Coração de lata
Jogado em um canto do quarto, esquecido por aquele que me construiu, não era mais feliz. Não sorria mais. Já não tinha mais vida.
Observava, todos os dias, meu dono entrando e saindo do quarto com seus novos amigos. Sempre com celulares e tablets nas mãos. A tecnologia substituíra os carrinhos e bonecos.
Vê-lo sempre brincando com outras pessoas e me deixando de lado, partia meu coraçãozinho de lata.
Certa manhã, enquanto ele limpava o quarto, encontrou-me jogado no chão. As teias de aranha me cobriam quase por inteiro. Passou a mão pelo meu rosto, sorri para ele, então, com um olhar frio, jogou-me dentro da caixa para doações.
Aquilo me destruiu. Fez meu coração se despedaçar. Queria chorar, mas não tinha lágrimas. Queria morrer, mas não tinha vida.
Depois de colocado na caixa, fui levado à carroceria de um caminhão.
Acima dos outros brinquedos, observei meu dono voltar para dentro de casa. Antes de partir, pude ver a porta se trancando em minha cara. Desabei na caixa. Não queria mais sair de lá.
O caminhão deu partida. Com muita coragem, dei uma ultima olhada na direção da minha antiga morada. Pude vê-la sumir no horizonte. Mergulhei para o fundo da caixa, então adormeci.
Depois de um tempo, senti o caminhão parar. Curioso, abri espaço entre os outros brinquedos e espiei o local.
Estávamos em uma região de campo. Um lugar lindo.
Girando a cabeça para o outro lado, vi uma linda garotinha correndo em direção à caixa. Em minha direção.
Fui o primeiro brinquedo a ser pego.
A jovenzinha saiu correndo, comigo em seus braços, para um balanço. Passou a tarde inteira brincando comigo.
Aquilo me devolveu a alegria. Voltei a sorrir. Já não queria mais chorar. A vontade de me esquecer do mundo já não passava mais pela minha cabeça. Meu coração foi consertado. Voltei a ter um lar.
Hoje, já não vivo mais com aquela garotinha. Ela cresceu, mas não me esqueceu. Teve filhos e me passou para eles. Esses filhos tornaram-se pais e me passaram para essa nova geração. E assim será feito para sempre. Nunca mais serei esquecido. Nunca mais chorarei. Para sempre terei uma família.