A FILHA DO REI DRAGÃO
A FILHA DO REI DRAGÃO
(Folklore chinês coletado por Li Chaowei, circa 800 d.C., no reino de Lung Hshi, hoje província de Knnsu, versão poética e adaptação de
William Lagos, 12 jan 2015)
A FILHA DO REI DRAGÃO I
Quando o rei Ai Feng a China dominava,
um jovem estudioso, chamado Liu Bingwen,
ou “Mestre em Artes da Família Salgueiro”,
foi prestar exames para ser um mandarim.
Não saiu bem na prova e triste, assim,
para sua casa em Hsiang retornava,
quando um pássaro saltou de um espinheiro
e com o susto a seu cavalo não contém.
Em vão Bingwen quis sofrear o cavalo,
que o carregou por mais de duas milhas,
até um lugar bem distante do caminho.
O estudioso quis orientar-se pelo sol,
porém as nuvens recobriram seu farol
e o animal desembestou permeio a valo,
cercado por urtiga e mais espinho,
completamente fora de suas trilhas...
Liu Bingwen parou o cavalo, finalmente,
subiu do valo e tomou por uma estrada,
até topar em um campo com pastora,
com um rebanho de ovelhas bem lanosas;
a jovem era bela, mas as forças desastrosas
do vento e sol já marcavam firmemente
seu rosto e a roupa desbotada ali a desdoura,
rasgada a túnica e a capa esfarrapada...
Estava frio e Bingwen sentiu piedade,
tirando da mochila o seu capote
e oferecendo-o para que ela se abrigasse.
Ela aceitou, com o mais meigo sorriso
e seu rosto transformou-se nesse riso:
mulher mais bela nunca vira, na verdade!
Mas não podia imaginar que a desposasse,
pois certamente não disporia de um bom dote!
A FILHA DO REI DRAGÃO II
Ele assim só o caminho perguntou
para Chengyang, onde tinha um amigo
e a jovem logo ao caminho o orientava.
Num impulso, indagou se tinha fome,
descortesia talvez, mulher não come
com um estranho que recém encontrou;
ser jovem decente, mesmo pobre, aparentava,
podia ofender-se e o tratar como inimigo!
Mas a jovem prontamente confessou
que não comia já havia três dias!
Liu Bingwen amarrou o seu cavalo
e retirou de seus alforjes suprimentos;
depois que os dois partilharam alimentos,
o literato, enfim, se apresentou
e ela retorquiu, sem grande abalo:
“Eu sou Lanfen, assim como me vias...”
De fato, mesmo suja e esfarrapada
(decerto banho há dias não tomava)
um perfume de orquídeas desprendia
e Liu Bingwen já se sentia apaixonado;
mas era jovem respeitoso e educado,
evitando de sua vida indagar nada,
bem ao contrário, a lhe contar o que fazia
e de repente, ela tudo revelava!...
“Como lhe disse, chamaram-me Lanfen...”
“Perfume de Orquídea”, ele murmurou.
“Eu sou a filha mais moça do dragão
que hoje é o rei sob o lago de Tuntim...
Por que razão hoje me achou assim?
Como princesa eu me criei também
e vê-me agora em tão triste situação!
Mau casamento foi meu pai que me arranjou!”
A FILHA DO REI DRAGÃO III
O coração de Bingwen ficou apertado:
Era casada já essa donzela!...
Mas logo a sua tristeza dominou:
Com a filha de um rei, qual esperança
teria ele de achar qualquer bonança?
Mesmo nos exames fora reprovado!...
Seus sentimentos depressa controlou
e se dispôs só a escutar a jovem bela!...
“Sem tomar as informações corretas,
meus pais o casamento contrataram
com o segundo filho de outro rei
que o vale do Rio Ching dominava...
Festejo e dotes tal qual se desejava,
mas meu marido tinha intenções secretas:
ir a caçadas para ele única lei
e meus direitos de esposa desprezaram!”
“Após um mês deixada em abandono,
queixei-me aos sogros com o maior respeito
e eles disseram que o repreenderiam,
mas outro mês passou sem que eu o visse;
fui a meus sogros e a situação lhes disse;
só me mostraram aborrecimento e sono,
dizendo que eles mesmos não o viam,
mas falariam, tão logo houvesse jeito...”
