OS SAPATINHOS VERMELHOS

OS SAPATINHOS ENCARNADOS

(Folklore dinamarquês, recolhido por Hans Christian Andersen sob o titulo de DE REDE SKO,

publicado em abril de 1845 pelo editor C. A. Reitzel, adaptado para o Thesouro da Juventude,

recontado em forma de versos por William Lagos, 22 jun 15.)

OS SAPATINHOS ENCARNADOS I

Era uma vez uma menina bem bonita,

a quem os pais chamaram Catarina,

mas que sofreu grande infelicidade,

os dois perdendo após febre maldita...

E sendo órfã, uma tia a adotou

e desde a tenra infância ela a criou,

não tendo filhos, na maior bondade,

mais que se mãe ela fosse da menina...

Ela ensinou-a a ser uma fiandeira,

o linho transformando em finos panos,

alguns vendidos até por alto preço,

mas aos poucos, ela quis ser bailadeira... (*)

Porém sua tia, Dona Marta, a dissuadiu:

“Aqui na aldeia a dança a nada conduziu,

senão a um casamento dar acesso...

Fora disso, lhe trará só desenganos!...”

(*) A Dinamarca é famosa por seu balé real, cuja fama é somente inferior

á do Bolshoi de Moscou; Andersen foi o inventor das sapatilhas.

Catarina era, sem dúvida, obediente

e se aplicava ao trabalho sem cansar;

em pouco tempo, já o fazia à perfeição

e Dona Marta, por ser tão diligente,

começou a lhe dar a percentagem

desse trabalho que empreendia com coragem,

mesmo que calos lhe trouxesse à mão

e um pé de meia começou a amealhar...

“Pé de meia” hoje é só uma expressão,

porém isso era comum antigamente,

nelas punham suas moedas e dinheiro,

eram lã grossa de longa duração,

que com muita precaução, então guardavam

e só muito raramente lhes roubavam:

mesmo sabendo o que era costumeiro,

tostões juntavam nelas, geralmente!...

OS SAPATINHOS ENCARNADOS II

Mas Catarina não gastava em nada,

usava as mesmas roupas mês a mês

e não gastava sequer em guloseimas...

Mas se ia à missa, via-se obrigada

a colocar alguma coisa na coleta:

ela o fazia, mas resmungava, quieta,

mostrando apenas à sua tia as teimas:

“Queria guardar, ao menos desta vez!”

Dona Marta sua avareza reprovava,

mas a menina tinha ambição secreta:

a de mudar-se para a grande cidade

e por isso, seus troquinhos conservava.

Queria tornar-se na cidade bailarina:

o grande sonho da vida da menina!

Sem imaginar que fosse veleidade

de camponesa com ideal de esteta...

Certo dia, levou uma peça de tecido

para entregar na mansão da Baronesa,

única pessoa de posses, realmente,

que ali vivia nesse tempo já esquecido

em que se passa a história dos calçados

que desde o título já foram mencionados;

e viu numa vitrine resplendente,

par de sapatos da maior beleza!...

Ficou encantada! Pediu para experimentar

e couberam nos seus pés, perfeitamente:

que magníficos sapatinhos de verniz!...

Ela atreveu-se o preço a perguntar...

“Só duas coroas, são calçados para festa!”

Saiu dali a sopesar sua grande cesta,

o vão desejo a lhe puxar pelo nariz...

Satisfazê-lo não o poderia, realmente!...

OS SAPATINHOS ENCARNADOS III

Todo o dinheiro que juntara na sua meia,

no decorrer dos últimos dois anos,

não chegava a perfazer uma coroa!...

De onde tirar mais, não tinha ideia;

sua Tia Marta não poderia lhe dar;

quanto ganhava precisava de gastar

com sua comida e qualquer roupa boa...

Servem os sonhos só para desenganos?

Ela chegou até a mansão da Baronesa

usando os seus tamancos habituais

e a senhora a recebeu com amizade:

“Sua tia não está doente, com certeza?”

“Não, minha senhora, mas tem grande encomenda

e precisamos de aviar toda a fazenda...

Eu sou mais rápida indo e vindo, na verdade:

logo retorno para ajudá-la mais...”

“Você é uma jovem muito bela, em realidade...

