A TERRA DA JUVENTUDE
A TERRA DA JUVENTUDE
William Lagos, 27 out 14
A TERRA DA JUVENTUDE I
Quando Dimitry Segundo da Rússia era o Tzar,
entrou em guerra contra os turcos e os venceu
em ferozes batalhas, até que seu atamão (*)
pediu a paz e comprometeu-se desde então
a um vasto tributo pagar-lhe anualmente,
em ouro e trigo, seda e especiarias,
quais nas terras da Rússia nunca vias,
mesmo incluindo uma tropa de sua gente
para o exército dos eslavos reforçar:
cem cavaleiros a cada ano lhe deu,
porém seu ódio jamais enfraqueceu!...
(*) Chefe de tribo da Ásia Central. Também hetman ou atamã.
Os cavaleiros que enviava não voltavam,
pois queriam que essa tropa se integrasse,
pelos soldados russos bem aceitos;
súditos tornavam-se de plenos direitos
e o atamão sentia-se traído.
Assim, enviou um servo de confiança
entre os soldados que incluía na aliança,
para que fosse junto ao Tzar introduzido.
(Como um aliado assim o respeitavam.)
Mas quando a ocasião se apresentasse,
que ao velho rei de algum modo eliminasse!
Os cavaleiros contra os Calmuques combatiam
e aos Coríaques, um outro povo siberiano
e o império da Rússia se expandia:
para o nordeste cada vez mais crescia,
embora fossem geladas muitas terras
e os próprios russos não as apreciavam,
enquanto os turcos depressa se adaptavam,
preferindo planícies do que as serras,
mesmo as brancas planuras que ali viam
e se mostravam fiéis ao soberano,
seu juramento renovando a cada ano.
Contudo um deles, aquele justamente
que fora escolhido pelo odiento atamão,
se demonstrou muito hábil estrategista,
as tropas levando a mais de uma conquista,
sendo a Moscou chamado eventualmente,
para tornar-se o supremo comandante
de todo o exército que lutava no Levante;
entrou no Conselho Real e, finalmente,
conseguiu, de maneira inteligente,
completar do atamão a sua missão,
o Tzar envenenando em vil traição!
A TERRA DA JUVENTUDE II
Contudo, para que não desse na vista,
foi o veneno aplicando pouco a pouco
e o Tzar pareceu tão só adoentado...
Eventualmente, identificaram o malvado,
que foi levado à forca prontamente,
para alegria dos outros generais,
que do estrangeiro tinham raiva por demais.
Mas o Tzar protegeu a turca gente,
que tanto se distinguia na conquista
e declarou ser a obra de um só louco
o pobre rei, cuja doença punha rouco...
Assim, chamaram os médicos da corte,
especialistas, até mesmo curandeiros,
mas o Tzar continuava a definhar,
pois o antídoto não conseguiam acertar;
os patriarcas fizeram orações,
os popes recitaram ladainhas, (*)
vieram doutores das regiões vizinhas...
O atamão não deu explicações
e declarou aprovar a triste sorte
do envenenador, sem os verdadeiros
motivos confessar nem a terceiros...
(*) Os padres ortodoxos são chamados de popes.
“Nós, turcos, não envenenamos o inimigo;
cortamos suas gargantas ou asseteamos
e não sabemos de quaisquer venenos;
ao grande Alá nós nos submetemos;
Ele permite que matemos em combate,
frente à frente, em verdadeira lealdade,
com coragem, orgulho e hombridade,
mas com peçonha inimigos não se abate!”
Falando assim, eximia-se do perigo
de nova guerra contra os muçulmanos
ou pelo menos, contra os turcomanos!
De qualquer forma, o Tzar enfraquecia
a olhos vistos e só adiavam a sua morte...
Mas certo dia se apresentou um camponês
e em desespero de causa, então se fez
que viesse à presença do monarca,
que lhe indagou: “Você pode me curar?”
Disse o muzhik: “Eu tenho de negar, (*)
Paizinho, pois não posso, porém um patriarca,
quando eu era jovem, a todos nós dizia
que havia uma terra de mui diverso porte,
Terra da Juventude e da mais saudável sorte.”