“Porém mais três meses se passaram
e nem sequer mais me quiseram receber...
Tanto insisti que me mandaram para cá,
cuidar de ovelhas, igual que uma criada!
De meu marido nunca eu soube nada
e até alimento raramente me enviaram!
Sentem vergonha, decerto, do que há
e assim esperam que eu aqui venha a morrer!”
A FILHA DO REI DRAGÃO IV
É muito longe o lago de Tuntim
e com meus pais eu não poderei falar;
já escrevi carta; você a transportaria?
Liu Bingwen concordou na mesma hora,
porém falou: “Meu coração, senhora,
muito lamenta uma injustiça assim,
mas como ao reino de seu pai eu chegaria?
Dentro de um lago posso me afogar!...”
Ela falou: “Se me fizer este favor,
alcançará minha gratidão eterna,
pois já me protegeu da fome e frio
também meus pais mostrarão sua gratidão.”
Disse Bingwen: “Por maior a compaixão,
se me afogar, apesar de meu ardor,
serão inúteis minha audácia e brio,
flutuando a carta na superfície externa...”
“Não será assim,” Lanfen lhe respondeu.
“Você não correrá qualquer perigo:
ao sul do lago, há uma grande laranjeira;
bata em seu tronco três vezes com seu cinto;
logo virá um porteiro bem distinto
e então lhe diga que traz recado meu;
ele as águas abrirá igual trincheira
e ao reino o levará como um amigo...”
“Meu pai lhe dará uma recompensa
muito maior do que poderá esperar!”
Disse Liu, num arrebatamento:
“A única recompensa que desejo
é que, se um dia se apresentar ensejo,
você mesma me receba em sua presença
para de novo poder vê-la algum momento!”
“Com isso sempre poderá contar!”
A FILHA DO REI DRAGÃO V
“Mas quem sabe, por que não vem comigo?”
indagou o estudioso, ousadamente.
“Não poderia, dirão os sogros que fugi
e só por isso não se cumpriu meu casamento...”
Liu Bingwen se despediu, com sentimento,
lamentando não poder tê-la consigo...
Mas que tolice! Já lhe trago a carta aqui,
sou apenas um mensageiro conveniente!...
E assim seguiu, desviando seu caminho,
até chegar ao lago de Tuntim;
desceu até o sul, beirando a margem
e de fato, ali crescia a laranjeira,
sagrada para a gente hospitaleira
da aldeia, que a tratava com carinho...
Sem ver ninguém, tirou o cinto, com coragem,
três golpes dando no seu tronco assim...
De imediato, as águas se partiram
e delas subiu forte e altivo guerreiro,
que lhe curvou a cabeça em cumprimento:
“O que você deseja, forasteiro?”
“Preciso falar com o seu rei, ligeiro!”
Com desdém os seus lábios lhe sorriram:
“Meu rei só comparece a grande evento,
diga o que quer e serei seu mensageiro...”
“Mensageiro sou eu,” disse Bingwen.
“Trago uma carta que a princesa envia
e que só posso entregar nas mãos do pai.”
“Mostre primeiro,” disse-lhe o soldado.
Bingwen, segurando-a com cuidado,
mostrou a missiva no lugar que o lacre tem
da princesa, que de prevenção já vai
redigir essa mensagem que trazia...
A FILHA DO REI DRAGÃO VI
O soldado não tentou se apoderar,
mas inclinou sua cabeça novamente.
“Feche os olhos agora, cavalheiro.”
Bingwen obedeceu, mas com firmeza
a carta segurou, temendo uma esperteza.
Contudo, o guarda não o queria enganar:
uns gestos fez para a água abrir primeiro.
“Pode abri-los de novo, calmamente...”
O estudioso seguiu-o pelo fundo,
um túnel de água acima e a seu redor,
até chegarem a um castelo imenso:
torres e ameias, portões e pavilhões,
árvores e flores raras aos milhões,
todas crescendo no ponto mais profundo,
Liu Bingwen marchando um pouco tenso,
De qualquer armadilha com temor...
Então o guerreiro lhe pediu para esperar,
sentado a um canto de vasto salão.
“Que lugar é este?” Bingwen indagou.
“É o Palácio do Vazio Divino...”