Bem gostaria que casasse com meu filho:

uma linda esposa, parece-me saudável,

mas o meu pobre filho, infelizmente...”

E não acrescentou sequer palavra mais:

Catarina indagar não quis demais;

recebeu o pagamento, muito afável

e retornou, seguindo o mesmo trilho...

Chegada à aldeia, parou ante a vitrina:

Como queria aqueles sapatinhos!...

Mas só teria dinheiro suficiente

passados mais dois anos, triste sina!

Chegando a casa, o dinheiro ela entregou

e sua tia fazer as compras a mandou.

Não lhe sobrou um só centavo, realmente:

vida difícil em tempos tão mesquinhos!...

OS SAPATINHOS ENCARNADOS IV

A Baronesa, porém, queria mais tecido

e Catarina ia levá-lo com frequência,

parando mesmo para tomar chazinhos...

Mas o caminho era sempre percorrido

em que avistava os sapatinhos encarnados:

verniz brilhante a lhe abanar e dar recados...

E pela estrada experimentava dar passinhos,

tal qual se fora bailarina de experiência!...

Até que um dia, em conversa com a senhora,

a Baronesa indagou-lhe por que estava

com aparência assim desapontada...

Catarina foi negando, sem demora,

mas a outra insistiu, com persistência

e Catarina confessou-lhe sua impotência

perante sua cobiça inusitada

por tais calçados que tanto desejava!

A Baronesa hesitou, por um momento.

“Se os sapatinhos são assim tão importantes,

bem posso presenteá-la, se quiser!...”

“Dona Eduvirges, perdoe o atrevimento,

mas não estava procurando lhe pedir.

Como aceitar, se não o posso retribuir...?”

“Você alivia a solidão desta mulher,

já não ando mais tão triste como dantes...”

“Mas a senhora é rica!” “Isso o que importa?

Meu filho único de mim se afastou

por efeito de terrível maldição...

Porém minha bolsa duas coroas bem comporta.”

“Não vá pensar que eu sou interesseira!...”

disse a menina, com esperança passageira.

“Sei muito bem que não foi por ambição:

eu que a atraí; você não me procurou...

OS SAPATINHOS ENCARNADOS V

Abrindo a bolsa, entregou-lhe duas coroas.

“Ah, senhora, como posso agradecer?”

“Eu só quero que me faça uma promessa

de que fará tão somente coisas boas...”

“Isso eu prometo, até hoje nunca eu quis

faz mal a ninguém...” “É o que me diz,

mas tentação é feia coisa que não cessa

e você pode muito bem se corromper...”

“Ai, eu prometo!... Aceito a condição!...”

“Não é uma condição. Foi dado livremente

esse presente de hoje, mas cuidado!

Se desprezar os pobres, em ocasião,

esses sapatos se tornarão o seu castigo!

Quando os usar, irá correr perigo!...

Mas coração caridoso e sem pecado

recompensa há de ganhar unicamente!...”

“Se quer saber, até estou sendo meio egoísta:

Já fiquei mesmo quase arrependida.

Se julguei mal o seu belo coração

o inesperado estará junto à sua pista!...

Agora vá, já a adverti o suficiente:

compre os sapatos, mas não se torne diferente!”

Catarina partiu,em grande exultação;

comprou os sapatos, alegria de sua vida!...

Chegando em casa, Dona Marta lhe indagou:

“Mas de onde tiraste esses sapatos?”

“Deu-mos Dona Eduvirges, a Baronesa!”

“E qual tarefa que em troca lhe cobrou?...”

“Só me disse que fosse boa e caridosa

e isso já sou: nem ao menos sou vaidosa!”

“Se continuares assim, tenho certeza

que os calçados ajudarão em teus recatos!”

OS SAPATINHOS ENCARNADOS VI

Mas que nada! Por melhor fosse a menina,

queria os sapatos usar em toda parte,

pois não sofriam aparente desgastar!...

Passou a usá-los na ocasião mais fina

que encontrava em sua vidinha camponesa:

ir à igrejinha nos domingos, com certeza!

Depois da missa, ela saía a dançar

pelas estradas, cada vez com melhor arte!...

E confirmou, para seu grande espanto

que os sapatinhos nunca se gastavam

e que dançava cada vez melhor,

mesmo sozinha, em qualquer recanto.

