DANDO PINGA PARA O PERU DE NATAL

Ao descrever tais fatos (um Natal numa fazenda de café do interior), lembro uma experiência pessoal inesquecível. Evidentemente, como em muitos lugares do mundo, lá na roça também se come peru assado no natal. Só que eu até então não sabia que existia uma praxe de dar cachaça ao peru antes de esfolá-lo. Naquela vez, fiquei sabendo que a cachaça tinha o fito de eliminar toxinas da carne, que eram responsáveis por um odor na carne, após preparada. Se era ou não verdade, eu não sabia; porém o fato é que todos davam cachaça ao peru, ainda vivo, para abatê-lo. Naquele natal, talvez devido ao estafante trabalho de comandar a casa e as ajudantes a preparar com a devida antecedência o almoço de natal, minha mãe incumbiu-me de dar a cachaça ao peru. Encarregou-me também de ir sozinho até a "venda dos Signorini", na vizinha fazenda Santa Iria, para comprar a cachaça. À época eu não tinha mais que sete anos de idade e nada me foi dito de quanta cachaça deveria comprar e quanta deveria dar ao peru. Resolvi assumir que a quantidade era um litro. E assim foi feito. Ao chegar em casa com o litro de cachaça, não tive condições de falar com minha mãe ou com qualquer adulto; mas como o peru estava preso numa espécie de jaula, com a ajuda de um coleguinha, o Ditinho, fomos executar o mister. Enquanto o Ditinho segurava, com muita dificuldade aquele enorme peru, pelo pescoço, por entre as malhas da tela de arame, eu, com um funil numa mão e o litro de cachaça na outra, entornava a cachaça pela goela abaixo do bicho. Enquanto cachaça e mais cachaça era despejada por entre o bico do peru, por certo instante parece-me que o peru me fitava com olhos esgazeados. Quanto consegui meter dentro dele os últimos goles da bebida e o Ditinho o soltou, o peru deu um enorme pulo, batendo coma cabeça no teto de madeira da pequena jaula, caindo em coma profundo em seguida. Assustados, eu e o colega fomos procurar minha mãe e dizer que o peru tinha "tido vertigem". Ela chegou e viu a ave, enorme, estatelada na jaula. Olhou para mim e disse:

- Quanta cachaça você comprou?

- Um litro, por quê?

- Mas, menino, meia garrafa (330ml) já seria suficiente!

- Ah, mas eu não sabia.

- E quanto de cachaça você deu ao peru?

- Tudo; o litro inteiro.

- Meu Deus! Bastava uma xicrinha de café! Acode aqui, oh comadre Geralda!, gritou minha mãe; - temos que matar o peru agora mesmo, senão a carne se perde... .

- O fato, queridos leitores, é que o peru daquele ano estava muitíssimo gostoso; um sabor que igual jamais voltei a sentir, em toda minha longa vida!

Tio Babá
Enviado por Tio Babá em 09/05/2015
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