O PANELÃO DE BARRO
O PANELÃO DE BARRO
(Baseado em história folclórica brasileira, recolhida por Sílvio
Romero e recontada por Monteiro Lobato, versão poética de
WILLIAM LAGOS, 9 MAR 15)
O PANELÃO DE BARRO I
Havia dois vizinhos, Juca e Zeca;
Juca era rico; Zeca só trabalhava
e mal e mal conseguia o alimento
para si, cinco filhos e a mulher.
Juca, porém, tinha terras e empregados
e dos problemas de Zeca ele troçava...
Nossa Senhora via seu comportamento
e decidiu-se a castigar os seus pecados:
que o pobre andasse ali “por seca e meca”,
sem dar-lhe o rico nem de chá uma colher!...
Um dia, Zeca vendeu a sua colheita
e ao invés de ir gastar o seu dinheiro,
pensou aumentar a área que cultiva
e foi propor a Juca o arrendamento
de um trecho de terra improdutiva,
tão ruim que nem dava formigueiro!
Com ele fez Juca um contrato só de oitiva (*)
na má intenção de explorá-lo, o interesseiro
pensando em lhe tirar a terra após ser feita
a limpeza do terreno a seu contento!
(*) Contrato sem documento, só de boca.
Ora, Zeca pensava em milharal:
bem ruim a terra, mas jamais fora plantada,
em um ano daria a safra e a safrinha;
pagou a Juca uma soma exorbitante
para o valor do campo que arrendava
e no outro dia já iniciava a empreitada,
roçando o mato, a arrancar cada pedrinha,
fazendo a lenha que Juca encomendava
do arvoredo mirrado, mais para xircal,
de sol a sol, sem parar um só momento!
Em seu trabalho o ajudava sua mulher
e os filhos o lixo carregavam;
várias cobras matou com seu facão;
na maioria, no entanto, elas fugiam,
já que o ouviam fazer muito barulho
e os ofídios simplesmente se afastavam;
precisou matar também muito escorpião,
sem um instante suspeitar do esbulho
que Juca planejava lhe fazer:
más intenções com cuidado se escondiam!
O PANELÃO DE BARRO II
Um dia, Zeca arrancou um pedregal,
após horas de esforço continuado
e lá no fundo, encontrou um panelão.
Era de barro, mas estava inteiro.
Zeca pensou que serviria como tulha,
para guardar o milho cultivado
ou como talha, durante os dias de verão,
guardando água contra o calor que o esbulha;
cavando em volta sem lhe fazer mal,
o panelão desenterrando bem ligeiro!
Mas quando o pretendia levantar,
notou que era uma coisa bem pesada,
muito mais que inicialmente parecia
e levantou-lhe a tampa, com cuidado:
estava cheia de moedas de ouro!...
Maria, sua mulher, ficou encantada:
“Zeca, é a riqueza para nossa família!”
Porém disse o campônio: “Esse tesouro
ao amigo Juca devemos entregar:
o campo é dele, foi apenas arrendado!”
Maria ficou um tanto desbicada,
manteve Zeca com firmeza sua opinião
e foi falar com Juca, bem ligeiro...
“Você não está me pregando alguma peça?”
falou o outro, bastante desconfiado.
“Mas por que faria isso, meu patrão?”
“Por que não trouxe o panelão primeiro?”
“Ah, não podia, está muito pesado!”
“Hoje é domingo, dia da descansada...
Verei amanhã sua panela bem depressa!”
Porém assim que Zeca foi embora,
Juca pegou um saco e encilhou o cavalo,
troteando bem depressa até o lugar,
que encontrou limpo já pela metade;
amarrou o bicho e seguiu caminhando;
achou o panelão dentro de um valo
e foi depressa a sua tampa levantar...
Um pulo para trás foi logo dando!
Uma colmeia de vespas, nessa hora,
zumbia ali dentro, com ferocidade!...
O PANELÃO DE BARRO III
“Ah, o safado do Zeca me empulhou!
Peça por peça, não vai ficar assim!”
Prendeu de volta a tampa, com cuidado,
sem conseguir tirar daquela posição,
mas foi à granja e voltou com os empregados,
que o colocaram numa carroça, enfim.
