A CONCHA MÁGICA

O CAMPONÊS E O USURÁRIO

(Folclore hindu, versão poética e adaptação William Lagos, 4 fev 15)

O CAMPONÊS E O USURÁRIO I

Quando Brahmadatta sobre Benares reinava,

vivia um pobre camponês em uma aldeia,

que não tivera filhos e já enviuvara;

de sol a sol o miserável trabalhava,

porém caíra em impossível teia...

O cobrador de impostos lhe chegara

e lhe exigira uma importância desmedida,

de que pagar não teria condição.

“Se não pagar-me a soma que é devida,

queimo a cabana e ainda o reduzo à escravidão!”

Arindam, como se chamava o camponês,

foi buscar a ajuda dos vizinhos,

que lhe explicaram mal conseguir atender

às exigências que o cobrador lhes fez...

Como ele, eram todos pobrezinhos;

as suas colheitas eram forçados a vender

para Burham, o senhor daquela aldeia,

que as adquiria por um preço inconveniente;

só lhes sobrava era um pouco de aveia

para comer e ainda plantar insuficiente!

Pensou Arindam em ir falar com seu senhor,

que o atendeu de muito má vontade:

“Favores não farei a preguiçosos;

os meus impostos já paguei ao cobrador,

uma importante quantia, na verdade:

esses que eu pago são bem mais onerosos!”

“Só duas rúpias, senhor, pagar-lhe-ei

tão logo chegue o tempo da colheita...

Se o cobrador me escravizar, como farei

para lhe dar a sua metade de outra feita...?”

“Ora, as terras em que mora me pertencem!”

“Mas ele disse que vai queimar a minha cabana!”

“Claro que a tanto não lhe permitirei;

por mais que importantes serem pensem,

meus servos protegerão a sua choupana;

se o levarem, a alguém mais instalarei,

que minhas terras em seu lugar cultivará!...

Um homem jovem e bastante forte...

Você é velho e como escravo até terá

serviços leves a realizar de pouco porte...

O CAMPONÊS E O USURÁRIO II

“Meu senhor, o corpo de minha Ardena

está enterrado em um ponto dessas terras...”

“E por que não a cremou junto do rio?

Não é o que a religião a nós ordena?...”

“Meu senhor, foi na época das guerras,

E então chegou um inverno muito frio:

não havia lenha para a cremação...

Paguei o brâmane para a cova me abençoar;

pequeno canto eu separei da plantação...

Outro que venha irá querer ali plantar...”

“Pois muito bem! Assim a terra adubará...”

“São só duas rúpias, meu senhor, eu pagarei!...”

“Mal e mal você consegue dar-me a parte

que me pertence, como então isso fará...?

Mas por bondade, a você protegerei:

dou-lhe um conselho, antes que de mim se aparte.

Vá procurar Yugesh, o prestamista;

as duas rúpias ele lhe irá emprestar;

o cobrador fará então com que desista

da tola ideia de a você escravizar!...”

Arindam sentiu nas costas arrepio:

do usurário a má fama conhecia;

muito altos eram os juros que cobrava;

com dois escravos, alfanjes de bom fio,

mensalmente ele a aldeia percorria

e dos campônios sempre algo levava!

Dos seus vizinhos as queixas escutara:

ninguém podia de suas garras escapar!

Mês após mês o seu juro acumulara

e era impossível conseguir tudo pagar!

Pior seria, porém, a escravidão!

Sem ninguém para cuidar do seu santuário,

em que dormia o cadáver de sua esposa...

Assim, com forte dor no coração,

dirigiu-se até a casa do usurário,

que lhe sorriu de maneira blandiciosa...

“Como posso lhe ajudar, meu caro amigo?”

“Preciso de duas rúpias, meu senhor...”

“Ora, muito facilmente lhas consigo...

Arado novo vai comprar para o labor?”

O CAMPONÊS E O USURÁRIO III

“Meu senhor Yugesh, é o cobrador

do rajá que com escravidão ameaça,

se até amanhã o imposto eu não pagar...”

“Ora, não seja por isso, meu senhor,

nós dois evitaremos tal desgraça...

Basta o amigo nesta linha me assinar...”

“Mas, senhor, nunca aprendi a escrever...”

“Pois então faça uma cruz e ponha o dedo;

seu compromisso irá logo atender

e este negócio será nosso segredo...”

