Lambidinha
Da janela, espio a rua de um pretérito quase mais que perfeito. No golpe impreciso, a chuva de granizo, tão rara e incerta, que acaba de passar, há de ter feito muito estrago em roças, telhados, criações e a até a algum infeliz que tenha estado ao desabrigo no momento de sua fúria maior. Pois foi tão repentina.
Contrastando com a eventual desolação, ressalta a alegria incontida daquela menina dos cabelos tão negros, Sulinha, a catar gelinhos que se acumulam aos pés das paredes - depois do impacto em que alguma lasquinha ao menos terão tirado dessa exibição dos homens.
Sem se imaginar percebida, Sulinha vai colecionando seus ovinhos, mercês dos céus, e, quando em vez, prazerosamente, dá-lhes u`a inocente lambidinha, ah aí mareja, ressequida, a boca minha.