Após sete semanas, foi à igreja,

bem espantada que nos degraus se veja

soldado velho, já sem qualquer vigor,

lustrando as botas daqueles que o deixavam...

Ganhava assim uns níqueis, o coitado!

Mas quando Catarina o avistou,

passou de largo, certo nojo a demonstrar.

“Não precisa de lustrar o seu calçado?”

“Claro que não! Vai manchar o seu verniz!”

“Não vou, de fato... Mas se a menina o diz...

Sapatos belos mesmo, de assombrar!

Um par igual por aqui nunca se achou!...”

Mas Catarina evadiu-se ao elogio

e a missa toda assistiu com impaciência;

e na saída, lá estava o tal soldado:

“Lindos sapatos, para usar com brio!

Um pano limpo eu passo e moedinha

irá me dar em troca, princesinha!...”

“Saia de perto de mim, seu deslavado!

Seu pano limpo terá suja redolência!...” (*)

(*) Perfume forte ou mau cheiro.

OS SAPATINHOS ENCARNADOS VII

Tão logo ela se viu longe da igreja,

Catarina iniciou o seu bailado,

muito feliz, sempre a dançar sozinha,

porem querendo, ainda assim, que a tia a veja.

Só parou quando chegou à sua casinha,

Dona Marta a acompanhava, cansadinha.

“Você dançou muito bem, minha filhinha,

mas não consigo andar depressa do seu lado!”

Catarina, a contragosto, descalçou-se...

Teve a impressão de que os sapatos ainda tremiam;

passou flanela para lhes tirar o pó

e com os velhos tamancos já equipou-se,

para as tarefas do viver diário,

os sapatinhos guardando num armário,

o dia inteiro a cuidar deles, com dó:

que os calçasse os dois sapatos lhe pediam!...

Mas Dona Marta não deixava que os calçasse:

“Vai sair caro, se precisar de salto ou sola!”

Assim, suas botas velhas pôs na estrada...

E a Baronesa, depois que isso observasse,

até a elogiava: “Vejo bem que és caprichosa!

Podes ser pobre, mas vales mais que rosa!

E realmente, sinto-me aliviada,

que a vergonha me descia até a gola!...”

E quando outro domingo, enfim, chegou,

ela partiu com sua tia para a igreja,

a saltitar desde o princípio do caminho...

“Mais respeito!” – a senhora suplicou.

“Deixe sua dança para o final do dia!”

Contra a vontade, Catarina resistia,

Tamborilando os pés junto ao banquinho,

a tia com vergonha que alguém veja!...

OS SAPATINHOS ENCARNADOS VIII

Já na entrada, o soldado lhe dissera:

“Que bonitinhos são os teus sapatos!”

“Ora, soldado, vá dar-se ao respeito!...”

Então o velho mendigo respondera:

“Vão acabar por te grudar nos pés!...”

“Pragas não podem contra nossas fés!”

Respondeu-lhe Dona Marta, de mau jeito.

Rira o soldado: “Há bem estranhos fatos!”

E na saída, lá estava ele de novo:

“Deixe que eu passe esta minha flanela...”

Mas Catarina o repeliu depressa.

“Pois a poeira vai grudar como um renovo...

Tome cuidado para não dançar demais,

certos bailados são pouco naturais!...”

Mas a menina passou a dançar, sem pressa,

todo o caminho pela estada bela...

Chegando em casa, os pés já não paravam

e Dona Marta a teve de ajudar,

os sapatos a lhe tirar com certo esforço:

“Desta vez, até parece que apertaram!”

“Mas não sinto que me estejam os pés inchados!”

“Procura dar menos passos descuidados,

até parece que estás correndo o corso!... (*)

Deixe agora aos seus pezinhos descansar...”

(*) Passeio coletivo ao longo da praça ou da rua principal.

E já no outro domingo, a boa tia

guardou os sapatos dentro da sacola

e fez Catarina suas botas ir usando...

Mas nos degraus da igreja, ela insistia:

“Titia, agora ao menos, deixe usar!...”

Dona Marta a ajudou a colocar...

Os sapatos muito bem se comportando:

Falou o soldado: “Seu pezinho não se esfola...?”