(*) Camponês, em russo.
A TERRA DA JUVENTUDE III
“É que o povo de lá nunca envelhece,
nem morre nunca, porque existe fonte
de que brota eternamente clara água
que de qualquer doença cura a mágoa.
Majestade, escuto a troça dos doutores,
mas se aqui me apresentei, foi por amor
e não em busca de qualquer favor;
caminhei meses desde a aldeia, senhores,
muitas verstas percorri fazendo prece (*)
a nosso Deus. Cruzei planura e ponte,
sempre a pé, sem um animal que monte...”
(*) Medida russa equivalente a 1.067 metros.
“Está certo, bom staryk”, disse o rei, (*)
“mas onde fica essa região maravilhosa?”
“Ah, meu generoso e querido monarca,
isso nunca nos informou o patriarca!
Só sei que fica nas bandas lá do Oriente,
mas vós podeis mandar os emissários
para cruzar por cem caminhos vários
ou nos livros que escreveu a douta gente
ir encontrar esse destino que eu não sei.
Mas se beberdes dessa água portentosa
vossa saúde retornará logo viçosa!...”
(*) Velho, em russo, um termo de respeito.
O bom Tzar despediu o camponês
e ainda mandou que lhe dessem um cavalo
e alguns copeques para sua viagem, (*)
determinando então que uma mensagem
por todas as terras da Rússia transmitissem,
a indagar onde se achava a tal região,
de cuja água mágica adquirira a convicção
e que o caminho para ela descobrissem.
Sem resultados, convocou juntos os três
seus filhos, para que viessem ajudá-lo
e a água buscassem, para assim salvá-lo!
(*) Moeda de cobre, divisória do rublo.
O fato é que ninguém mais acreditava
que existissem essa fonte ou tal país,
mas o príncipe Mikhail, que era o mais velho,
prontificou-se a partir, com todo o zelo,
para encontrar a tal água milagrosa;
pediu ao pai que lhe desse um ano e um dia
e muito ouro, que na busca gastaria,
mas nutrindo a esperança vergonhosa
da morte de seu pai enquanto andava
a divertir-se pelo reino, o quanto quis,
como a um príncipe de sangue lhe condiz...
A TERRA DA JUVENTUDE IV
Como a tal terra ficaria para o Oriente,
foi cavalgando para essa direção,
tomando a “rota da seda” como banda,
até chegar à antiquíssima Samarkanda,
em que se hospedou alegremente,
gastando à larga o seu saco de ouro
até que, esgotado seu tesouro,
foi levado à prisão como indigente,
até pagar as dívidas que, indolente,
fizera sem a menor preocupação,
comendo restos e a sofrer humilhação.
Quis escrever ao Tzar na carceragem,
mas não quiseram acreditar no que falou,
já que estava emagrecido e esfarrapado,
perdido ao jogo o quanto havia apostado,
suas roupas, sua espada e seu cavalo...
Passou-se, afinal, um ano e um dia;
como do filho nenhuma notícia ouvia,
mandou o Tzar o outro filho procurá-lo:
o tzarevitch Piotr, de grande coragem. (*)
Uma escolta tampouco ele aceitou;
que em ano e dia voltaria ele afirmou.
(*) Filho do Tzar, título dos herdeiros do trono.
E lá se foi Piotr pela estrada,
sem intenção da tal água procurar,
pois nem acreditava que existisse,
sem que qualquer resposta conseguisse,
pelas cidades e aldeias que encontrava,
também nutrindo a esperança nefanda
da morte do Tzar, até chegar a Samarkanda,
gastando à larga o dinheiro que levava...
Mikhail, ao saber de sua chegada,
mandou chamá-lo, mas nem o foi visitar;
por que as dívidas do irmão iria pagar?
Eventualmente, sofreu a mesma sorte:
perdeu no jogo seus últimos centavos,
a sua espada, as ricas vestes e o cavalo
e para a mesma prisão foram levá-lo;
só então reconheceu o seu irmão,
mas era tarde, sem poder nada pagar
e muito menos à tal fonte demandar.
