OS GÊMEOS DE OURO

OS GÊMEOS DE OURO – 8 jan 14

(Folclore polonês, versão poética e adaptação William Lagos)

OS GÊMEOS DE OURO I

No Mar do Norte morava um pescador,

lançando as redes a cada madrugada,

para trazer alimento à sua morada,

fendendo as ondas com o maior esforço;

ao mar seguia, com frio ou com calor

e o que sobrava, ia a vender na feira,

para atender à sua companheira,

que em sua horta plantava vegetais,

comprando trigo, alguns ovos, pouco mais,

ou algum tecido, que trazia ao dorso...

Certo dia, ele lançou a rede ao mar

e dentro dela subiu peixe dourado,

de iridescentes barbatanas enfeitado,

escamas de cristal e guelras de rubi;

com grande esforço conseguiu-o carregar

para dentro do bote, pois pesava

uns trinta quilos ou até mais alcançava;

e ao ver o bicho sufocando, atento,

pegou a machadinha para pôr fim ao sofrimento

da gorda presa que encontrara ali.

Mas quando ergueu a mão, com grande espanto

percebeu que aquele peixe balbuciava

e com voz borbulhante, suplicava:

“Pescador, pescador, lança-me ao mar!

Eu sou o Rei dos Peixes e a meu canto

acorrerão meus súditos, às centenas

e tua rede te encherão, se apenas

concordares em minha vida preservar;

terão prazer, a bem de me salvar,

de as próprias vidas por mim sacrificar!...

Ficou indeciso Ladislau, o pescador,

mas qualquer coisa que viu em seu olhar

impediu que se pusesse a duvidar,

sem hesitar por muito tempo ainda;

com um suspiro, abriu o prendedor

que sua rede firmava à amurada

e o peixe mergulhou, em apressada

acrobacia para o líquido agitado,

deixando o pescador desapontado

por seu prejuízo, numa mágoa infinda!...

OS GÊMEOS DE OURO II

Acredito que esse peixe me enganou,

pois nem ao menos reparei uma coroa

que comprovasse como sendo boa

e não pura invenção, essa sua história!

Franziu a testa, porém se consolou:

Não é bom contrariar as criaturas

capazes de dominar palavras puras.

E se fosse esse peixe um deus do mar?

Em tal disfarce só a me experimentar,

capaz de me punir com morte inglória?

Melhor sair já, já, deste lugar!

Pode existir por aqui feitiçaria

ou das virgens do mar ter a magia,

que venham para o fundo me arrastar!...

Mas no momento em que a rede ia puxar,

para dobrá-la no seu barco, com cuidado,

viu o mar borbulhando e já assustado,

pensou em torvelinho ou má corrente,

ou que fosse um vulcão mais imponente

que pusesse assim a água a fervilhar!...

Mas no instante seguinte, que surpresa!

Um bacalhau lançou-se na sua rede,

arenques, um bonito e a seguir, vê-de!

quase um cardume de salmões do mar!...

Era uma fila de peixes, correnteza

que brotava das águas ao redor,

lançando-se em sua rede, sem temor,

e ali ficavam, sem nem se debater,

prateadas vítimas, prontas a morrer,

por amor de seu rei, sem protestar!...

Por um momento, temeu que se rompesse

a sua rede, pelo peso que continha;

mas no momento em que ficou cheinha,

qual por sinal, parou a procissão!...

E sem saber a quem agradecesse,

fez uma prece a seu santo protetor

e ao Rei dos Peixes, com maior temor,

por ter chegado da promessa a duvidar,

que o via agora inteiramente a realizar,

quase sem caber em si de gratidão!...

OS GÊMEOS DE OURO III

Chegado à praia, descarregou o pescado

e chamou a sua mulher para ajudar;

ela escolheu o que queria legar,

sal e limão sobre o restante respingou...

Foi Ladislau até a praça do mercado,

com dezenas de peixes em um saco,

água escorrendo sobre o seu casaco;

mas quando expôs a pesca na banquinha,

causou espanto em todo que ali vinha,

vendo o pescado o povo inteiro disputou!...

O pescador vendeu tudo bem depressa,

comprando víveres para mais de mês;

mas pretendia conservar cada freguês

e prosseguiu diariamente em seu pescar;

mas uma certa inquietação não cessa

e não querendo abusar da boa sorte,

que no mar facilmente chega a morte,

foi pescar em um ponto bem distante

daquele em que ocorrera o estranho instante,

sem intenção de provocar o Rei do Mar.