Durante a sua espera, o peregrino,
ao invés de vazio, pôde bem observar
toda a riqueza que o edifício conservou,
que inspiraria dos homens a ambição...
De jade verde todos os pilares,
o piso de jaspe recortado em tijoletas,
os sofás esculpidos em coral,
as almofadas da mais rica seda,
que parecia mover-se, de tão leda;
havia jarrões e esculturas aos milhares,
as vidraças do mais puro cristal,
no ar flutuando as essências mais secretas!
A FILHA DO REI DRAGÃO VII
O Rei Dragão demorava-se demais
e o erudito indagou do seu guerreiro:
“Vai tardar muito o Senhor de Tuntim?”
“Ele se encontra em importante discussão
sobre o Cânone do Fogo com seu Grão
Sacerdote do Sol, por que jamais
qualquer engano se cometa, enfim,
no calendário que publicará em janeiro...”
“O que é o Cânone do Fogo?” quis saber
o estudioso. “Nosso rei é um dragão,
que tem domínio total por toda a água,
mas como nós, o sacerdote é um ser humano
e para nós o fogo é o soberano,
os elementos diversas coisas vão fazer;
nosso rei pode inundar a maior frágua
com uma gota de água de sua mão...”
“Mas quer saber exatamente as leis
que governam esse fogo dos humanos,
por isso o nome de Cânone do Fogo;
contudo, em breve aqui nos chegará.”
Mal terminara, abriu-se um portão lá
e de uma bruma verde vieram seis
guardas armados, que se perfilaram logo
e então a bruma condensou-se em panos.
Entre os tecidos, formou-se uma figura,
em tudo semelhante a um ser humano,
de púrpura vestida, na mão trazendo
um cetro feito de platina e de esmeralda,
uma aura a seu redor, feito uma calda
de crisólito, rubi e safira pura...
“Chegou o nosso rei,” disse o soldado.
Em cada detalhe era um perfeito soberano!
A FILHA DO REI DRAGÃO VIII
O Rei Dragão conferenciou com o soldado
e só depois se aproximou de Liu Bingwen.
“Sem dúvida, você é só um ser humano,
o que o traz a estas profundezas?”
“Vivo também nestas redondezas:
na superfície o meu lar é encontrado,
mas deparei com um fato desumano
que muita pena me despertou também.”
“No caminho para o lar achei donzela
esfarrapada, faminta e tendo frio,
a quem eu protegi e alimentei
e ela me disse se chamar Lanfen.”
Os olhos do rei estreitaram-se também:
“Tenho uma filha deste nome, muito bela.”
“Bela, sem dúvida, mas quando a encontrei
se achava em situação de pouco brio.”
“Minha filha com um príncipe está casada,
decerto é outra usando o mesmo nome.”
“Com o filho do Rei Ching, Majestade?”
“Sim, mas como sabe você disso?”
“Tinha uma dúvida e hesitei por isso,
mas essa jovem que encontrei, desamparada,
afirmou-me ser sua filha, na verdade;
trouxe-lhe a carta, pois a pena me consome.”
Só então o rapaz entregou a carta ao rei,
que de imediato seu sinete reconheceu.
“Mas por que ela o escolheu por mensageiro?”
“Como lhe disse, estava solitária;
pelos sogros deixada em posição contrária
àquela que devia ser a sua por lei;
assim confiou neste pobre estrangeiro,
pois ninguém mais a seus apelos acedeu.”
A FILHA DO REI DRAGÃO IX
O Rei Dragão abriu a carta logo
e ao ler o conteúdo, comoveu-se:
cobriu o rosto e as lágrimas rolaram.
“Eu sou sei pai e não sabia de nada!
Minha filha no relento abandonada!
Um ser humano a lhe atender o rogo,
depois que outros dragões a maltrataram!
Não esquecerei que você compadeceu-se!”
“O que deseja como recompensa?”
“Majestade, só que a mande resgatar
e isto peço porque não quis vir comigo,
porque os seus sogros então a acusariam
e a seu mau filho assim justificariam;
para sua honra isso seria uma ofensa,
mas se a mandar buscar para este abrigo,
nenhum outro pagamento hei de aceitar.”
O rei lhe agradeceu profusamente:
“Jamais esquecerei a sua bondade
e mais ainda a sua falta de ambição.