Foram ameaçados com a escravidão
ou até mesmo com pena de morte,
que aceitariam, talvez, como dois bravos,
de preferência a se tornar escravos!
A TERRA DA JUVENTUDE V
Passou-se assim de novo um ano e um dia
e a saúde do Tzar mal se aguentava;
acreditando que os dois filhos haviam morrido,
não queria dar ao mais novo consentido
para que a fonte fosse buscar também;
mas Wladimir, sem receber dinheiro,
vendeu algumas joias que herdara, bem ligeiro;
e como a morte do pai a temer vem,
secretamente pela estrada ele fugia
e logo em busca dessa terra demandava
em que a mágica fonte se encontrava.
Também a rota da seda ele seguiu,
mas disfarçou-se de pobre mercador,
pois não queria chamar muita atenção,
sempre indagando, na maior educação
onde a Terra da Juventude se encontrava;
a maioria da camponesa gente
só lhe dizia dever ser lá pelo Oriente,
porque velho todo mundo ali ficava!
Mas nas cidades nenhuma resposta ouviu;
de Samarkanda desviou-se, sem temor,
sem esperar ali encontrar qualquer favor!
Chegou assim de Ustyurt até o planalto
e a Kyzylorda, além do mar de Aral,
depois o vasto deserto de Kyzyl Kum
(na travessia levou dias vinte e um!),
chegando então do Karakorum às montanhas;
nada o fazia, porém, desanimar,
até um dia vasto mar ir encontrar,
tempestuoso e com vagas tamanhas,
onde hoje fica o deserto de Gobi, bem alto;
e com uma velhinha se deparou, afinal,
que uma resposta lhe deu, bem natural...
“Meu filhinho, precisarás atravessar
todo esse mar, porque fica do outro lado!
Não existe ao redor qualquer caminho;
caso houvesse, eu o seguiria de mansinho;
mas a esse mar criou um encantamento,
que é da Terra da Juventude a proteção;
somente de animal marinho a direção
é conhecida por seu entendimento...
Ah, se eu pudesse, cruzaria o mar,
mas meu corpo envelheceu e está cansado;
caso tentasse, já teria me afogado!”
A TERRA DA JUVENTUDE VI
“Quando era moça, de lá eu fugi,
porque achava aquela vida aborrecida;
o povo jovem, cheio de formosura,
não se arriscava a fazer uma aventura;
porém eu convenci a um bom tritão, (*)
nele montei e vim para este lado
e aqui vivi, no prazer mais descuidado,
até envelhecer e não ter mais ilusão;
eu retornei, mas ao tritão não mais eu vi;
dizem-me os peixes que concluiu sua vida;
como mel e gafanhotos, pobre e desnutrida!”
(*) O macho das sereias.
“Mas se pudesse de novo a água beber,
decerto recobraria a mocidade!
Porém os peixes não me podem transportar
e se eu tentasse, no mar iria tombar!
Mas a você, talvez um deles o transporte...”
E a velha começou a bater palmas,
transformando os vagalhões em ondas calmas;
depois os dedos ela enfiou na areia
e dos desenhos que começou a fazer
surgiram vermes em grande quantidade,
que ela atirou às águas, sem maldade...
Logo os peixes começaram a acorrer,
esses vermes engolindo vorazmente
e ela indagou: “Vocês podem carregar
este rapaz até a outra praia do mar?”
Contudo os peixes lhe respondiam, comendo:
“Ele é muito pesado para nós,
vai-se afogar por esse mar empós.
Só uma dugongo, se fortalecendo, (*)
Talvez seja capaz de isso fazer!”
“E onde se encontra a dugongo, boa gente?”
“Do outro lado ela vive, geralmente!”
(*) Um mamífero marinho verdadeiro, aparentado aos golfinhos.
Finalmente, um espadarte prometeu
que uma dugongo iria desentocar:
“Posso lhe dar alguma alfinetada
com o meu bico, que parece espada!”