Quatro meses se passaram, sem surpresa,

durante os quais pescou apenas o normal;

habilidoso, sempre era natural

que mais ou menos o seu barco enchesse;

mas certa madrugada, a lua acesa,

lançou as redes em qualquer novo lugar,

com grande peso, quase a soçobrar;

e quando a puxou pela amurada,

repetiu-se a ocorrência desusada

que sua mente de novo surpreendesse.

Pois lá estava, para seu espanto,

o mesmo peixe que pegara anteriormente,

escamas de cristal, barbatana resplendente,

as guelras de rubi fulgindo à aurora!

E desta vez, pensou notar coroa e manto:

“Nos encontramos de novo, Majestade!”

“Eu lhe garanto que não foi por minha vontade!”

“E nem por minha, vim pescar em outra parte...

“Mas não se assuste, farei já o seu descarte,

e Vossa Alteza pode ir nadando embora!...”

OS GÊMEOS DE OURO IV

“Não obstante, pagarei o mesmo preço,”

disse-lhe o peixe. “Também eu troquei

este passeio pelo antigo em que eu andei,

mas que fazer, quem determina é o fado!”

“Majestade, tendes todo o meu apreço,

vou libertar-vos, não é preciso recompensa...”

“Minha honra não permite tal licença.

Meus súditos bem depressa aqui virão

e sua rede muito fácil encherão,

da melhor forma que for de seu agrado.”

E dito e feito. Tão logo solto o peixe,

dezenas de outros se puseram a nadar,

para dentro da rede a borbulhar,

todo peixe comestível na ocasião...

E Ladislau a dobrou, em grande feixe,

atrás do barco, a praia a demandar,

conseguindo grande soma assim lucrar;

mas continuando a temer pela sua sorte

(terceira vez quiçá trouxesse a morte),

caso afrontasse do mar a vastidão!

Assim, de novo trocou seu paradeiro,

indo pescar num sítio bem distante;

do Rei dos Peixes temia esse constante

encontro... E se ficasse então zangado?

Tal qual pagara um resgate bem certeiro,

poderia convocar um espadarte,

que seu barquinho facilmente parte

e então se afogaria... Ou um tubarão

o poderia atacar sem compaixão,

que tanta gente já haviam devorado!...

Mas foi escasso o prazo desta vez.

Ladislau escolhera outra paragem

na cinza vastidão dessa paisagem

do frio e agitado Mar do Norte

e não chegou a se passar sequer um mês:

para espanto de ambos, em sua rede,

mais uma vez da liberdade se despede

o Rei dos Peixes, novamente aprisionado...

Qual o delírio que o teria impulsionado

já por três vezes em direção à morte?

OS GÊMEOS DE OURO V

Prontamente quis soltá-lo o pescador,

Porém o peixe lhe disse, com voz triste:

“Meu amigo, não adianta, o fado insiste,

determinando assim meu passamento.

Já estou velho para abusar do amor

de meus bons súditos. Minha hora já chegou;

de um novo rei o tempo já determinou...

Retire a machadinha aí do fundo

de seu barco e me dê um talho profundo,

que encerre de uma vez meu sofrimento...”

“Depois disso, me corte em seis pedaços.

Os dois maiores faça comer a sua mulher,

dois a égua que comprou, cujo mister

é o de agora puxar a sua carroça,

que adquiriu, já que o livrei dos embaraços...

Os dois últimos, plantará no seu jardim;

em dado tempo brotará um lírio assim,

todo de ouro, que em duas hastes se erguerá.

Também sua égua dois cavalos parirá

e um par de gêmeos dará à luz sua esposa.”

“Seus dois filhos terão cabelos bem dourados,

a barba e os pelos dessa coloração

e em questão de meses crescerão

até atingirem as adultas proporções;

os cavalos também de ouro polvilhados,

da crina à cauda em idêntica nuance;

e cada folha que do lírio ao vento dance

será de ouro puro e igualmente cada flor,

as suas hastes conservando seu vigor,

o seu sustento garantindo as brotações...”

Não o queria matar o pescador,

porém o Rei dos Peixes insistiu

e Ladislau,afinal, se despediu

e com um só golpe, o decapitou.