OS SAPATINHOS ENCARNADOS IX

“Deixe-me em paz, seu esmoler imundo!”

“Vamos falar de novo, na saída...”

“Pois se encontrá-lo nos degraus de novo,

Vou-lhe dar um bofetão bem iracundo!”

Ele falou: “Oxalá grudem-lhe aos pés!...

Como respeito às normas de suas fés,

esmolas dar é um dever do povo:

jovenzinha, perdeste a chance de tua vida!”

De imediato, os sapatos começaram

uma giga violenta e interminável, (*)

antes mesmo de deixar o adro da igreja

e mesmo em casa, nunca mais pararam!...

Em vão tentou ajudá-la a boa tia:

nenhum dos dois de jeito algum saía;

o ritmo incessante quase a aleija,

dia e noite segue a dança inconquistável!...

(*) Dança escocesa de movimento rápido.

ona Marta até tentava segurá-la,

mas seguia bem ereta Catarina,

os pés movendo-se, sem nunca parar!...

Veio o padre, tentando exorcizá-la,

sem conseguir o menor resultado!...

“Foi tudo culpa do velho soldado!...”

“Mas que soldado?” – só sabiam contestar.

“Não há soldado cá na aldeia, boa menina!”

Ninguém, de fato, vira o militar,

que somente para as duas aparecera

e Catarina não parava de dançar,

Dona Marta comida a lhe alcançar,

precisando de correr mesmo a seu lado!...

Fez mal o esforço ao coração cansado

e Catarina nem sequer a foi cuidar:

já a chamavam por ali de feiticeira!...

OS SAPATINHOS ENCARNADOS X

Finalmente, Dona Marta faleceu...

Catarina foi em vão ao funeral,

dançando sem parar em torno à cova

e enfim o povo com ela correu...

Ela saiu pelas matas a chorar,

até uma alta figura ir encontrar,

espada aberta, impedindo que se mova:

“Esse é o castigo por ter feito tanto mal!”

“Você irá dançar até morrer,

como um exemplo para todas as vaidosas,

a não ser que se arrependa realmente!”

“Mas eu estou arrependida, meu senhor!”

“Não, não está. Somente está com medo.

Foi orgulhosa, não terá perdão tão cedo.

Com o mendigo demonstrou ser impaciente

e o destratou com palavras bem maldosas!”

“Agora dance, até só trapos vestir

e a pele sobre os ossos lhe pender!...”

“Mas meu pecado não foi tão grande assim!”

“Nenhum arrependimento está a sentir!...

Queria bailar? Pois dance, então, agora,

até que chegue sua derradeira hora!...”

E a aparição desvaneceu-se, enfim,

logo os sapatos retornando a se mover!

Seguiu a pobre Catarina mais três dias,

até que braços fortes a erguessem,

pés e sapatos balançando pelo ar.

“É verdadeiro esse mal de que sofrias!

Os velhos chamam-no de Dança de São Guido!

Sempre morreu quem dela tem sofrido!...”

“Eu o conheço! És o lenhador Reynar!...

Nada se faz por aqueles que padecem?...”

OS SAPATINHOS ENCARNADOS XI

“Eles só param quando os pés lhes cortam!”

“Então, por favor, me corte os meus!...”

“Mas eles morrem, a seguir, de hemorragia!...”

“Eu não me importo, meus ossos não suportam!...”

“Está certo, vou levá-la à minha choupana,

Mas não lhe causarei dor desumana...”

Reynar atou-a a um freixo que lá havia

e fez fogueira para cozer remédios seus...

Preparou-lhe um narcótico e um unguento,

levou a poção e deu-a a Catarina:

“Beba tudo, que vai adormecer!...”

Os pés pararam e transportou-a, num momento

até o cepo em que sua lenha cortava

e seus pés, um a um, os decepava,

cauterizando-os para o sangue não correr,

passando após o unguento na menina...

Tratando dela com o maior carinho,

o lenhador a conseguiu curar

e adaptou-lhe dois pezinhos de madeira

e duas muletas de pau de pinheirinho;

mais tarde, ele ensinou-a a caminhar

e após um mês, já conseguiu-a ajudar

até chegar à sacristia hospitaleira

de seu irmão, que era o padre do lugar...

