Eu e Bigu

Eu e Bigu corríamos de uma árvore para outra, trocando as sombras, na tarde banhada de sol. Afastamo-nos um pouco, subimos num pé de azeitonas e passamos a deliciá-las, rindo-se a valer de nossas línguas tintas de lilás.

Estávamos no topo da oliveira e acho que se elevássemos os braços tocaríamos nos tufos de nuvens que sobrevoavam sobre nossas cabeças. O céu era de um azul tão intenso que nossos olhos absorviam uma quietude intraduzível, deixando-nos levemente mergulhados naquela paz revigorante.

Ao longe meninos empinavam pipas que saracoteavam no ar com suas longas caudas coloridas.

No campo, Apolo relinchava alegremente enquanto batia suas asas de maneira agitada.

Uma faísca solar incidiu no cabelo da cor da palha do milho de Bigu e seus lindos olhos criaram a cor da esmeralda, contrastando com o vermelho de seus lábios.

Era sempre assim: a cada vez que nos encontrávamos, a vida florescia em todos os recantos, tudo era música e alegria.

Meu coração saltava aos pedaços, quase me sufocando, e Bigu sabia disso.

Mas ficava com a certeza somente pra si, era muito reservado e não acumulava nada de orgulho.

Meu Deus, como aquele garoto conseguia trazer tanta felicidade?

Quando ele aparecia qualquer rancor virava fumaça, as broncas de meus pais tornavam-se penas leves, eu só lembrava coisas boas, nada mais.

Sem ao menos esperar, já me dava conta jogando caroços de azeitona um no outro, nossos risos abafavam todos os barulhos da tarde.

Ao se despedir, sumindo no dorso alado de Apolo, eu ficava numa angustiosa saudade e ao mesmo tempo assumia o papel do menino mais feliz do mundo.

Rui Paiva
Enviado por Rui Paiva em 25/09/2014
Código do texto: T4976273
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