Criança é Diferente

O velho caminhão rangeu ao último balanço da carroceria e estancou o ronco do motor, após um longo percurso de viagem. Parou num terreno próximo à rodovia e por alguns minutos seus ocupantes ficaram estudando o lugar, enquanto a poeira da frenagem dos pneus era impelida pelos ventos.

Seu Josué, o motorista, D. Susana, a esposa, e Nazaré, única filha, - fitavam a paisagem cinza das árvores nuas de folhas. Uma trilha margeada por espichados capins terminava à porta duma casa de desenho modesto, com porta central na fachada e janelas angulosas nas laterais.

A um comando do chefe da família, todos saltaram do veículo e pisaram no chão de terra batida, como uma celebração de posse e domínio do novo cenário que lhes daria o amparo domiciliar.

O rodopiar da chave na fechadura fez as dobradiças gemerem quando a porta foi aberta e o som alastrou-se pelas dependências ocas e ensombradas.

“Mãe, como vou ficar sem as minhas coleguinhas que permaneceram lá no vilarejo, na casa antiga?”- indagou a menina.

“Filha, é só melhorarmos um pouquinho de vida e iremos visitá-las, para matar a saudade.”- respondeu a senhora, sentindo um apertozinho no peito.

“Mãe, o que a senhora quer dizer com melhorar de vida?” – mais uma vez a garota interrogou.

Marido e Mulher trocaram olhares, disfarçaram um certo ar de preocupação. Respostas para as crianças têm que ser bem compreendidas, sem complicações.

A mãe, agraciada por divina inspiração, falou pausadamente:

“Filha, há determinados momentos que somos obrigados a mostrar para Deus nossa capacidade de vencer algumas dificuldades e, então, agradecê-Lo por ter nos dado o dom da vida.

Nazaré agarrou-se à bonequinha de pano que trazia no colo e caprichosamente deu um beijo na face riscada por um sorriso feito a tinta.

“Quanto à nossa parte, amiguinha, iremos provar ao Papai do Céu que crianças não precisam dessas coisas!” – e saiu a correr ao redor da casa, a saltitar e agitar a boneca presa em um dos braços.

Rui Paiva
Enviado por Rui Paiva em 06/10/2014
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