A morada do sol
Eu tinha meus três anos, e os cabelos aloirados e espetados. Mais tarde iria rever minha figura na cabecinha de João Felpudo das Mais Belas Histórias.
Mas antes de lá chegar, tinha que pelo teste passar: era papai, geralmente na passação de roupas, ou nalguma costura, usando toda a sua habilidade pedagógica para me endireitar a fala. Eu vinha escorregando sistematicamente nos eles e erres. As vogais, no entanto, já dominava com desenvoltura.
E, quando menos esperava, quase sempre com a presença dalgum visitante, pra dar aquele ar importante, vinha a inquirição, cortante:
- Fala aí, Araraquara!
E eu respondia, incontinenti:
- Alalaquala!
Vinha a correção. Vinha suave, mas firme:
- Vamos devagar: diga Ara.
- Ara!
- Agora, Arara!
- Arara!
- Araraquá!
- Aiaiaquá!
- A-ra-ra-quá!
- A-ra-ra-quá
- Acertou. Tá quase lá.
E vinha o -ra final. Araraquara. Mas era muito pra mim. Ou eu dizia Araraquiaia, ou Alalaquara, ou outra variação nada rara.
Ao entrar para a escola, já não mais tergiversava. Falaria até Pindamonhongaba. Só que a boca ali travava. E só um pouquinho, Dona Gilda era brava. Mas de mim, pouco tirava. Ou tilava?