Vou preparar depressa o seu resgate,
uma boa tropa, talvez haja combate;
será meu hóspede aqui, naturalmente,
como prova de nossa gratidão
por demonstrar-nos tal generosidade.”
De imediato, chamou um funcionário,
mandando à esposa sua carta levar,
enquanto à tropa ordenava se reunir.
Logo se ouviu uma grande choradeira
dos apartamentos das mulheres, bem certeira.
Rápido ordenou sérias ordens em contrário.
“Meu irmão irá o insulto descobrir
e uma grande violência irá aprontar...”
A FILHA DO REI DRAGÃO X
E observando de Liu a confusão,
ele explicou: “Meu irmão é violento;
ele é o Príncipe de Chientan e o aprisionei
por ordem do poderoso Rei do Céu;
por uma briga, ele ousou romper o véu
das nuvens e provocou inundação
sobre as montanhas, em oposto à antiga lei:
matou milhares de pessoas num momento!”
“O Rei do Céu pretendia soterrá-lo,
mas fui humilde e por ele intercedi.
Aprisionei-o na outra ponta do castelo,
tem tudo o que deseja e que precisa;
com chás calmantes a sua fúria alisa,
mas mesmo assim, preciso acorrentá-lo.
Tem muita forço meu irmão jovem e belo,
porém jurei que o conservaria aqui...”
“Se souber dessa notícia, raiva imensa
bem certamente o acometerá
e não haverá maneira de detê-lo;
assim prefiro que não saiba de nada...”
Mas nesse instante, uma imensa barulhada
se espalhou, da maneira mais intensa,
pelo castelo, qual gigantesco apelo
e em breve o causador chegou até lá...
Vasto pilar de jade ele arrastava,
nele ainda preso por corrente de ouro;
atrás dele, vinha um bando de atendentes,
os braços a agitar em impotência.
Ele media trezentos metros de distância
de sua cabeça até a cauda que agitava,
olhos brilhantes quais brasas ardentes,
suas escamas de rubi, vasto tesouro!
A FILHA DO REI DRAGÃO XI
Com jato de chama sua corrente derreteu
e se lançou nos ares em fragor,
acompanhado por relâmpago e trovão!
Liu de pavor no assoalho desmaiou,
mas logo o rei, com carinho, o levantou.
“Majestade, o terror me acometeu!
Quero ir embora já, nesta ocasião,
não posso ver novamente um tal horror!
“Não se apavore, meu caro Bingwen;
foi dessa forma que meu irmão partiu,
mas de maneira bem diversa voltará,
depois que toda a sua raiva se extinguir.
Vou-lhe indicar aonde deverá dormir
e os mil prazeres que o meu castelo tem,
antes que se vá embora, gozará.”
E assim um eunuco ao quarto o conduziu.
Um grupo de jovens ali o recebeu,
deram-lhe banho e deliciosa refeição;
estando exausto, Liu foi logo se deitar,
só se acordando no outro dia de manhã,
com os ruídos de festa e rataplan;
um rico trajo o rei lhe concedeu
e para a real mesa o foram então levar,
em que iguarias lhe serviram em profusão.
Logo chegou uma vasta companhia
de jovens a dançar e a cantar,
no meio delas salientando-se a mais bela,
que num átimo, Bingwen reconheceu.
Com reverência gentil lhe agradeceu
e já da outra ponta da mesa lhe sorria.
Disse o rei: “Recuperei a minha donzela!”
Uma nobre dama se curvou para o saudar.
A FILHA DO REI DRAGÃO XII
Logo surgiu um herói de grande porte,
vestindo púrpura, belo cetro na sua mão
e o rei o apresentou: “Está mais manso,
como o vê, executada a sua missão;
este é o Príncipe de Chientan e meu irmão.”
Disse o guerreiro: “Você me trouxe a sorte;
de minha sobrinha garantiu descanso
e a mim mesmo libertou de minha prisão!”
“Tornou-se herdeiro de minha eterna gratidão!”
Então Bingwen ergueu-se e o saudou.
Logo Chientan prestou contas da missão:
“Levei três horas no campo de batalha;
do Rei do Rio toda a coorte já se espalha;
matei seiscentos mil nessa ocasião
e o mau marido me serviu de refeição,
pagando assim pelo mal que provocou!...”
