Doce infancia?

O tio Liopordo não tocava nada, mas era um homem dos sete instrumentos: em tudo o que mexia - e não era de parar - alguma coisa saía. Nem que fosse dos trilhos.

De uma remota visita sua à nossa casa lembra-me vê-lo indo quintal abaixo de canivete em punho, falante e gesticulante, demonstrar a um atento papai como se fazia o enxerto em plantas. Abriu uma seçãozinha num caulinho de goiabeira, ou laranjeira, pegou um brotinho doutra variedade e lá naquele rasgadinho de casca o aninhou, circundando-o com um pouco de barro e um paninho a envolver aquele emplastro de barro e estava pronto o enxerto - que dias depois, apesar de brotado, iria fenecer.

Mas ficou na minha lembrança a aura daquele homem um tanto tenso e angustiado mas sempre disposto a novas experiências e outras sapiências. E fui reencontrá-lo anos depois fabricando e comercializando doces de amendoim, em meio a um emaranhado de rodas e polias que lhe facilitavam o enfadonho serviço de manter aquela massa borbulhante sempre em movimento. E para algum defeito que se apresentasse no mecanismo da mexeção sempre estavam ali à mão, a mulher, a filharada, a cambada.

Depois de passar o negócio já bem enraizado e suficientemente adoçado ao filho maior, Liopordo foi proutras quinze-bandas - e Sete Lagoas - sempre frenético nas suas açucaradas ações.

Numa de sua volta à nossa casa, que já era noutra freguesia, mas com um quintal ainda com mais frutaria, o bom homem nos mimoseou com uma barra do doce de leite que então produzia, esse já rotulado - e por Mãezinha denominado.

Na nossa aração infanto-juvenil fomos para a cozinha - deixando os mais velhos na sala das prosas - e fomos fundo na barra da Mãezinha.

Querendo ser simpático com a meninada, o bom mas sistemático tio - de quem na verdade era tio-avô - Liopordo perguntou: e então gostaram do docinho? Ao que Nacho, o caçulinha, na inocência de seus cinco aninhos e de sua barriguinha pra lá de cheiinha devolveu, com a espontaneidade que Deus lhe deu:

- É bão mais é infaroso.

E deixou de ser segredo que o que então era doce, virou azedo.

Na regressao - a perceber, começo - o Stelo ve algum progresso

Te via em duplo sentido.....

Aqui te vejo mais leve......

Na infância um pulo mesmo breve.....

Nos mostra um escritor vivido....,

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 29/10/2014
Reeditado em 29/10/2014
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