caderneta escolar justamente por advertir o José Antônio de Vasconcelos, o Pombo, - que havia pousado os dedos nas teclas durante um intervalo - que vinha vindo o Messias. Mas esse Messias não era o de Haendel, e muito menos o da salvação. Era mais da danação: servente fiel, e um carrasco cruel.

 

Mas o quadro que me vem à lembrança - e eu já nem mais era tão criança - é um que tivemos em casa. Coisa de mamãe. A Zezé da Abadia. Pois é, queria porque queria ver os filhos aproveitando melhor a escola e na sua concepção - e na ausência de uma boa biblioteca - nada como um quadro para fazer pintar e bordar aquela cambada de meninos levados da breca. Traduzindo: tinha um sentido pedagógico ter um quadro em casa. E foi o que ela fez: encomendou e com pouco

o quadro chegou. 

Era preto. Retinto e brilhante. Do tamanho de um bom mapa-mundi. Um metro por oitenta? Algo próximo. E acho que tinha um cavalete de apoio. Mas como me lembrar agora?  

E nos pusemos a riscar o quadro: desenhos eram os mais frequentes e mais fáceis. Fórmulas matemáticas, equações, figuras algébricas, teoremas. E até aplicação para as aulas particulares. Mas tinha um defeito o quadro: por ter a superfície por demais lisa, era difícil colher a impressão do giz. Seu feitor, algum carpinteiro cujo nome não me vem à cabeça, provavelmente não fora estudante dos mais assíduos e devotados. Quem sabe até não tivera a oportunidade de ser chamado ao quadro para se explicar. E sentir a orelha se avermelhar. 

Mas nos esforçamos por fazer o quadro pegar. E com o tempo algumas de suas zonas foram ficando um pouco mais ásperas - quiçá onde o óleo preto não fora passado com tanta aplicação.  

Cada um de nós que o utilizamos - ou tentamos - terá a lembrança de um desenho que fez, uma frase que escreveu ou uma exclamação que censura do tempo tenha apagado. Mas pra mim a obra-prima que por ali se pintou foi um desenho - mais um desejo - do irmão Tadeu, de tentar fazer uma bruxa. Poucos traços e eis que surge a réplica caricatural do nosso vizinho frontal: Chico Moreira, o ex-fazendeiro, casado com Dona Chiquinha.  

E o tempo não apaga da lembrança essa peça, vai ver que com Dona Zezé ainda rindo a beça.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 29/07/2015
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