PRECE PARA UMA FLOR

Era inverno. A neve caíra a noite toda deixando o chão coberto com um tapete branco e fofo. As árvores do jardim, altas e desfolhadas, tiritavam de frio pedindo ao céu que abrisse uma janela para o sol mostrar seu rosto dourado envolvendo, tudo e todos, com o seu hálito quente.

Plantadas entre essas árvores altas, havia as plantas mais baixas que davam flores em certas épocas do ano e que exibiam, nos troncos e galhos, as marcas do rigor hibernal. Mas, lá num canto do jardim, havia um arbusto parcialmente desfolhado. Parcialmente porque ainda restava um galho com algumas folhas e, entre elas, um botão que teimava em florir. As folhas, ainda que admirassem a força de vontade do botão, diziam-lhe:

- Não resista. Nós não podemos com o inverno e seus efeitos. Precisamos do sol e ele se esconde entre as nuvens, deixando-nos sem luz e calor.

A árvore, sob a qual o arbusto nasceu e cresceu, concordou plenamente com as folhinhas. E mesmo ela tendo um galho com folhas que não se dobravam a força do vento, disse ao arbusto:

- Veja o meu galho! Essas folhas resistentes logo tombarão e eu ficarei totalmente nua.

- Mas eu quero que meu botão seja uma linda flor para quebrar a monotonia da neve. É tudo tão branco...! – choramingou o arbusto gelado.

À noite o vento soprou zangado. O arbusto tremia rezando para não perder seu botão de flor. Ouviu uma folhinha do seu galho caindo e gritando:

- Força, amigooooooo!

Ele rezou, rezou muito durante todo o vendaval e pela manhã viu, feliz, que o seu botão de flor, embora coberto com fina camada de gelo, continuava lá no galho entre as folhas enregeladas. No chão a folhinha que tombou durante a noite, parecia dormir no colchão branco. O arbusto ainda tentou falar com ela, mas ela não acordou do seu sono.

Ele não ficou chateado, sabia que aquela folhinha adormecida tinha um destino glorioso: adubar o solo para o nascimento de outras folhas no tempo certo. De repente aconteceu o milagre. As pesadas nuvens cinza afastaram-se deixando aparecer o sol, foi como se elas adivinhassem o desejo do arbusto. Aos poucos o calor foi se espalhando pelo jardim. E o botão? O botão fazia força para abrir as pétalas, mas devido ao galho enfolhado da grande árvore, o sol não chegava até ele para derreter o gelo.

O arbusto ouviu o chorinho infantil do seu botão, da sua criança que desejava nascer para dar um toque de vida àquela paisagem desolada. Foi então que ele fez um pedido, uma prece ao sol:

- Sol! Tu que tens o poder de iluminar e aquecer o dia, por Deus eu te peço: liberta meu botão de roupagem tão fria!

Emocionada com tal pedido, e percebendo que suas folhas impediam o aquecimento do botão, a grande árvore, num gesto de amor, sacudiu seu galho folhado com muita força. As folhas foram caindo, uma a uma, devagar como flocos de neve durante a noite, e formaram um tapete verde ao redor do arbusto.

Livre do empecilho, o sol, com seu largo sorriso, aqueceu o botãozinho que, agradecido, abriu-se em maravilhosa flor amarela num fundo totalmente branco. Um longo “Oh” de admiração, emitido por árvores, arvoredos e arbustos, ecoou pelo espaço. As folhas caídas saudaram a flor amarela dizendo:

- Irmã, tu és o milagre da natureza que, mesmo em situações adversas, prova a existência de Deus, do Deus que faz desabrochar uma flor colorida em pleno inverno. Seja bem-vinda!

- Assim também é o jardim de nossa vida. Quando pensamos que não há mais nada de belo e que tudo é inverno e solidão, eis que Deus, em sua sabedoria, faz brotar uma linda flor em nossa neve. Essa flor é você, meu neto sapeca. – complementou a avó beijando o neto de cinco anos.

- Amei vovó! Agora você me dá as balinhas que escondeu no armário?

- Menino, açúcar estraga os dentes...!

16/06/07.

(histórias que contava para o meu neto.)