“Mas que direi agora ao Rei do Céu?”
“Em meu retorno, subi até o alto abrigo
e prestei contas de tais realizações;
ao saber da injustiça, me perdoou
e até minhas faltas antigas apagou;
trouxe a sobrinha debaixo de meu véu
e estou perdoado das velhas más ações!
Desta forma, Liu, serei perpétuo amigo!”
“De qualquer modo, sua fúria foi tremenda
e seu mau gênio ainda tem de controlar!
Por sorte, o Rei do Céu é onisciente
e reconheceu que teve boa intenção!...”
Seguiu-se logo uma extensa refeição,
após a qual, igual que em uma contenda,
homens e jovens dançaram frente à frente,
enquanto a orquestra não parava de tocar!
A FILHA DO REI DRAGÃO XIII
Então as jovens aos pés depositaram
de Bingwen peças de seda e adereços
e o príncipe lhe deu uma espada cravejada;
trouxeram-lhe joias todos os parentes,
embora recusas fizesse ele frequentes,
as dádivas cada vez mais se acumularam.
Afinal, já não recusou mais nada,
Sem sequer calcular quais os seus preços...
E foi assim durante uma semana,
sem que parassem de lhe agradecer,
a noite e o dia inteiro a festejar,
até que disse que teria de partir.
“Irá amanhã, depois que hoje dormir,”
disse o príncipe, “descansando em boa cama.
Mas esta noite vamos de novo celebrar,
maiores honras lhe quero conceder!”
Destarte, o príncipe lhe ofereceu banquete
em seu Castelo da Límpida Luz,
em que beberam dos mais raros vinhos.
Já altas horas, um tanto embriagado,
falou o príncipe: “Meu caro convidado,
a viuvez minha sobrinha ora acomete;
a novo marido precisa dar os seus carinhos...
Essa ideia ao meu amigo não seduz...?”
Ficou o estudioso bastante embaraçado.
“Não acredito no que estou ouvindo!
Sou homem pobre e humano totalmente,
como a uma filha de rei posso aspirar?”
Já estonteado, aquele manso recusar
meio ofendeu ao dragão embriagado.
“Não quer casar com viúva, certamente!
Na sua voz algum desprezo estou sentindo!”
A FILHA DO REI DRAGÃO XIV
“De forma alguma, é honra demasiada!
Eu jamais poderia dar-lhe um dote!...”
“Mas de fato, você já a comprometeu:
comeu a sós com ela, deu-lhe um manto,
os dois perdidos em solitário canto!”
“De forma alguma foi sua sobrinha desonrada!
Se não confia em mim, já me ofendeu!
Vou retirar-me deste convescote!...”
Mas o príncipe depressa o acalmou:
“Por favor, não faça isso comigo,
peço desculpas por meu ato de ousadia!
Nem deveria ter-lhe feito a sugestão!...”
Sem hesitar, lhe estendeu a mão,
que Bingwen, bem depressa, lhe apertou.
“Parta amanhã, como já pretendia,
Com a certeza de que serei eterno amigo!”
No dia seguinte, ele pediu a permissão
do rei do lago para partir e da rainha,
que declarou, com lágrimas no olhar:
“Lastimo em demasia vê-lo hoje partir...
Nós lhe devemos tanto e era meu preferir
que ficasse conosco toda uma estação!”
“Eu sou humano, senhora, o meu lugar
é lá na superfície, de onde eu vinha...”
Assim, no mesmo dia ele partiu,
além do seu, dois cavalos juntos vão
carregados de trouxas e presentes;
seguiu viagem até uma hospedaria,
grande saudade de Lanfen porém sentia;
de recusar a tal proposta ressentiu.
Mas no futuro, quem sabe se essas gentes
pelo marido que morreu me culparão?
A FILHA DO REI DRAGÃO XV
Mas quando no seu quarto se alojou,
percebeu a imensidão de sua riqueza;
contratou logo a dois mercenários
como seus guardas até a sua cidade;
vendeu duas joias na maior facilidade
e uma mansão logo a seguir comprou;
além dos guardas, cem fiéis funcionários,
logo vivendo na maior nobreza!...