Voltando à praia, ergueu-o com vigor

e junto com a mulher o dividiu;

sem grande esforço, a esposa o consumiu,

por mais que parecesse desconforme;

mascou a égua outro pedaço enorme

e os dois restantes no jardim ele plantou.

OS GÊMEOS DE OURO VI

Logo em seguida sua mulher engravidou

e percebeu em sua égua igual prenhez,

enquanto em seu jardim visível fez

o crescimento do prometido lírio de ouro;

mas Ladislau rapidamente se espantou

ao notar a rapidez com que avançava

a gravidez e a prenhez que já apontava,

o lírio imenso sob a luz do sol,

sempre brilhando, a cintilar como farol,

em suas folhas de metal vasto tesouro!

Após três meses, já nasciam dois meninos,

sem custar à sua esposa um sacrifício;

no mesmo dia lhes chegou o benefício

de dois ágeis e dourados cavalinhos;

cada par com os traços muito finos,

mostrando pelos e cabelos bem dourados,

barba e bigode já nos buços despontados,

muito saudáveis e dotados de apetite

que a comprar aveia e alimento logo incite,

mais alfafa, grandes queijos, muitos vinhos...

As duas mães logo se recuperaram

e Ladislau algumas folhas arrancou;

com a machadinha firme as amassou,

de modo a conformarem duas bolinhas;

tomou seu barco e os ventos o levaram

até um porto distante sete dias;

as bolas de ouro em ourivesarias

vendeu bem fácil, com prejuízo embora,

sem querer muita atenção chamar na hora

de quaisquer gentes um tanto mais mesquinhas...

Disse apenas que na rede as encontrara.

Ninguém creria que no seu jardim

crescesse um lírio de ouro que sem fim

lhe desse folhas, bem melhor calar...

Roupas melhores para si comprara,

do mesmo modo que para sua mulher;

mas de nenê nem três mudas sequer,

que a intuição certeira lhe dizia

que cada um depressa cresceria,

dotado estando de saúde singular...

OS GÊMEOS DE OURO VII

E realmente, apenas com dois anos,

já eram homens robustos, gigantescos,

mas muito belos, sem nada de grotescos

e além disso, muito inteligentes...

Eram os cavalos igualmente soberanos,

de grande porte, como puros-sangues,

capazes de enfrentar montes e mangues,

enquanto o lírio não parava de dar flores

e largas folhas de dourados esplendores,

as suas brotações sempre frequentes...

Seguia Ladislau até portos diferentes,

nos quais vendia as suas flores de ouro;

com pena de amassar esse tesouro,

dizia agora serem parte de um legado;

e foi comprando coisas diferentes:

para os dois gêmeos botas e gibões,

calças de couro de perfeitas confecções,

dois arcabuzes, pois pretendiam caçar,

chapéus de plumas para se enfeitar,

dois cavalheiros de aspecto abastado!...

Tornou-se fácil para eles vender ouro,

de sua aparência ninguém já desconfiava;

aos seus cavalos todo mundo admirava

e Ladislau já não tinha mais cuidados...

Os dois rapazes, mesmo com o tesouro,

pelas florestas se tornaram caçadores:

Eram Henryk e Braunyk, dois senhores,

que inspiravam respeito na aparência

e se portavam com grande competência,

em toda parte mostrando-se educados...

Chegou um dia em que disseram para os pais

que desejavam sair a correr mundo,

não conseguiam continuar mais um segundo

nesse ambiente que restringia a praia amiga;

os pais acharam seus desejos naturais,

mas expressaram grande preocupação,

pois ficariam sem notícias de ocasião...

Mas Henryk lhes explicou, naturalmente:

“Esses dois lírios estão ligados com a gente

pelo mesmo metal de forma antiga...”

OS GÊMEOS DE OURO VIII

“A haste da esquerda representará Braunyk

e a da direita a mim; e logo murcharão

caso adoeçamos; e até mesmo secarão

se por má sorte, algum de nós morrer...”

Na partida, o pescador deu a Henryk

a sua velha e afiada machadinha,

como sinal do amor que a eles tinha...

Abraçados os pais, se despediram,

montaram nos cavalos e partiram,

com folhas de ouro seus bolsos a encher...

Apenas cavalgaram por um mês,

mas logo estavam em um lugar deserto;

desentocaram uma lebre, ali por perto,

para matá-la apontando os arcabuzes.