E lá se foi o peixe, em busca amiga;
depois de horas, a dugongo enfim surgiu
e Wladimir que era uma fêmea logo viu,
pois quatro seios ela tinha na barriga
e barbatanas na cabeça percebeu,
cabelos de mulher a assemelhar,
focinho curto apenas a ostentar...
A TERRA DA JUVENTUDE VII
Não admira que com mulher a confundissem
e desse origem à lenda das sereias;
mas a dugongo mostrou muito mau-humor,
porque o espadarte a espetara com fervor:
“Baba Yaga, o que queres de mim?”
“Que transportes este moço ao outro lado.”
“Vejo que é muito bem-apessoado,
mas qual motivo para ajudá-lo assim?”
“Um colar te dará, quando atingissem
o outro lado e a segurança vissem...”
“E para que eu quereria um colar?
Não está vendo que pescoço sequer tenho?”
“E uma tiara para os teus cabelos?”
“São barbatanas e não quero prendê-los.
Só te carrego, se me deres outra prenda:
um rabo de Catoblepas e um focinho
de Coquecigrou, acrescido de um espinho
das costas da Tarasca, de prebenda!...” (*)
“Se eu tos trouxer, irás me carregar?”
“São muito apreciados de onde eu venho,”
disse a dugongo, a lhe franzir o cenho.
(*) Todos três são animais imaginários.
“Mas como encontrarei tais criaturas?”
“Sei onde moram,” disse-lhe a velhinha.
“O Catoblepas dorme o dia inteiro,
à escura sombra de um vasto espinheiro:
segue a senda da direita e o encontrarás...”
“Mas tu, dugongo, não irás embora?”
“Esperarei por um dia e meia-hora.”
Baba Yaga lhe disse: “Este ramo lhe darás;
é de cicuta, com folhas novas e bem puras.
Coloca-o junto a seu focinho, com cuidado,
porém evita respirar, quando a seu lado!”
“Do Catoblepas a feroz respiração
é fatal para qualquer um ser humano!
Mas ao comer, ele fica distraído
e cortarás o seu rabo, destemido;
não tenhas pena, porque outro nascerá;
este ramo irá comer sem acordar;
faz o que eu digo e poderás voltar
e por ti a dugongo esperará;
cumpre a tarefa sem perturbação;
o Coquecigrou te dará maior afano
e a Tarasca é um perigo desumano!”
A TERRA DA JUVENTUDE VIII
Wladimir para a jornada se aprestou,
com o ramo de cicuta preso à sela;
do Catoblepas colocou-o junto ao focinho
e seu rabo foi cortar, devagarinho,
tendo o cuidado de prender a respiração;
depois voltou até a praia do mar,
onde a dugongo ainda o estava a esperar,
mas disse a velha: “Espere a ocasião,
depois que as três prendas você conquistou,
senão a malícia da dugongo se revela:
come essa cauda e se perde na procela!”
A dugongo já começou a protestar,
mas Baba Yaga logo a repreendeu:
“Você não quer as três prendas receber?
Pois então esperar deve aprender!”
E a Wladimir: “Siga da esquerda o caminho:
o Coquecigrou também dorme de dia,
mais mortal que o Catoblepas, pois quem via
ele transforma em pedra, meu filhinho!
Portanto, com a espada o irás matar;
é um benefício para o mundo, se morreu:
fura-lhe os olhos e o focinho será teu!...”
Wladimir novamente se aprestou,
mas o cavalo amarrou a um carvalho
e foi aproximar-se devagar,
para a fera poder assim matar,
cujo aspecto era tão enganador!...
Julgavam as pessoas fosse caça,
mas logo a morte por ali perpassa
e quem morre é sempre o caçador!
Um feitiço de antanho o transformou
em galo e grou do mais estranho talho
e Wladimir o encontrou pousado em galho!
Mas ao chegar perto do pássaro, afinal,
veio o príncipe, com um golpe certeiro,
a cabeça cortar-lhe, limpamente,
sempre evitando o olhar diretamente;
os dois olhos furou-lhe com a adaga
e só então cortou-lhe seu focinho,
voltando à praia por igual caminho,
até a cabana em que habitava a maga.
