Lixo Amontoado, Rato Assanhado/ Gil Bertho Lopes - 1998

(Entra o Macaco)

MACACO - Vocês já ouviram falar da Dona Baratinha, que tem piolho no cabelo e faz sujeira na cozinha? - (Como um apresentador de circo, esbraveja:) Vou lhes apresentar a marquesa de Sujinópolis, Dona... Li-xo-nil-da! (Entra a Barata)

BARATA - Quem está gritando pelo meu nome deste jeito? Ah, tinha que ser este Macaco pulguento! Sai pra lá, selvagem, seu lugar não é aqui. Eu, sim, é que sou um animal doméstico.

MACACO - (Ironiza) Doméstico! (Dá um salto para um lado) Aqui é Nosso lugar. Você é que veio daquela cidade lá embaixo, trazendo esse cheiro horrível para cá. (Canta insultando a Barata) - “A Barata diz que tem um sapato de veludo, é mentira da barata, que o pé dela é cabeludo”.

BARATA - Se você continuar me “zuando”, vou chamar o meu noivo Mosquitônio para fazer um zumbido bem nos seus ouvidos. E eu também já estou aprendendo a voar, não demora e logo estarei lá no Alto da Mosquiteira, celebrando o meu casamento com ele. Assim, estarei longe de você e daquela sua turma de barrigudos - (Dá-lhe as costas)

MACACO - (Saltando em sua frente) - Ah, eu vou contar para os meus amigos, o Boi-Zão, o Burro-Cido e pro Carneirão, o que a senhora acha deles.

BARATA - Então aproveite e quebre um galho para mim: Vá até eles e transmita os meus recados.

MACACO- Vá com calma. Quem quebra galho é macaco gordo. Sou um Macaco-prego, típico da fauna brasileira. O que eu ganho em ser seu porta-voz?

BARATA| - Eu lhe ensino um truque para amadurecer as bananas bem depressinha.

MACACO - Ah, assim, sim! Quais são os recados?

BARATA - Para o Boi-Zão, aquele do sovaco ardido, diga que ele aproveitaria muito melhor aquela baba se lavasse o corpo inteiro com ela. Para o Burro-Cido, aquele que nunca sabe de nada, eu mando cortar aquelas unhas imundas, ao invés de roê-las de madrugada. Ouviu bem?

MACACO - E para o Bubônico, aquele Rato mijão, eu não vou falar nada?

BARATA - Vai falar, sim! Diga a ele que da próxima vez que eu o encontrar fuçando no Meu lixo, ou roendo mais uma das minhas saias de filó, eu vou... eu vou... vou mandar o Mosquitônio fazer um zumbido no ouvido dele.

MACACO - Ah, mas é só o que o Seu Mosquitônio sabe fazer? Zoeira no ouvido não mata ninguém.

BARATA - Se não mata, endoida, meu filho! Você acha que alguém consegue dormir com esse ZZZZZZZZZ, a noite toda no ouvido? Os primos de Mosquitônio, os Pernilongos, levam os humanos à loucura. E digo mais: Mosquitônio, quando quer, sabe dar suas picadas. Suga o sangue, provoca irritação na pele, transmite uma série de doenças. Já ouviu falar da dengue, da malária... Pois é, os Mosquitos são terríveis. (Sai. Entra o Rato)

RATO - (Ajeitando sua boina na cabeça e tomando resto de suco no canudinho) E aí, vizinho, só na “manha”? Que tá “pegando”?

MACACO - Oi, Bubônico, que bom que você chegou! Já ia mesmo te levar um recado da... Opa! Para onde ela foi? (Chamando) Marquesa! Dona Lixonilda! E o segredo para amadurecer as bananas?

RATO - O que aquela Barata metida anda falando? Logo de mim que sempre a deixo revirar o meu lixo, sem cobrar taxa alguma! Vou chamar a Rataziada e ela vai ver a “zueira” que minha "tchurma" vai fazer na casa dela.

MACACO - Por que você não manda a sua "tchurma" entornar o balde de verniz que ela usa para pintar aquelas asas, deixando-as tão pretinhas e brilhantes?

RATO - (Empolgado) Pô, cara, você é da pesada, meu! Come bananas, mas não fala abobrinhas! Taí! Gostei bicho!

MACACO - (Descascando uma banana) Por onde você andava? Faz uns cinco dias que não o vejo por aqui, Bubônico. A Baratinha já estava se sentindo a dona do pedaço.

RATO - “Mano”, nem te conto! Tava num paraíso, “cara”! Fui dar “uns rolé” lá embaixo. A Cidade é da hora! É tudo de bom, bicho. Que lugar bom pra morar, viu! Estou pensando seriamente em me mudar pra lá! Parece que quem vive naquela Cidade não gosta mesmo de limpeza, tem tanta casca de frutas jogadas pelo chão, cocô de cachorro perfumando o ambiente, restos de pipoca, papéis de bala, copinhos de refrigerante, garrafas descartáveis, pneus velhos... com tanta sujeira, não deu outra, tirei a barriga da miséria. (Entra o Burro-Cido)

BURRO - Ah, não, Mestre Macaco! Como é que o senhor deixa um cara desses " invadir nossa praia" desse jeito? O Bubônico nunca foi um bom camarada. Todo mundo tem nojo dele.

RATO - Escuta aqui, ô Burro-Cido, você está é com inveja. Os humanos são meus amigos. Se eles não quisessem ratos por perto nunca deixariam tanto lixo espalhado pelos quintais, ruas e lotes vagos. Se (Entra o Carneiro, apressado)

CARNEIRO - Onde será que eu encontro um telefone público por aqui?