Ardente súplica, porém, a lebre fez:

“Não me matem, tenho doze filhotinhos;

Darei dois a vocês, os mais gordinhos...”

Tiveram pena dela os caçadores,

mas acharam as lebrezinhas dois amores,

nos olhos de rubi brilhando luzes...

Logo a seguir, encontraram uma raposa,

mas no momento em que iam atirar,

o animal se pôs depressa a suplicar:

“De minhas crias, por favor, tenham piedade!

Em recompensa por ação tão generosa,

eu lhes darei os dois mais belos dos filhotes!...”

Os dois rapazes aceitaram, sem fricotes,

mas quando viram as duas raposinhas,

acharam ambas muito bonitinhas:

matar para comer, pura maldade!...

Deste modo, quando uma loba eles acharam

a sua vida pouparam igualmente

e dois lobinhos ganharam prontamente,

que lhes servissem como recompensa.

E o mesmo aconteceu quando encontraram

uma ursa e, mais adiante, uma leoa,

estavam magras e não eram caça boa,

mas tinham dez bocas para alimentar...

Logo um veado acabaram por caçar,

que não falava e não lhe fez qualquer ofensa...

OS GÊMEOS DE OURO IX

Mas algum tempo passado, concluíram

que o seu grupo era muito numeroso

e que, por mais que lhes fosse doloroso,

obrigados seriam a separar-se;

Depressa os doze irmãos se despediram,

Henryk com uma lebre e um lobinho,

uma raposa, um urso e um leãozinho,

Braunyk pelos demais acompanhado,

mas antes de irem cada um para o seu lado,

da mútua situação desejavam informar-se.

E numa árvore, junto à encruzilhada,

cravaram de seu pai a machadinha,

como sinal da situação que cada um tinha,

plena saúde ou a sofrer qualquer doença.

“A nossa vida será aqui espelhada:

enquanto a lâmina brilhante continuar,

nossa saúde estará a assegurar,

mas no momento em que se mostrar enferrujada,

nossa saúde estará prejudicada

por ferimento, moléstia, ou outra ofensa.”

“De vez em quando, viremos conferir!...”

E cada um montou no seu cavalo,

o bando de animais a acompanhá-lo,

seguindo cada qual o seu caminho,

o seu destino buscando assim cumprir...

Levou a estrada Henryk a certa terra,

que parecia sob impacto de uma guerra;

todos choravam, porém a informação

que um passante lhe deu, com emoção,

revelava um evento mais mesquinho...

“Todos amamos a filha única do rei,

mas nossa terra é assolada por dragão

que uma vez por mês, sem compaixão,

de uma donzela exige o sacrifício...

O Conselho Real votou então a lei:

o monstro escolhe a jovem que ele quis

entre as mais belas moças do país;

ele as devora, vomitando os ossos

de sua boca, formando largos fossos:

deita-se neles, por terrível vício!...”

OS GÊMEOS DE OURO X

“Pois desta feita, ele escolheu a princesa,

que lhe será entregue esta manhã;

daí nossa tristeza e nosso afã,

igual que as outras, será a pobre devorada!

Cem cavaleiros já se aprestaram em defesa,

mas foram mortos, por sua fúria derrubados;

sete cabeças em seus pescoços alongados

vomitam fogo e ninguém lhe pode resistir:

cada cabeça torna a ressurgir,

logo depois de ter sido cortada!...”

“O rei jurou dar a mão da princesa

e após sua morte, do trono a sucessão

a quem quer que trucidar esse dragão,

como prova de nobreza e valentia!...”

indagou Henryk, até ter plena certeza

em que lugar encontraria o adversário;

e porque o considerasse um temerário,

o campônio lhe explicou: seu arcabuz

seria o mesmo que lutar com braços nus,

pois a chama do dragão o derreteria!

Mas lhe explicou com exatidão o lugar certo.

Havia uma capela cortada na montanha,

negro de fogo o solo; e acharia tamanha

pilha de ossos que seu cavalo fugiria...

De longe Henryk viu a capela; e ao chegar perto,

viu os montes de ossos calcinados,

contra os caminhos desertos, negregados

na ação do fogo já expelido anteriormente

pelo dragão, com seu jato incandescente...

mas nenhum de seus bichos fugiria...