Arindam ficou muito agradecido,

embolsou as duas rúpias e falou:

“Senhor Yugesh, não sei por que razão

por ganancioso entre nós é o senhor tido!”

“Deve ser gente que não me pagou

dentro do prazo a devida prestação;

negócios são negócios, meu senhor,

se não me pagam, tenho de ir buscar,

mas nunca faço o que faz o cobrador:

não queimo casas e não o irei escravizar!”

“O quanto basta é que, no fim do mês,

me pague dez dirhans e esperarei

até que possa o principal me resgatar.

Poderá ver que, se for um bom freguês,

de forma alguma eu o explorarei:

por sua colheita eu posso até esperar!”

Arindam foi procurar o cobrador

e as duas rúpias entregou, bem aliviado;

eram duzentos dirhams e com bom labor,

em vinte meses tudo estaria resgatado!

Assim, pagou no fim do mês cada dirham,

fazendo embora um certo sacrifício;

mas foi difícil e já no mês seguinte,

vendeu as panelas o pobre do Arindam,

mas pagou o que devia, sem resquício;

já no terceiro mês, foi pior o acinte:

vendeu da própria cama os cobertores

e conseguiu os dez dirhams para levar,

mas com atraso de três dias e temores...

Disse-lhe Yugesh para não se preocupar.

O CAMPONÊS E O USURÁRIO IV

“Basta que pague dois dirhams por seu atraso,

mas esperarei até o fim do mês;

doze dirhams deverá então trazer;

se precisar, eu lhe darei um maior prazo,

com juros módicos, já que é um bom freguês;

é só das prestações não se esquecer;

mas se algum mês não me puder pagar,

venha até aqui e de novo acertaremos,

o interesse e os juros a somar...

fazendo assim, jamais lhe cobraremos.”

Arindam, naturalmente, se atrasou;

faltavam meses para a sua colheita

e sua dívida não parava de crescer!...

Metade de sua ceifa ele entregou

ao senhor das terras, desta feita;

era o costume e o teria de atender!

E o dinheiro que no final restou

não chegou para pagar, é evidente!

A importância inteira ele entregou:

ficou três rúpias a dever, estranhamente!

E doravante, fazendo o que podia,

a sua dívida não parava de aumentar,

embora a atendesse mensalmente.

Yugesh já sem sorrir o recebia,

mais prestações no total a acrescentar,

até que um dia Arindam, bem francamente,

lhe falou: “Senhor Yugesh, é impossível

tirar água de pedra... Eu passo fome

e minha dívida é sempre inexaurível...

Nada mais tenho que o senhor me tome!”

“Arindam,” respondeu-se Yugesh,

“eu não quero tomar nada de você,

mas realmente, se não cobre as prestações

e no principal nem sequer mexe,

a única solução que a gente vê

é continuar a somar novas razões

a esse principal que não me paga!”

“Mas não tem o senhor algum segredo

que possa me ensinar, fórmula vaga

para que possa enriquecer, sem ter mais medo?”

O CAMPONÊS E O USURÁRIO V

“Mas que história, tem medo do quê?

Alguma vez na vida o ameacei?

Somente cobro o que tenho direito,

mas nunca foi preciso de você...

As prestações e os juros acertei:

você é um bom cliente, sem defeito!

Já o segredo de se obter riqueza

só quem o conhece é o bondoso Rama;

indague dele e com toda a certeza

colocará em sua mão o fio da trama...”

Arindam, humildemente, agradeceu

e foi saindo, sem se atrever a perguntar

de que forma encontraria o gênio bom,

que tantas graças aos pobres concedeu

que como deus o chegaram a adorar;

e ficou a imaginar o melhor tom...

Chegou em casa e com um resto de farinha

preparou logo três grossos pastéis,

pondo de lado a fome que ele tinha,

da religião pensando seguir leis...

E foi até o templo do deus Brahma,

onde encontrou um gordo sacerdote

e lhe entregou o primeiro dos pastéis

e indagou: “Como posso encontrar Rama?”

Mesmo aceitando o seu gostoso dote,

como um tributo devido pelas leis,

o brâmane o encarou e apenas riu:

“Encontre Rama por meio de orações!

Está no Svarya e desse céu sorriu

e derramou as suas muitas proteções...”