A dugongo mostrou um desejo bem real,
vendo o focinho que trouxera inteiro,
mas Baba Yaga disse: “Espera o derradeiro!”
A TERRA DA JUVENTUDE IX
Então Baba Yaga para Wladimir se voltou:
“Esqueci de lhe dizer que nos trouxesse
a carcaça daquele monstro inteiramente.
Você irá dele precisar, como um presente
para a Tarasca, em troca de um espinho;
você não a poderá matar com a espada,
nem com fogo, com veneno, nem com nada:
quase imortal é tal monstro daninho!”
E Wladimir bem depressa retornou:
talvez o corpo nem mais encontrasse
ou que espantar carniceiros precisasse!
Mas teve sorte. A ave morta ele amarrou,
com uma corda, na garupa do cavalo
e retornou outra vez até a margem.
Falou a maga: “À prova irá pôr a sua coragem
para enfrentar a sua terceira adversária,
que encontrará ao seguir a trilha central.
A Tarasca é um animal descomunal
e se alimenta com uma dieta vária:
quantos encontra, no passado devorou.
Para você será impossível enfrentá-lo,
mas lhe diga que fui eu a enviá-lo...”
“Nós duas temos um antigo entendimento:
diga-lhe que o mandei pedir um espinho,
dentre as centenas que traz na carapaça
e que tampouco o foi buscar de graça;
ela conversa tal qual uma pessoa
no idioma russo que fala do seu Tzar,
mas nem por isso deixe-se enganar,
pois ela é esperta e não tem nada de boa:
matar humanos é para ela um passatempo,
mas por mim desenvolveu certo carinho;
fale de longe e negocie com jeitinho...”
Mas Wladimir já se achava desconfiado:
“Por que motivo você está me ajudando?”
“Não por seus belos olhos, meu rapaz,
mas por garrafa de água que me traz:
a mesma água que quer para seu pai.
Por que se espanta? Pensa que não sei?
Você é o filho mais jovem do seu rei
e para a Terra da Juventude você vai,
após ter tantas penúrias suportado,
porque o Tzar está aos poucos se finando
e só com a água irá a saúde recobrar...”
A TERRA DA JUVENTUDE X
Seguiu de novo Wladimir pelo caminho;
logo, à distância, ele enxergou um morro,
de espigões cheio na parte de cima;
mas para lá a sua senda se destina
e logo que era a Tarasca percebeu,
um bicho imenso, tal que nunca vira!
Porém do coração força retira...
Com um rugido o monstro o recebeu:
“Quem é você?” – falou, com escarninho.
“Quem se aproxima, quando a todos corro?
Vou devorá-lo igual que a um cachorro!”
“Baba Yaga enviou-me com um presente:
a carne trouxe desta ave estranha:
o Coquecigrou, que você tanto aprecia!”
“Percebo bem, pois o cheiro já sentia...
Mas o que quer, em troca desse dom?”
“Quero levar de suas costas um espinho...”
“Como se atreve a me trazer sem o focinho?”
indagou a Tarasca, em feroz tom.
“Meu velho pai encontra-se doente.
O mar de Gobi tem extensão tamanha:
pela dugongo é que exponho-me à sua sanha!”
“Você parece ser um príncipe sincero,”
disse a Tarasca, porém já chegando perto.
“Quer ir à fonte desse País da Juventude,
não é verdade?” – interpelou-o num tom rude.
“Certamente. Só assim irei salvar meu pai.”
“Se a água beber, ele remoçará
e toda a esperança ao trono perderá...
Mesmo assim, levar-lhe a água você vai?
Vi que surpresa no seu rosto gero...”
“Não importa. Vim de coração aberto
e por amor cruzei monte e deserto!...”
“Pois muito bem. Então me dê a carcaça;
enquanto como, pode me cortar um espinho,
mas seja rápido, pois de sobreaviso,
com minha palavra de monstro já lhe aviso:
quando acabar, muita fome ainda terei
e não importa que tenha pena de você,
a minha boca devora o quanto vê;
se ainda estiver por perto, o comerei!
Tem três minutos e um segundo só de graça!”