Chegou à capela, que estava consagrada

à memória das cem jovens devoradas

e cem guerreiros de armaduras calcinadas;

e entrou para rezar, com reverência.

Diante do altar, viu espada cimentada

e sobre ele, de esmeralda um graal,

cheio de um líquido de cor espiritual

e um dístico indicando que essa espada

só poderia ser por homem levantada

que o líquido bebesse em sua potência.

OS GÊMEOS DE OURO XI

Henryk encheu a alma de coragem,

foi ao altar, ergueu nas mãos o graal,

bebeu o líquido e um vigor inatural

no mesmo instante percorreu-lhe o corpo inteiro!

Ergueu a espada, leve como uma miragem

e saiu para o ar livre, bem na hora

em que uma procissão trazia uma senhora

muito bonita, que julgou ser a princesa;

escondeu-se entre as rochas, com certeza,

entre o silêncio de cada companheiro.

Despediram-se, chorando, da princesa

e numa argola da parede a acorrentaram,

foram embora e a infeliz deixaram,

completamente só e abandonada,

Porém Henryk apresentou-se com firmeza:

“Senhora minha, vou matar esse dragão!”

“Olhe as armas derretidas que aí estão!

Será inútil vir morrer junto comigo!”

“Minha princesa, vou salvá-la do perigo!”

“Cavaleiro, deixe-me só com minha tristeza!”

Nesse momento, com o rugido mais terrível,

De uma caverna, apareceu o dragão:

“Chegou a hora de minha refeição!...”

Então pousou um olhar malevolente

sobre Henryk, soltando riso desprezível:

“Ora, mais um que terei de descascar!

Vá embora, o meu prazer é devorar

Tão somente a carne das donzelas!...

Carne de homem só me faz mazelas,

é muito dura e de sabor adstringente!”

Porém Henryk grande firmeza demonstrou

e ergueu no ar a sua longa espada;

soltou o dragão de fogo baforada;

o líquido mágico, porém, o protegeu

e o fogo nem sequer o chamuscou!...

Mas precisou combater durante horas:

cresciam as cabeças cortadas sem demoras,

até mandar que abocanhassem os animais

cada pescoço com suas presas naturais,

a devorar cada ponta que brotou!...

OS GÊMEOS DE OURO XII

E finalmente, cortou mais duas cabeças,

deixando o monstro estirado pelo chão;

viu a princesa a morte do dragão,

quase sem acreditar no que assistia;

dividiu o seu colar em cinco peças,

que prendeu ao pescoço dos animais,

após Henryk, com golpes triunfais,

rebentar a corrente e o seu cadeado;

lançou-se aos braços do cavaleiro ousado,

com o qual muito em breve casaria...

Henryk ergueu as cabeças do dragão,

mas descobriu que pesavam demasiado;

e após as sete línguas ter cortado,

as enrolou num lenço da princesa...

Mas depois, ele estirou-se sobre o chão

Pois o combate o deixara extenuado

e a princesa deitou-se do seu lado;

então ele falou: “Caro Leão,

permanece acordado, bravo irmão;

qualquer perigo, me desperte, com certeza...”

Mas o Leão também ficara bem cansado

e disse ao Urso que assumisse o posto,

que disse ao Lobo, com lágrimas no rosto:

“Irmão Lobo, já não me aguento mais!

Toma conta de nosso amo, com cuidado...

Meus olhos fecham, tenho de dormir...”

Mas disse o Lobo para a Raposa o substituir...

Chamou a Raposa à Lebre e insistiu:

“Cuida de nosso amo que dormiu.

Irmã Lebre, não vás dormir jamais!...

Porém a Lebre, que era a mais fraquinha,

resistir não conseguiu e adormeceu...

E o Marechal do Reino apareceu,

que havia entre as rochas se escondido...

Pé ante pé, o malvado se avizinha,

corta o pescoço do pobre caçador,

ergue do chão a princesa, com vigor:

“Tu vais dizer que eu matei o dragão!,

caso contrário, te arranco o coração!...”

E a forçou a um juramento proferido!...

OS GÊMEOS DE OURO XIII

Então, vendo as cabeças do dragão,

colocou-as nos alforjes da montada;

pôs a moça na garupa e, em disparada

saiu depressa dali, nesse momento!...

“Seu cavaleiro está morto aí no chão,

Será comigo que se desposará!...