Pobre Arindam! Saiu dali desapontado

e seguiu pela estrada até encontrar

um velho Yogui, quase nu, junto ao caminho

e ali vendo o santo homem acocorado,

seu segundo pastel foi-lhe entregar

e perguntou, assentando-se pertinho:

“Santo Yogui, como posso encontrar Rama?”

O velho asceta aceitou o seu pastel

e o devorou, graças rendendo a Brahma,

que é o Deus Pai, de todo o bem quartel!...

O CAMPONÊS E O USURÁRIO VI

Depois de ter toda a comida devorado,

o saddhu uma história lhe contou: (*)

“Havia em Benares um esperto mercador

que viajava com seu burro carregado

de aldeia em aldeia; aqui vendeu, ali comprou,

ganhando sempre mais que seu valor...

Mas mesmo assim, sendo homem ambicioso,

Comprou um dia uma pele de leão

e a partir de então, muito zeloso,

cobria o burro com a pele o espertalhão!”

(*) Homem santo, asceta.

“Nas costas punha a sua mercadoria

e então o burro num campo ia soltar,

em que comia trigo ou aveia até fartar;

depois que todos seus negócios concluía,

saía de noite para o animal pegar

e todos os seus fardos carregar.

Enquanto estava o animal pastando

todos fugiam, pensando ser leão

e o mascate intrujão seguia lucrando,

sem precisar para o animal comprar ração!”

“Porém um dia, um camponês valente

viu o leão em meio à plantação

e foi chamar os amigos e parentes;

com coragem chegou toda essa gente;

foi uma pedra lançada em precisão

e o burro zurrou por entre os dentes

da cabeça do leão e todos viram

que era apenas um animal ladrão;

com paus e pedras logo o agrediram:

morreu o burro com pele de leão!...”

“E o mercador?” indagou o camponês.

“Ora, o seu prejuízo lamentando,

pôs os fardos às costas, velozmente

e se mandou dali por sua vez,

na aldeia seguinte outro animal comprando:

por sorte não o perseguiu aquela gente!”

“Bonita história! Mas você queria dizer

que Yugesh se aproveitou de mim?

Que minhas colheitas inteiras vai comer

e conservar-me endividado assim...?”

O CAMPONÊS E O USURÁRIO VII

“Não sei quem é Yugesh, meu amigo,

mas decerto você tem toda a razão,

a interpretação você mesmo a si conclama...”

“Pois muito bem, entender até consigo,

mas me perdoe pela má intromissão:

o que essa história tem a ver com Rama?”

“Ora, meu filho, absolutamente nada,

mas seu pastel já bem me alimentou

e o estou pagando com lenda bem contada...

Não vai dizer que um Yogui o explorou...”

Arindam agradeceu e foi em frente,

até se deparar com um mendigo,

em cujos olhos percebeu bem longa fome,

qual percebera em seu olhar, frequente,

no espelho velho que tinha em seu abrigo...

Que meu último pastel então me tome!

E o entregou, com educada reverência;

o mendigo de imediato o devorou.

“Sei que me deu sua própria subsistência,

como posso agradecer?” então falou.

“Você foi generoso e fiel a Brahma...”

“Se me puder dizer onde achar Rama...”

Na verdade, falava mais por brincadeira,

não mais de fato nutrindo a esperança

e achava mesmo que breve iria morrer,

mas o mendigo o encarou, sem bandalheira;

havia pureza em seus olhos de criança:

“A sua pergunta me será fácil responder,

porque eu mesmo sou Rama, disfarçado;

aqui fico a contemplar os viandantes,

se algum merece por mim ser ajudado...

Raro é encontrar gente boa como dantes!”

“Porém se alguém, de fato, mereceu

a minha ajuda, Arindam, esse é você;

portanto, vou-lhe dar um belo dom!

E nas suas mãos, por encanto, apareceu

um búzio. “O que quer que deseje que lhe dê,

basta pedir e soprar no exato tom...”

Então inclinou-se e lhe falou ao ouvido:

“Diga a palavra que acabei de pronunciar,

peça o que quer, sopre o som escolhido

e logo o meu presente há de ganhar!...”

O CAMPONÊS E O USURÁRIO VIII

Dizendo isso, Rama desapareceu

e Arindam se sentiu maravilhado,

mas a palavra ele logo pronunciou,

soprou no tom que do gênio ele aprendeu,

pedindo apenas, por estar esfaimado,

um pouco de alimento... E então chegou

uma escudela de madeira, inteiramente

cheia até as bordas dos melhores alimentos!

