Primeira comunhão

O ambiente era de expectativa e excitação entre a garotada: vinha chegando o dia da primeira comunhão, tão sonhada.

Além de dona Rita de Maria Antônia, solteirona que se especializava no assunto, tias e irmãs mais velhas tinham-se convertido em catequistas para preparar aquela rodada de pimpolhos - geralmente entre os seis e sete anos - para receberem aquele cobiçado sacramento: a comunhão.

Se era grande o respeito à graça que se prenunciava, terrível era contudo o caminho que a ela levava: o aprendizado do ato de contrição, de seu significado, da Trindade Santa, aqueles três em um, expressão mais comumente inteligivel nas latas de doces mistos da CICA, e o temor do vigário confessor, que apesar de bom e pastor, era também duro inquisidor - e de curto pavio, de causar arrepio.

A média histórica de aprovações, entretanto, era bem favorável, assim como uma eleição de um contrito Arruda no DF, estendendo a mão por uma ajuda.

Mas o que deve ter doído, e muita alegria ter comprometido foi justamente ver o padre, depois da confissão, chamar Bininha e lhe dizer que uma das gêmeas suas irmãs, ambas Rosas, não estava em condições de receber - daquela feita - o sacramento tão esperado. Ambas vestidinhas igualzim, uma não, e outra sim?

Contudo, o que deixava o povo descansado é que não havia de ser por pecado a razão da recusa, já que criança é, por frequente, inocente - e não sente? Fora a absorção dos sacros ensinamentos que não fora suficiente, precisava de mais uma preparação, e tempo pela frente.

Não tendo irmão gêmeo não enfrentei esse dilema - nem o vigário, que me deve ter dado a unção extrema, pois suponho ter passado naquele emocionante teste na bacia das almas.

A comunhão foi dada por aquele padre espanhol visitante, basco feito ele só, falando e encantando com o seu Divino Maestro, no lugar do Divino Mestre. Deu pra aprender um pouco de espanhol, além de receber a graça de arrebol.

Aquele terninho branco - calça curta e paletozinho, com o PX na manga - fez sucesso pra mim. Mas o bom foi livrar-se dele logo para, como sobremesa da ceia do Senhor, provar daquele bolo com tanto sabor - feito por mamãe, que rima com amor. Devia ter levado duas fatias para as gêmeas, Rosa Angela e Rosa Maria. Mas aí, pela cobiça, já pecaria?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 22/02/2015
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