Jure de novo que não me denunciará,

por tudo que é sagrado neste instante!”

E a princesa, com medo delirante,

comprometeu-se por firme juramento!

Horas depois, abriu os olhos o Leão

e todos viu adormecidos ao redor;

porém ao observar o seu senhor,

percebeu que ele fora assassinado!

Foi sacudir o Urso, com paixão:

“Mas não te disse que ficasses de vigia?

Por teu descaso nosso senhor morria!”

Ao Lobo o Urso acordou com pontapé:

“Sentinela infiel, pela minha fé,

morres agora, mau vigia desonrado!”

Confuso, o Lobo foi acordar a Raposa:

“Eu não te disse para vigiar em meu lugar?

Por que deixaste a nosso amo assassinar?”

Tonta de sono, a Raposa reagiu:

“Lebre, Lebre, por que foste preguiçosa?

Por tua falta, morreu nosso patrão!

Com minhas garras, eu te arranco o coração!”

Mas disse o Lobo: “Deixei a ti como vigia!”

Disse-lhe o Urso: “Que vigiavas, eu bem cria!”

“Confiei em ti, ó Urso!” – o Leão rugiu.

“Mas foi o Lobo que não me acordou!”

“E a mim deixou dormir essa Raposa!”

“É tudo culpa dessa Lebre preguiçosa!

Não me acordou, deve pagar com a vida!...”

Porém a Lebre a Henryk examinou:

“Há esperança, não está morto totalmente;

uma erva eu conheço, bem potente,

que vou buscar na falda da montanha!...”

“Isso é desculpa, para fugir à sanha

de minha vingança muito merecida!...”

OS GÊMEOS DE OURO XIV

“Não é nada disso, quero salvar o amo!”

“Pois eu te acompanharei!” – disse a Raposa.

“E eu vou contigo, que és muito astuciosa,”

disse o Lobo, suas presas lhe mostrando.

“Vamos depressa, a cavalo e sem engano!

Fiquem aqui,” disse ao Urso e ao Leão,

“Vocês são lentos demais para a ocasião!”

Mas a Lebre demonstrou ter muita sorte;

achou a erva que venceria a morte

do caçador, logo o ressuscitando!...

O Urso agarrou-lhe a cabeça, firmemente,

enquanto o corpo o Leão firme encostava

e o pescoço no corte se encaixava,

a Lebre a erva entrementes esfregando,

pondo a polpa em sua boca, inteiramente.

Henryk se mexeu, deu um suspiro,

virou a cabeça facilmente, dando um giro,

depois sentou-se, pensando ter dormido,

mas o Cavalo lhe contou o acontecido

e o melhor modo de agir foi planejando.

À capital do reino foi depressa,

ali perto escondendo os animais;

em andamento, viu festejos triunfais

e soube ser o grande casamento

da princesa e o Marechal, que ninguém cessa

de louvar pela matança do dragão!...

Numa estalagem, apostou comer o pão

que serviriam na mesa de seu rei.

“Pois cem zlotys de ouro apostarei

que não consegue realizar esse portento!”

Henryk tirou do alforje folhas de ouro,

com testemunhas a aposta confirmou.

Facilmente aos guardas enganou,

a Lebre, que chegou até a princesa,

que a reconheceu: “Lebrinha, meu tesouro!

O que queres de mim, neste momento?”

“Só quero o pão do rei. Por um portento,

salvamos a vida do nosso senhor amado!”

O Marechal ficou muito perturbado

mas à Lebre deram um pão de sobre a mesa!...

OS GÊMEOS DE OURO XV

A lebrezinha voltou à estalagem

e entregou o pão ao seu senhor;

examinaram, sem ver dúvida maior:

trazia na casca até o brasão real!...

O estalajadeiro pagou, de má visagem,

mas Henryk lhe propôs segunda aposta:

“Caro amigo, se você não se desgosta,

garanto que também consigo o assado

que foi para o matrimônio preparado...

Mais cem zlotys jogaremos, afinal!...”

Com os clientes olhando, o estalajadeiro

aceitou logo a seguir essa proposta,

na esperança de ganhar a segunda aposta...

Henryk então assobiou para a Raposa.

O animal saiu correndo bem ligeiro,

fugiu dos cães e chegou até a princesa,

que lhe deu uma travessa de sua mesa!

Ela voltou veloz e a entregou ao caçador...

