O convite
Esperança estava contente no seu mundo habitado por pessoas boas e simples como ela. Porque no mundo dela só participa quem ela quer. Criança pobre, 11 anos, negra, moradora de uma viela qualquer, com sonhos pequeninos, mas valiosos. Boa aluna, excelente filha e amiga mesmo que o mundo não tenha sido tão bonzinho com ela, porém Esperança tinha algo que não perdia, pois nascera junto com o seu nome. E sempre que alguém tentava diminuí-la, ela bloqueava, não a pessoa, mas a ação.
Até que um dia ela recebeu um convite para comparecer à festa de aniversário de uma menina que conhecera há pouco tempo. Não eram amigas, pois a condição social erguia um muro, no entanto do outro lado do muro há sempre alguém que espicha o pescoço e vê uma Esperança atravessando a rua, às vezes ela fica na pista ou apenas no olhar de cada um.
Sonha, comemora aos quatro ventos o convite que havia ganhando. Na sua inocência não percebia que a sua reação poderia causar um mal estar no outro que não havia sido convidado. Nem se incomodou que o convite havia chegado tão em cima da hora., simplesmente deu a ele o seu toque poético. Arruma-se contente, mesmo com aquela roupa surrada domingueira, sentia-se bonita. Minto, Esperança é linda. Não ouviu nenhuma das advertências das pessoas que realmente gostavam dela. Enquanto ajeitava a roupa de chita ouvia as inquietações dos verdadeiros amigos:
- Esperança, não vá! Será que você será bem recebida naquele casarão? E a família da sua amiga sabe dessa amizade? A intenção dela pode ser boa, mas como os outros vão reagir?
Esperança sorria, pois não via o porquê da preocupação. Ela fora lembrada e iria aproveitar para desfrutar daquele convite.
Chega ao local com o convite em punho, apresenta-o para um espantado porteiro e entra sorridente como se fosse visível. Lá, o mundo é feio, falso, estupidamente preconceituoso e egoísta. Sente-se incomodada. Parecia que só percebiam os seus cabelos de pixaim e a sua pele escura, destoando totalmente do ambiente, como um fantasma que arranca a nossa máscara, encarando-nos olhos nos olhos, estava Esperança.
_Por que me olham com desprezo? Eu fui convidada?
E de imediato, interrompendo seus pensamentos chega até ela um pedido de desculpas do anfitrião, dizendo que o convite tinha sido um engano da aniversariante, sua filha pegara um convite que havia rasurado e mandado de lembrança para ela. Para o pai da sua nova amiga foi apenas um lamentável engano aquela menina diferente na sua casa, mas para Esperança foi uma bela lição de vida, olha para o cenário à moda Branca de Neve, balança os ombros e ...diz:
_Convite do lixo!? Aprendi com minha mãe a me amar como sou e as violências sofridas por conta da minha condição social e racial nunca irão diminuir a minha esperança em um mundo melhor. Com licença.
Esperança caminha lentamente até a lixeira dourada e deposita suavemente o convite, após picá-lo em mil pedaços. Ajeita o indomável cabelo crespo e através do Espelho Mágico percebe os olhares da centena de anões acompanhando a sua saída.
_ Minha mãe tem razão. A minha história é mais bonita que a da Branca de Neve.
Elisabeth Amorim