Arindam se satisfez completamente

e ao gênio bom agradeceu por tais portentos!

Chegando em casa, Arindam logo pediu

três sacos de semente para a outra colheita,

novas panelas e novos cobertores

e palha nova para seu teto conseguiu

e até um par de sapatos, desta feita,

para de espinhos livrar-se, sem mais dores;

depois lembrou-se de pedir um bom arado

e ainda mais as necessárias ferramentas

que anteriormente a vender fora obrigado,

mas sem chamar atenção, melhoras lentas...

Mas é claro que despertou curiosidade

e então contou as peripécias da viagem,

inclusive que encontrara-se com Rama;

porém não teve a maior ingenuidade

de falar sobre o búzio e a sua visagem:

“Sobre mim do gênio a bênção se derrama!”

Se lhe pedissem qualquer coisa seus vizinhos,

ele os ouvia, sem dizer nem sim, nem não;

na verdade, eram pedidos pequeninhos,

daí a alguns dias, entregava-lhes na mão.

Porém vendo aproximar-se o fim do mês,

chegada a data de sua prestação,

pediu ao gênio cinco rúpias bem antigas

e foi levá-las assim, de uma só vez,

para Yugesh, sem mais explicação;

mesmo assim, examinando as ligas

e percebendo que eram de bom ouro,

ele indagou onde as havia conseguido.

“Rama mostrou-me panela com tesouro

quem a enterrou já de há muito falecido.”

O CAMPONÊS E O USURÁRIO IX

“Quer dizer que você tem ainda mais?”

“Só umas poucas...” disse Arindam com cautela.

“A quanto monta minha dívida agora?”

“Como lhe disse, não se apresse por demais;

nunca insisti nem o apertei sob minha sela...”

“Muito agradeço, mas me diga, sem demora,

a quanto monta o juro que restou...?”

Yugesh seus alfarrábios foi olhar

e no ábaco grande juro calculou; (*)

respirou fundo e fez o total dobrar!...

(*) Instrumento de calcular com pedrinhas furadas correndo sobre arames.

Pois não queria que tudo fosse pago,

mas sim poder mais juros acrescer;

dobrou outra vez e disse calmamente:

“Quarenta rúpias e o documento trago

que o senhor assinou, mesmo sem ler...

“Quarenta pelas duas? Francamente!”

“Mas não precisa me pagar agora,

é que os juros se foram acumulando...”

“E se eu lhe pagar hoje, sem demora,

estarei livre de qualquer outro comando?”

“Mas que comando? Sempre fui o seu amigo;

eu o salvei quando veio aqui o cobrador...”

“Sei bem, sei bem; estou muito agradecido...”

Mas para prevenir qualquer perigo,

Arindam soprou seu búzio com fervor,

disse a palavra e sussurrou o seu pedido

e então chamou a três de seus vizinhos,

de testemunhas a lhe servir assim;

levou uma panela envolta nuns paninhos

e toda a dívida liquidou por fim!...

Ficou Yugesh maravilhado então

com a panela e quarenta moedas de ouro

e prontamente lhe entregou o documento;

era ambicioso, mas não era um intrujão;

acreditara na história do tesouro...

“Tudo está pago! Isto digo em juramento!”

Arindam retornou à sua choupana

e ofereceu aos três vizinhos bom jantar.

“Não lhe entreguei todo o ouro de Rama!

Algumas moedas consegui guardar...”

O CAMPONÊS E O USURÁRIO X

E assim seguiu a viver modestamente,

sem querer atrair mais atenção,

porém Mohandas, um de seus vizinhos,

que com Yugesh tinha dívida igualmente,

veio pedir-lhe a sua proteção:

“Devo bem menos e o apoiei nos seus caminhos

quando sua dívida você foi liquidar...”

“Quanto precisa?” “Se me der só uma parte,

o suficiente apenas, que possa me aliviar...”

disse o vizinho, a regatear com arte...

“Com Yugesh você já foi falar?”

“Ele me disse que até o fim do mês

oito rúpias e seis dirhams devo pagar...”

“Os seis dirhams conseguirá arranjar?”

“Sim,” disse o outro, esperança na sua tez.

“Então as rúpias eu poderei lhe dar;

volte depois de amanhã, ao entardecer...”