O estalajadeiro se mostrou mau perdedor,

propondo aposta nova e vigorosa...

“Jogo duzentos zlotys desta vez:

duvido que consiga ainda a salada!...”

saiu o Lobo, após a aposta confirmada

e facilmente chegou até o salão,

deixando o Marechal de feia tez,

sem se atrever a contrariar a princesa,

que alcançou outra travessa de sua mesa.

O Lobo retornou, em disparada

e nova aposta assim foi conquistada,

o taverneiro tomado de emoção...

Então propôs quatrocentos zlotys, novamente,

como Henryk não conseguia a sobremesa...

O caçador chamou o Urso, em ligeireza,

que sem problemas marchou até o castelo...

O Marechal quis protestar, mas firmemente

a Princesa o proibiu e o Urso falou:

“A sobremesa buscar é que mandou

o meu amo, do dragão o vencedor!...”

Deu-lhe a Princesa das tortas a maior

e saiu andando de pé o Urso belo!...

OS GÊMEOS DE OURO XVI

Mais uma vez, o taverneiro dobrou a aposta,

que Henryk jamais obteria o vinho!...

Partiu o Leão, todos fugindo no caminho

e também se apresentou ante a Princesa!...

De novo a ela o pedido não desgosta:

mandou pôr seis garrafas numa cesta;

prendeu-a na boca o Leão e saiu da festa.

A esta altura, estava o rei bem desconfiado,

querendo tudo ver bem explicado:

“Só o dono deles pode explicar a Vossa Alteza!”

“Sela minha boca um triste juramento,

que fiz somente para salvar minha vida...”

Porém ao ver sua fisionomia confundida,

quis o rei ao Marechal interrogar...

Mandou buscar o caçador neste momento,

por uma escolta e ótima carruagem;

com os cinco animais fez a passagem,

mostrando ao rei o lenço da princesa,

cinco colares em cada goela presa...

E ao Marechal mandou o rei enforcar!...

Disse a princesa: “Ele me fez jurar

que não o denunciaria ou me matava;

mas não fui eu quem agora o denunciava,

portanto, não quebrei meu juramento...”

Com toda a pompa fez o rei realizar

o matrimônio de Henryk com a princesa.

Logo o rei abdicou, por ter certeza

que alcançaria um excelente sucessor

na pessoa de Henryk, o Caçador,

tornado herdeiro por seu casamento...

Meses depois, Henryk saiu numa caçada,

acompanhado por seus animais,

mais uma escolta dos nobres mais marciais:

era comum um rei caçar para sua mesa.

Depois de muita caça já apanhada,

viu o rei corça branca de relance,

justamente no limiar de seu alcance;

mandou a escolta em retorno ao castelo:

“Quero pegar esse animal tão belo –

minhas cinco feras me protegem, com certeza!

OS GÊMEOS DE OURO XVII

E se embrenhou assim, por entre a mata,

a corça branca a ver sempre à distância,

até que escureceu e a circunstância

o levou a acampar em uma clareira.

Logo a seguir, uma lamúria se desata:

“Ui!... Ui!... Ui!... Eu tenho muito frio!...”

Ergueu o olhar para onde ouvia o pio:

havia uma velha, num galho empoleirada.

“Deixe aquecer-me em sua fogueira, camarada!

Meus velhos ossos não mais suportam tal frieira!”

“Pois então, desça, avozinha,” ele falou.

“Mas essas feras não vão me atacar...?”

“São todas mansas, não há o que recear...”

“Bata nelas, então, com este galhinho...

Terei certeza de que a todas amansou...”

“Eu nunca bato nos meus animais!...”

“Toque de leve, que não sinto medo mais...”

Mas no momento em que os tocou, se converteram

em pedra e nem mais o olhar moveram...

Ficou o rei surpreendido um momentinho...

Mas foi quanto bastou. Ela saltou,

ágil, da árvore e tocou nele igualmente,

convertendo-o em pedra, totalmente

e bem depressa, para o seu covil,

por um encantamento, os transportou.

Em vão o rei na floresta procuraram,

por toda a parte, em lugar algum acharam.

Ficou a rainha em tremendo desespero,

organizando tropas, com esmero,

sem descobrirem da feiticeira o ardil!...