Catarina ficou ali como empregada,

cozinhando e lavando e até a fiar,

sentindo agora real arrependimento...

Mas os sapatos, por mágica encantada,

primeiro haviam nadado na lagoa,

com os pés ainda dentro, sem que os roa

a menor podridão ou sofrimento,

pelas aleias do bosque ainda a dançar!...

OS SAPATINHOS ENCARNADOS XII

Morando assim com o pároco da aldeia,

não mais pensavam que fosse enfeitiçada;

de fato, muitos se compadeceram...

Gente houve que aos sapatos lançou teia,

tentaram tiros, acertar uma paulada,

mas seguiam pela mata, em disparada,

até que, finalmente, se esqueceram,

sem que fosse Catarina condenada...

E tão logo ela aprendeu a andar bem,

mudou de roupa para ir à igreja,

mas lhe surgiram os sapatos no caminho!

Sem permitir que ali passasse e também

sem lhe deixar até a igreja ir!...

Por três meses cena igual a repetir.

o pároco a sentir-se bem mesquinho

pela falta de esconjuro que a proteja!...

Certo domingo, Catarina desistiu

de ir à missa e penetrou no matagal,

com pés postiços e suas duas muletas

e finalmente, alguns gemidos ela ouviu...

E lá estava o soldado, no caminho,

sem poder dar um só passo, o pobrezinho!

Talvez movida por intenções secretas,

ela lhe deu goles de água do bornal...

Lavou-lhe o rosto e o soldado despertou:

“Ah, a menina dos sapatinhos de verniz!

Perdeu o nojo que então tinha de mim?...”

“Muita coisa mau destino me roubou,

mas certamente ensinou-me compaixão

e a ninguém desprezar, sem boa razão...”

“Acha que pode levantar-me assim?”

“Farei um esforço, se assim o diz...”

OS SAPATINHOS ENCARNADOS XIII

Com muito esforço, conseguiu erguê-lo...

“Por favor, me conduza até a igreja,

quero morrer em um lugar mais santo...”

E a aleijadinha, com um braço a prendê-lo

e o outro as duas muletas segurando,

bem devagar, foi o soldado carregando

até a porta da igreja, de onde o canto

surgia, salmo de amor que a testa beija...

Desta vez, os sapatinhos encarnados

no seu caminho não se intrometeram,

mas atrás dela seguiram, saltitando

e então os dois ficaram deslumbrados

quando surgiu a belíssima figura:

“Agora eu sei que te tornaste pura!

E tu, Henryk, vinte e um anos completando

todo o castigo cumpriste que te deram!...”

E num repente, após dor lancinante,

Catarina percebeu que os dois sapatos

substituíam seus pezinhos de madeira

e que os pés podia mover no mesmo instante!

E do seu lado havia um homem belo,

bem semelhante à Baronesa do castelo!...

Entraram juntos, espantando a igreja inteira,

para ajoelhar-se entre os fieis pacatos...

E de seu banco ergueu-se a Baronesa:

“Meu filho, Henryk, livre, finalmente!...”

O ofício transformou-se em Ação de Graças

por essas bênçãos concedidas com certeza!

Catarina e Henryk se casaram

dali a um mês e não mais os castigaram

da vaidade e grosserias as desgraças,

sem mais castigos, pela vida em frente!...

EPÍLOGO

Os sapatinhos ela pôs no casamento

e usava em festas, sem medo ou vaidade,

duas cicatrizes conservou nos tornozelos

como lembrança do terrível passamento...

Porém agora só dançava se queria;

para os tirar, coisa alguma a impedia;

criou seus filhos com amor e zelos,

com seu Henryk na maior felicidade!...

Dama Eduvirges viveu por longos anos;

linda lápide para Marta ela comprou,

pois, afinal, sentia ser a responsável

por ter causado sofrimentos desumanos;

mas era a forma de seu filho recobrar

e várias vezes fora à jovem avisar,

que a maldição só seria quebrantável

por quem sem culpa também se incriminou!

Fora Henryk também amaldiçoado

por seu orgulho, igual que Catarina

e sua pena durara vinte e um anos,

em punição de tão feio pecado!...

Se te parece não ser conto de fadas,

recorda bem que as histórias abençoadas

real magia contêm para os humanos

e esta é uma bênção que Deus a ti destina!