RATO - Usa o orelhão deste burro.

BURRO - Pega leve, ô dentuço!

CARNEIRO - Andei cada esquina daquela Cidade e não achei nenhum telefone que prestasse... Um estava quebrado, o outro só tinha o fio, parece que algum burro anda destruindo tudo por lá.

BURRO - Calma aí, Burro não! Eu não tenho nada a ver com isso.

CARNEIRO - Desculpe, Burro-Cido, não estava me referindo a você. Eu falo de pessoas burras, gente sem consciência, entendeu? O que eles não sabem é que podem precisar de um telefone e que no momento que correrem no orelhão vão dar com os burros n’ água.

BURRO - Mas será possível? Me deixa fora disso. Burros n’água, não! E nem de banho eu tô gostando. (A Barata retorna, usando uma pequena Antena parabólica na cabeça)

MACACO - Cala a boca, Burro! Se essa moda de não tomar banho pegar, só vai ter gente doente nessa cidade, porque saúde não combina com sujeira. ((Entra a Barata)

BARATA - Abram alas! Está chegando a Marquesa Lixonilda, sujando no pedaço! (Canta) Quem quer sujar com a Dona Baratinha...

RATO - (Canta ironicamente) Que tem piolho no cabelo e nunca lava a calcinha!

BARATA - Rato atrevido! Mais respeito comigo. Afinal, sou uma dama. Você teve a sorte de não ter nenhum gato nessa história, senão seria um almoço garantido.

RATO - E você seria uma sobremesa crocante com um final chocante.

CARNEIRO - (Esfregando a barriga com a mão) Essa conversa está me enjoando. Não sei por que vocês dois vivem se esbarrando! Vocês têm tanto em comum: Suas crias são numerosas, adoram lixo amontoado, dividem os mesmos esgotos, são responsáveis por um montão de doenças e os humanos vivem a perseguir os dois. Vocês bem que podiam se entender.

BARATA - Mosquitônio jamais consentiria uma amizade entre a gente! Aquele bobinho morre de ciúmes. Isso só porque Bubônico e eu ganhamos juntos o prêmio de melhor música Rap de Sujinópolis, no ano passado.

RATO - Taí, a Marquesa agora me fez sentir saudades.

BARATA - (Canta e dança entusiasmada) Que venha o cólera e a dengue também, a febre amarela eu quero muito bem! A leptospirose, que saudade dela! A disenteria e a verminose!

RATO - (Canta rodopiando) Se tem sujeira, é comida que vem, Barata e Rato e Mosquito também, pneu velho com água é lugar de morar, nos entulhos e lixos nós vamos ficar.

BARATA - Mandou bem, Bubônico!

MACACO - Atenção! Deem atenção! Não podemos conviver com esses tipos de bichos que tantos males causam à nossa saúde. Vocês não acham que esses dois estão muito à vontade na nossa cidade? Pois, como líder dessa comunidade, exijo que a partir de hoje a limpeza seja a nossa maior aliada no combate às doenças causadas por esses animais dessa espécie.

CARNEIRO - É isso mesmo, Mestre Macaco! Vamos expulsá-los de uma vez por todas.

TODOS: Fora! Fora! Fora!

BURRO - Eu me comprometo a varrer a s calçadas e carregar todo e qyalquer entulho no meu lombo.

BOI - Eu posso passar com meu carro duas vezes por semana, para recolher o lixo.

MACACO - E eu calço um par de botas, ponho luvas segurança e corro junto com você Boi-Zão.

CARNEIRO - Vou promover uma campanha bem legal, de porta em porta, alertando a todos que jogar lixo perto da mata, ou em qualquer outro lugar, só trará prejuízos, principalmente danos à saúde. Temos que manter a Cidade limpa, as matas preservadas e as nascentes puras e cristalinas.

RATO - Tudo que pensarem em fazer não vai adiantar. Não vai ser fácil se livrarem de nós.

BARATA - (Desolada) Eu não posso nem pensar em me mudar daqui! E o meu casamento? E Mosquitônio que não vem me defender? De que adiantou trocar minhas antenas velhas por esta parabólica novinha, achando que ia arrasar com esses grandalhões metidos a besta, que estão de sobra por aqui...

BOI - (Encarando a Barata) Saiba que em poucos dias daremos uma nova cara à nossa Cidade, começando por nossas casas. Os humanos são inteligentes, sabem que isso é bom para todos e, unidos, você verá quem é que vai sobrar, Dona Barata. E Muito em breve a cantiga do Macaco será: (Canta) Quem quer casar com a Dona Baratinha, que morou nessa cidade, mas já vai com sua trouxinha? (A Barata chora)

RATO - (Abraçando-a) Não chores mais! Para mim serás sempre marquesa. Estarei do seu lado para os restos da vida: os restos de comida, os restos de lixo, os restos, os restos, para todos os séculos. -

BARATA - (Engolindo o choro, esfrega os olhos) Me leve pra bem longe daqui, Bubônico. Não suporto a ideia de casa limpa, ruas varridas e coleta de lixo. (saem)

MACACO - (Suspirando) E assim termina a nossa história. Se a Dona Baratinha se casou, eu não sei, mas que todos se comprometeram em manter a cidade limpa e organizaram melhor os seus lixos, eu tenho a maior certeza. Se vocês não querem Ratos e Baratas por perto , é só seguir esse exemplo. E não se esqueçam: no Lixo Amontoado, tem Rato Assanhado!

FIM

Gilbertho Lopes
Enviado por Gilbertho Lopes em 04/03/2014
Código do texto: T4714958
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