Wladimir foi se achegando, bem pertinho,
e a ave lançou para o animal mesquinho!
A TERRA DA JUVENTUDE XI
Tão logo a carcaça do pássaro lançou,
subiu depressa sobre a sela do cavalo
e um espinho serrou com sua espada,
retornando velozmente para a estrada,
enquanto a imensa Tarasca mastigava;
mas três minutos nem se haviam passado,
já o perseguia o tal monstro malvado
e por um triz ela não o abocanhava!
Porém na praia são e salvo ele chegou,
ficou a dugongo alucinada a contemplá-lo:
“Dê-me as três prendas, que vou transportá-lo!”
“Não será assim,” lhe respondeu a maga.
“Somente a cauda receberás agora;
o focinho o belo príncipe lhe irá dar
assim que na praia oposta se encontrar,
porém comigo guardarei o espinho,
pois meu amigo precisará de retornar
e sem sua ajuda, do outro lado irá ficar...
Portanto, agora o transporte com carinho!
Tome duas garrafas para trazer-me a paga;
do seu cavalo eu cuidarei em sua demora;
monte a dugongo e vá depressa embora!”
A dugongo devorou a cauda inteira
e pelo príncipe permitiu-se ser montada,
que guardara em seu gibão o tal focinho.
“Não tem receio de que o afogue no caminho?”
“Se assim fizer, o espinho perderá,
pois a maga espera ansiosa pela água;
se não retorno, sentirá uma grande mágoa.”
“Pois muito bem, depois o focinho me dará,
mas a fonte tem a guarda bem certeira:
são dois dragões e uma real beldade,
que além de linda, é uma fada de verdade!”
Os três só dormem à meia-noite em ponto
e se acordam depois de meia hora;
encha as garrafas depressa nessa fonte,
pois quando a Lua desponta no horizonte
os três se acordam e o devorarão!”
Chegado à praia, deu o focinho à dugongo,
que o engoliu, tal qual fosse mondongo!
“Prossiga agora, pois logo adormecerão!”
Correu o príncipe, para tudo pronto
e viu a fonte brotando, sem demora,
já os três vigias dormindo nessa hora!...
A TERRA DA JUVENTUDE XII
Mas tão logo as duas garrafas ele encheu,
o seu olhar recaiu por sobre a fada:
jamais vira uma mulher de mais beleza!
Um colar pôs-lhe ao pescoço com presteza,
de que pendia um camafeu com seu retrato
e retirou-se ao ver que suspiravam
os dois dragões, sinal que se acordavam;
raios de luar já percebia sobre o mato
e velozmente à praia ele acorreu,
antes que despertasse a sua Encantada,
que já ansiava alcançar por namorada!
Logo a dugongo o transportou à outra margem
e Baba Yaga lhe entregou o espinho.
Ela o pegou, para nas águas se esconder,
sem nem ao menos pensar em agradecer!
Deu-lhe a garrafa e recebeu o seu cavalo
e a velha engoliu a água inteira:
tornou-se linda moça a feiticeira!
Com um olhar fascinante a encará-lo,
mas o príncipe falou-lhe com coragem:
“Você é linda, mas por meu pai tenho carinho,
está em tempo de seguir o meu caminho!”
“Sei bem por que você me resistiu”,
disse-lhe a agora belíssima maga.
“Você olhou para o rosto dessa fada
e sua alma foi por ela conquistada...
Mas não se iluda. Ela tem mais de mil anos,
parece jovem porque bebe a água da fonte,
mas no momento em que descer daquele monte,
seus encantos tornar-se-ão em desenganos!”
Porém o príncipe de imediato lhe sorriu:
“Você também... Deve estar só com inveja...”
“Eu o ajudei... Por que agora não me beija?”
“Se eu a beijar, não a deixarei jamais
e acabarei por transformar-me em seu escravo,
porque depressa de mim se cansará...”
Ela sorriu também. “Pois então, vá,
o seu pai já está quase a falecer!...”
Wladimir retomou o seu caminho,
da fada o rosto a lhe inspirar carinho,
sem esperança de algum dia a poder ter...