Nunca esquecia da beleza de Lanfen,
mas tirou logo da cabeça aquela ideia
e se casou com uma jovem parecida,
chamada Chen, que significa “manhã”;
mas dentro de alguns meses tocou rã
venenosa, que a matou; e logo tem
de se casar outra vez; a escolhida
chamada Huan, “alegria de epopeia”...
Mas após alguns meses, Huan também
pegou uma febre e em breve faleceu;
e como filhos com elas não tivera,
a seu sobrinho Hsien ele adotou;
com critério, seus bens centuplicou,
aplicando seu dinheiro muito bem;
anos passados, Hsien um dia dissera,
“Pai, sei que sou o herdeiro seu.”
“Mas nunca me moveu a ambição...
Por que o senhor não se casa novamente?
Talvez um filho verdadeiro no seu lar
venha a surgir e aos dois dará alegria;
se autorizasse, eu então procuraria
formosa esposa para o seu coração...”
“Mas e você? Não pretende se casar?”
“Sou muito moço. Seu caso é mais urgente...”
A FILHA DO REI DRAGÃO XVI
“Sei de uma moça de família boa;
já foi casada, mas logo enviuvou,
antes mesmo de encontrar o seu marido;
a sua família está ansiosa por casá-la;
como é viúva, sujeita está a má fala;
se andar sozinha, a chamarão de “à toa”,
mas estou certo de que não é o acontecido;
se me deixar, vou sua família procurar.”
E desta sorte à tal viúva desposou,
sendo as bodas celebradas em Nanquim,
permeio a magníficos festejos,
em um dia como auspicioso revelado...
Ao retirar-lhe o véu, ficou encantado:
não somente a sua beleza o deslumbrou,
como de Lanfen muito o fazia recordar...
Quase um milagre lhe pareceu assim!
Em breve já estava nenê a esperar
e novamente Bingwen ficou encantado.
Depois de ao belo menino o nome dar,
certa noite com a esposa se deitou
e a história de Lanfen então contou:
“Pensei que não me fosse acreditar
ou ao contrário, que se pudesse enciumar...”
“Assim manteve de mim tudo ocultado?”
“Mas agora que geramos esta criança,
senti um impulso de meu passado revelar,
para que a razão desta fortuna saiba agora.”
“E se eu disser que Lanfen eu mesma sou?”
Logo de início, ele nem acreditou,
mas se sentiu logo envolvido de bonança,
os dois embevecidos nesta hora,
por um ao outro se poderem revelar...
A FILHA DO REI DRAGÃO XVII
“Antes teria me casado com você,
porém meu tio disse que se recusou...”
“Ele quis me impor uma obrigação,
tal qual se eu a tivesse desonrado
e sem saber se me queria do seu lado;
e nem pensei que pudéssemos ter nenê...”
“Zanguei-me muito com o tio nessa ocasião;
logo a seguir, gente de meu pai o procurou.”
“Mas descobriram que estava já casado...”
“Querida, como pode me perdoar?”
“Não há a menor razão para perdão,
eu é que devia ter-lhe falado claramente,
mas o pudor atrapalha tanto a gente...”
“Será imortal nosso filho do seu lado?”
“Imortal, não, mas de bem longa duração,
por dez mil anos conseguimos perdurar...”
“Por ele então eu ficarei contente...
Com gentileza, me celebre os funerais...”
“De forma alguma! Minha força lhe darei
e viveremos sob o lago de Tuntim!...”
Por várias décadas, Liu Bingwen ficou assim
com o mesmo aspecto, sem nada diferente,
mas a atenção chamou mesmo do rei,
que exigiu o seu segredo e seus rituais...
Porém sabendo que ele fora aprisionado,
seu amigo príncipe voou a libertá-lo
e assim mudou-se para a terra dos dragões;
mas antes foi de Hsien se despedir;
deu-lhe cinquenta pílulas ao sair:
“Com uma por ano permanecerá remoçado;
depois disso, se tiver mais ambições,
em Tuntim o aguardarei para abraçá-lo!...”
EPÍLOGO
Durante décadas Hsien contou esta história,
que não posso garantir ser verdadeira,
pois viajava, para chamar pouca atenção...
Cinquenta anos depois, também sumiu
e se a longevidade lhe luziu
ou lhe soou a hora derradeira
é um enigma que não me cabe na memória:
só os Sete Sábios quiçá o decifrarão!...