Partiu o vizinho com agradecimentos.

Arindam fez o ritual, sem interromper,

mais ouro a receber nesse momento.

Porém de noite saiu com uma lanterna,

fingindo que ser visto não queria

e entrou num mato de cipós e vinhas,

caminhando até chegar a uma caverna;

depois saiu, com um peso que fingia

serem moedas, mas que eram só pedrinhas...

Quando o vizinho novamente apareceu

deu-lhe as moedas, porém se negou

a acompanhar. “Diga-lhe que algo vendeu,

esse usurário da outra vez já desconfiou!”

Assim que o vizinho sua dívida pagou,

não custou muito, já outro lhe surgiu

e então lhe fez um pedido semelhante:

“Com quatro rúpias e dez dirhams estou

livre da dívida...” “O que Rama me supriu

já está no fim. Quatro rúpias é o restante,

mas lhas darei, por conta da amizade...”

Temia pedidos receber de toda a aldeia!

Assim fez igual manobra, sem maldade,

para esquivar-se da ambição alheia!...

O CAMPONÊS E O USURÁRIO XI

Tinha medo que assaltassem a cabana

quando estivesse no campo a trabalhar!

Eu não desejo me afastar daqui,

mas poderão me esburacar toda a choupana!

E quando o terceiro o veio procurar,

disse: “Está bem. À meia-noite venha aqui!”

Saiu com ele então, mais a lanterna,

pela floresta a dentro, sem falar;

entrou sozinho na mesma caverna,

fez o pedido e ouro saiu a sobraçar...

Pediu ao vizinho o máximo segredo,

sabendo bem que não o iria guardar...

Quando este também a dívida pagou,

Yugesh por seu negócio teve medo

e insistiu, até o homem lhe contar

de onde Arindam tais moedas escavou...

E dito e feito: já no dia seguinte,

Yugesh partiu com seus criados,

o vizinho conduzindo por acinte,

para mostrar-lhe os pontos indicados...

E cheio de cobiça, ali ingressou

a esburacar toda a caverna, sem achar.

O vizinho submeteu a interrogatório,

mas nada mais o homem lhe adiantou.

“Foi aqui que Arindam veio escavar

e me afirmou ser o fim do peditório,

que eram as últimas moedas do tesouro;

foi por isso que o senhor nada encontrou;

Rama deu a Arindam só um pouco de ouro,

que nessa altura, o senhor já amealhou!...”

Yugesh ficou assim desapontado

e foi procurar Arindam na choupana,

sem conseguir o mistério resolver.

“Meu amigo,” falou o camponês, irado,

“O senhor já tem todo o ouro de Rama!

Paguei-lhe a dívida sem nada mais dever!”

Mas Yugesh observou vários sinais

de melhorias e de prosperidade...

Sua inveja e ambição eram demais,

maior ainda a sua curiosidade!...

O CAMPONÊS E O USURÁRIO XII

Arindam nada pediu por vários dias,

mantendo o búzio escondido com cuidado...

Vigiava Yugesh por uma fresta da janela

e acabaram recompensadas suas vigias...

O camponês chegou em casa machucado,

soprou o búzio, agradecendo à boa estrela,

pedindo a Rama que o pé lhe curasse...

De Yugesh os dois olhos arregalaram,

ao ver que o sangue logo se estancasse

e os sinais da ferida funda se fecharam!

Então, enfim!... O seu segredo é esse!

Rama lhe deu o búzio já encantado...

Esperou que voltasse ao campo o camponês,

entrou na casa, procurou por onde desse

e finalmente foi o búzio assim achado;

como um ladrão Yugesh então se fez...

A quanto leva a um homem a ambição!

Fora usurário, mas até então honrado!...

Mas ao chegar à sua grande mansão,

soprou a concha sem ter um resultado...

Quando Arindam voltou à sua choupana,

logo deu falta do seu talismã,

porém pensou: Rama já me deu bastante

e para si de novo o búzio chama...

Ajoelhou-se e agradeceu sua sorte chã:

“Senhor Rama, graças rendo neste instante!”

E prosseguiu tranquilamente a trabalhar,

comprara um boi e tinha um novo arado,

permanecendo depressa a prosperar,

pelas suas mãos o progresso conquistado...

Mas Yugesh não cabia em si de inveja,

os seus negócios mesmo a negligenciar...