Mas ao sentir-se cansado por demais,
uma noite quis passar em Samarkanda,
sem suspeitar de qualquer sorte nefanda!
A TERRA DA JUVENTUDE XIII
No outro dia, ao sair da hospedaria,
ele cruzou pela janela da prisão
e seus irmãos logo o reconheceram
e por sua ajuda depressa suplicaram.
Wladimir pagou as dívidas dos dois,
comprou-lhes roupas novas e cavalos,
mostrou a água, pensando em alegrá-los,
porém ficaram a conspirar depois,
para matá-lo em qualquer oculta via
e de fato, derrubaram seu irmão
e o mataram, sem remorso ou compaixão!
Mikhail e Piotr, após a iniquidade,
foram depressa até a capital,
levando ao pai o frasco de água da vida.
O veneno já o levava de vencida,
pois nunca se pudera recobrar;
mas no momento em que a água bebeu,
de imediato o Tzar se fortaleceu
e começou igualmente a remoçar!
Ficou o Conselho na maior perplexidade,
mas reconheceram o seu rosto natural
e o acolheram de forma triunfal!
Os dois irmãos ficaram desapontados,
por que ao trono já não podiam almejar,
já que o Tzar recobrara a juventude,
mas se escudaram em mentira rude:
“Infelizmente, a Wladimir assassinaram;
nem conseguimos seu cadáver encontrar,
mas tão somente seu cavalo recobrar...
Por algum tempo em tal malícia se ocultaram
e da Ucrânia e Bielorrússia foram nomeados
vice-reis para assim se consolar,
pois deste modo o pai os quis recompensar...
Enquanto isso, a fada se acordara
e se encantara, ao ver o camafeu;
ansiou o jovem príncipe encontrar
e por magia o conseguiu localizar.
Achou-o ao fundo de um grande buracão,
água da vida administrando ao falecido,
que foi à saúde plena devolvido;
então montou cada qual em um dragão
e no momento em que a capital se achara
aos dois traidores cada dragão comeu
e a amarga trama logo se reconheceu!...
A TERRA DA JUVENTUDE XIV
Mas Wladimir recompensas recusou:
“Meu nobre pai, vê-lo saudável é o bastante;
vou para a terra da eterna juventude;
lá viverei eternamente e com saúde.
Por que o senhor não se casa uma outra vez?
Está saudável e jovem novamente
e poderá ter outros herdeiros brevemente.”
O casamento de Wladimir logo se fez
com a sua fada e assim ele ficou
vivo, saudável e jovem doravante.
(Talvez viva feliz até este instante!)
Enquanto isso, Baba Yaga fez um encanto
e sua cabana começou a caminhar
sobre cem pés que logo apareceram
e até Moscou depressa a conduziram.
Apresentou-se então ante o Tzar,
que se encantou com sua grande beleza
e com ela se casou sem mais lerdeza,
filhos gerando para a dinastia continuar.
Mas na ausência das águas de seu pranto,
o mar de Gobi começou a ressecar
e foi no atual deserto terminar...
Por encanto a fada aos peixes transportou,
que se mudaram para o extenso Oceano,
mas a dugongo preferiu o Mar Vermelho,
onde encontrou outro dugongo velho,
que fez com a água da vida remoçar
e assim tiveram uma certa descendência
confundida com sereias, com frequência.
Quanto à Tarasca, viu sua vida terminar
após os duzentos séculos que durou;
já o Catoblepas para a África emigrou
e os gnus modernos assim gerou...
Contudo, sua cauda é hoje diferente,
igual que um rabo de herbívoro normal.
Ora, aquele Coquecigrou tinha morrido,
mas alguns ovos seus haviam eclodido
e seus filhotes voaram para a França,
onde residem em locais secretos;
sem achar cicuta, vivem só de insetos;
podem ser vistos, em constante dança,
pelos céus da Provença e é até frequente,
segundo narram, que na época outonal,
pairem no céu, sem aos franceses fazer mal.
EPÍLOGO
Naturalmente, é narrativa imaginária,
mas se esta história apreciou também,
(tudo está bem quando termina bem)
no coração busque encontrar história vária!...