Enquanto isso, o caçador Braunyk

foi tomado de feroz pressentimento

e à encruzilhada dirigiu-se, num momento,

em que haviam cravado a machadinha,

lá percebendo que, do lado de Henryk,

ela já estava quase toda enferrujada.

Com seus próprios animais tomou a estrada

e acabou por atingir a capital

de seu irmão e – como era natural –

foi confundido, pelo parecer que tinha.

OS GÊMEOS DE OURO XVIII

Foi então escoltado à presença da rainha...

Braunyk esperou a sós ficarem

para os dois calmamente se explicarem

e descobriu o que ocorrera com o irmão.

Esclareceu por qual razão que vinha

e nessa noite Braunyk dormiu no chão,

mesmo ficando no quarto de seu irmão,

pois preferiram, por questões de segurança,

para a agitação reinante tornar mansa,

ocultar sua identidade à multidão.

Braunyk conversou com os caçadores:

a corça branca queria capturar,

mas desejava que o fossem acompanhar

até o lugar em que o haviam deixado...

Daí a mais três dias, sem temores,

saíram todos de novo em seu caçar

e Braunyk novamente quis mandar

que toda a caça ao castelo carregassem,

com os animais sozinho ali o deixassem,

pois seguiria seu projeto planejado...

Logo a seguir, apareceu-lhe a veadinha

e se pôs a cavalgar, em seu encalço;

mas embora nunca desse um passo em falso,

não conseguia o animal nunca alcançar.

E ao ver que a escuridão já se avizinha,

igual que o irmão, montou acampamento,

logo um chorinho a escutar de sofrimento:

“Ui!... Ui!... Ui!... Eu tenho muito frio!...”

“Desça logo daí!...” – interpelou, com brio.

Fingiu a velha, novamente, se assustar.

“Primeiro bata nos seus bichos com a varinha!”

“Não bato neles!... Desça já, ou atiro!”

Mas ela riu. “Você pensa que eu me firo...?”

Então uma carga de chumbo disparou

e ela fez troça: “Ninguém mata esta velhinha!”

Ele arrancou do gibão um botão de ferro,

pôs no arcabuz e a derrubou, com um berro:

somente a chumbo resiste a feiticeira...

E a ameaçou queimar numa fogueira!...

Foi só então que a mulher se acovardou...

OS GÊMEOS DE OURO XIX

E o conduziu, mancando, até a caverna,

onde as vítimas, uma a uma, desencantou;

logo Henryk, facilmente, despertou

e a bruxa eles queimaram na fogueira!...

A única forma de lhe darem morte eterna.

Muito felizes, se abraçaram os irmãos,

e os animais das cinco gerações.

Durante a noite, a dormir no acampamento,

disse Braunyk ter um pressentimento

que a corça branca era dama estrangeira.

Mas decidiram deixar para depois

e ao castelo retornar, com brincadeira,

cada um com sua imagem verdadeira,

só para ver se o rei conheceriam...

De fato, além de idênticos os dois,

usavam roupas totalmente iguais,

cada um tendo os mesmos animais

e um entrou pelos fundos do castelo,

chegando o outro pelo portão mais belo,

julgando que todos se confundiriam...

Realmente, houve terrível confusão:

ninguém sabia qual dos dois o rei seria,

pensando mesmo em artes de magia:

ante a rainha, lado a lado, se mostraram...

Mas ela, simplesmente, estende a mão

e chama a si um grupo de animais,

que trazia no pescoço os seus corais

e logo diz, sorrindo, para os dois:

“Henryk é este aqui. Chegou depois

seu irmão gêmeo.” E então todos se abraçaram.

Reinou Henryk, feliz, com sua rainha;

a mata escura se tornou iluminada,

depois que a feiticeira foi queimada

e os dois tiveram muitos lindos filhos.

Ficou Braunyk com eles, porém tinha

outra missão em sua sina assegurada:

a corça branca a ser desencantada;

logo partiu, em prol de seu destino,

determinado desde os tempos de menino,

a perseguir seus próprios longos trilhos.

EPÍLOGO

Henryk e sua rainha tiveram longa vida;

a aposta do estalajadeiro foi perdoada;

também mandaram buscar o pescador,

que trouxe a esposa e a flor bem protegida...

Não sei dizer se a corça branca foi achada,

mas Braunyk a perseguiu, com grande ardor;

teve aventuras e se cobriu de glória,

mas tudo isso já faz parte de outra história...