“Vamos levar para o meu apaniguado,
em recompensa por serviços bem prestados!”
Aos empregados Juca nada revelou
sobre a maldade de sua péssima intenção!
Ao perguntarem, mentiu ser um presente
que desejava oferecer ao arrendatário,
o qual havia descoberto o panelão,
mas não o pudera retirar sozinho...
Só não sabia que Nossa Senhora
descobrira os planos do rico usurário
e pretendia já lhe dar uma lição!...
Mas chegou com a carroça, sem demora
na casinhola do Zeca, com sua gente:
bateu na porta, como faz um bom vizinho!
Zeca estava sua “séstia” então fazendo;
também dormiam seus filhos e a mulher
e atendeu à porta, estremunhado...
“Compadre Juca, a que devo esta visita?”
“Ora, eu lhe vim trazer o panelão!
Não teve forças, sei bem, para o mover
e assim o trouxe na carroça transportado...
Queira aceitar este presente de minha mão:
dou-lhe a panela e quanto está contendo!...”
“Mas tem certeza?” “Claro, não faça fita!”
Zeca mal acreditava em tal presente...
Juca pensava que ele estava apavorado;
trazia o feitiço contra o feiticeiro!
Zeca não poderia se explicar,
diante de tantas testemunhas, afinal
e assim ficava muito atrapalhado,
pois não queria o seu presente sorrateiro!
Porém Zeca, que não pensava mal,
não entendia a razão, pois tinha em mente
que Juca o ouro lhe quisesse presentear!
O PANELÃO DE BARRO IV
“Mas tem certeza que é presente, bom vizinho?”
“Claro que sim! Não vai agora recusar...?”
“Não que eu não queira, só acho que é demais,
é garantido que não quer para o senhor?...”
“Não, caro Zeca, o tesouro é todo seu...
Agora a porta tenha o cuidado de fechar
e abra a janela do quarto, meu rapaz...
O panelão com as moedas, que era meu,
neste momento lhe ofereço, com carinho...
Não me faça uma desfeita, por favor!...”
Mal conseguindo acreditar na boa sorte,
Zeca ao vizinho bem depressa obedeceu,
sem entender bem a história da janela...
Fechou a porta, então, sem reclamar
e do quartinho foi a janela abrir...
Com os empregados, Juca suspendeu
e na abertura enfiou logo a panela...
Zeca agarrou, mas não poderia conseguir
e o panelão sofreu queda de bom porte:
espatifando, mil moedas a rolar!...
Por fora, Juca trancou bem o postigo
e ficou a se rir, às gargalhadas,
pensando em como as vespas picariam,
sem ter por onde saírem para fora!...
Porém Zeca chamou a sua mulher
para catar as mil moedas espalhadas...
Lá de dentro, ao bom Juca agradeceram...
Mas ele disse: “A sua porta nem sequer
pense em abrir agora, meu amigo!...”
E na carroça, bem depressa, foi embora!
Só no outro dia Juca ficou sabendo
que tal riqueza Zeca adquirira,
mas não podia agora fazer nada!
Seus empregados haviam ouvido claramente
que ele dera para Zeca o panelão!
Voltar atrás, seria até uma mentira:
sua reputação seria desmoralizada!
Então fez de suas tripas coração,
mas a história acabou correndo:
ficou ridículo perante toda a gente!
EPÍLOGO
Claro que Zeca assim enriqueceu
e no começo falava de Juca com louvor,
até que a história das vespas lhe contaram,
que Juca, tolamente, revelara,
indo ao Juiz da Comarca se queixar,
que decidiu do processo contra o autor,
depois que todos ali testemunharam...
Zeca chegou a propor compartilhar,
mas o juiz permissão não concedeu,
que a má intenção Juca já lhe revelara!
Zeca propôs então comprar as terras
que eram de Juca, com parte do dinheiro
e então este, já por todos desprezado,
pegou as moedas e mudou-se do lugar,
para qualquer cidade bem distante...
Tornou-se Zeca um rico fazendeiro,
o seu trabalho sempre recompensado...
Nossa Senhora protegeu-o ainda bastante,
estendeu os seus campos até as serras,
uma linda igreja mandando levantar!...