E certo dia, depois de escurecer,

foi procurar Arindam, sem que esteja

acompanhado por ninguém, logo a contar:

“Teu talismã se encontra em meu haver;

não sei, contudo, como utilizá-lo

e decerto não me dirás o que fazer,

mas tu tampouco poderás empregá-lo

e assim é inútil todo o seu poder!...”

O CAMPONÊS E O USURÁRIO XIII

“Uma proposta então lhe vou fazer:

faça-me agora um sério juramento

de que em dobro tudo eu ganharei

que esse búzio lhe possa conceder!...”

Disse Arindam: “Não confirmo tal portento;

ainda que fosse, já não mais precisarei;

nada mais devo e estou a prosperar;

por que em suas mãos assim me entregaria?

É só uma concha, nada mais vou afirmar,

senão o brâmane me acusará de bruxaria!”

“Não, eu lhe juro que nunca falarei!

E depois, o que você tem a perder?

Que mal faz se quatro rúpias se ganha,

quando só duas quiser para pagar ao rei?

Depois a Rama, veja bem, pode ofender

se do seu dote desprezar a artimanha!...”

“Admitindo que até seja verdade,”

disse Arindam, “não vê que eu peço pouco?

Dobro de pouco não lhe traz prosperidade;

irá zangar-se e enfurecer-se feito louco!...”

Mas tanto lhe falou o prestamista

que Arindam se acabou por convencer.

Soprou no búzio da forma conveniente

e murmurou a palavra que conquista,

os mil favores de Rama a lhe trazer!...

E para confirmar o trato assente,

pediu ao búzio uma só rúpia de ouro,

que de imediato lhe surgiu na mão,

mas duas rúpias, o dobro do tesouro,

surgiram para Yugesh na ocasião!...

E doravante, mesmo que não quisesse,

Yugesh com frequência lhe insistia

que no seu búzio fizesse um bom pedido!

A Rama pôs-se Arindam a fazer prece,

porém o búzio ao mal não atendia:

não conseguia libertar-se do bandido!

E quando houve uma seca no lugar

e Arindam pediu um poço em seu quintal,

o dom do gênio o atendeu sem demorar,

mas dois se abriram para o seu rival!

O CAMPONÊS E O USURÁRIO XIV

O poço tinha água suficiente

para atender-lhe em todo o necessário

e dava água de graça à vizinhança;

porém Yugesh ficou muito contente,

a vender água, qual bom usurário,

aumentando bem depressa a sua poupança!

E ainda mandou a Arindam um seu criado:

que ele parasse de dar água de graça!

Falou o homem, no tom mais malcriado:

“Só o meu amo vende água nesta praça!”

Arindam se sentiu desesperado

e não vendo qualquer outra solução,

pediu ao búzio que lhe cegasse um olho!

No mesmo instante dos dois olhos foi cegado

o prestamista, que a correr de agitação:

caiu num poço e ali ficou de molho!...

Quando o foram procurar os seus criados,

já se afogara e era tarde demais!...

Arindam arrependeu-se de tais fados,

mas consequências resultavam naturais...

E então pediu ao búzio, simplesmente,

que devolvesse a sua total visão,

mas ao morto enxergar bem nada serviu!

Contudo achou que estava, realmente,

se arriscando a qualquer outra opressão

e do brâmane a presença ele pediu;

assim o ataúde da esposa ele exumou,

com a bênção total do sacerdote;

num carroção bem forte o colocou

ali atrelando o seu boi pelo congote...

Foi pedir permissão a seu senhor

e partiu na direção do rio sagrado

para efetuar, finalmente, a cremação,

suas cinzas a jogar, com muito amor,

sobre as águas do Ganges, o pecado

queimando assim de tal encarnação...

Porém não retornou para sua aldeia;

comprou pequena casa em uma cidade,

livre assim do poder de qualquer teia,

para viver na mais completa liberdade!

EPÍLOGO

Embora sendo velho, eventualmente

com a mulher que o atendia se casou,

por muitos anos de felicidade,

sem do búzio fazer uso frequente,

que a nova esposa nem sequer notou,

somente em caso de necessidade;

a um templo deixou a concha por herança,

dizendo ser abençoada um dia por Rama...

E até o ponto em que a memória alcança,

Foi venerada por votiva chama!...

William Lagos

Tradutor e Poeta

Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com