Quaresmeiras em flor

Naqueles primeiros anos de vida na Velha Serrana, sede municipal para onde nos mudáramos do modesto povoado de São Gonçalo do Brumado, tudo parecia em escala maior. Eram as ruas, a igreja matriz, a imponência das casas balaustradas e muradas e até o falar da gente local, cheio de confiança e desembaraço.

Juntamente com o pessoal da Vovó, que se compunha de quatro tias e um tio solteiros, em torno da matriarca, ainda não entrada nos septuagenários anos, éramos uma gente do mato mesmo: papai, mamãe, entre irmãos éramos seis - mas chegamos aos nove nos anos que se seguiram - e de Érico Veríssimo, nos distinguiram.

Tudo era novidade, mas pouco havia de acolhedor na cidade. Pareciam ásperos os contatos. E nem tão 'arrabaleros' chegamos a ser: conseguíramos duas casas vizinhas numa travessa sem-saída, mas não tão distante do centro, de ruas calçadas, de bicas d´água e doutras facilidades, inclusive da 'fábrica', onde, à exceção de Vovó, todos os adultos davam suas infalíveis oito horas diárias de labuta.

Uma forma de buscarmos a socialização era por meio das idas à igreja, às festas religiosas, que, se não deixavam animada a criançada, ao menos não cobravam entrada. Idem para o acompanhamento de enterros, que eram poucos, mas sem erros.

Tinha também a escola, mas lá era o ambiente de muita seriedade, e o tempo que sobrava, dever de casa era o que dava. Em casa, o cumprimento das 'obrigações' (leia-se lavar vasilhas, lavar e passar roupas, engraxar sapatos, limpeza, cuidar da arrumação, tomavam também o seu tempo de nosso beócio ócio.

Mas restavam os passeios de fins de semana que, embora raros, nos eram caros, e senão com mamãe ou papai, na visita a um parente ou amigo, numa ida a um determinado ponto da cidade, eram feitos com tia Vicentina, a mais velha da irmandade, que apesar de sua pouca escrita, e inda menor leitura, muito segura, nos transmitia de suas experiências e observações peculiares de toda uma vida que já ia além de meio século.

Nas trilhas dos matagais da periferia, em meio ao calor abrasador dos meios-dias, ela nos levou a beber da refrescante água de mina, no ainda indômito Chapadão, antes de nos apresentar aquele esplendor de florações roxas que compunham as quaresmeiras. E nem sei se andava vizinha a páscoa da ressurreição. O fato é que a quaresma então parecia mais cheia de auspicioso significado e tinha até um toque de festa e aventura ali simulado. Contra todo roxo pecado.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 19/02/2015
Reeditado em 12/03/2023
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