A VARINHA DE CONDÃO
A VARINHA DE CONDÃO
(Folclore polonês, versão poética William Lagos, 3/12/13)
A VARINHA DE CONDÃO I
Existia na Polônia um forte lenhador,
que cortava habilmente muita lenha
e assim vivia sempre atarefado,
nas imensas florestas polonesas;
a cuidar delas também qual protetor,
buscando árvores mortas, sem que tenha
de as vivas abater, num descampado,
conservando as saudáveis, com certeza!
Sempre fora bem fácil encontrar
os galhos secos, já meio carcomidos,
a árvore inteira a balançar levando,
ou qualquer outra por raio já abatida.
Era nessas que se punha a trabalhar,
laçando os ramos quebrados e perdidos,
fazendo lenha seca e a carregando:
dá mau fogo a lenha verde e má comida!
Wenceslau se chamava o lenhador,
que diariamente partia para a mata,
toros trazendo de volta para casa,
que sobre um cepo em achas transformava.
E prosseguia, no frio ou no calor,
nessa tarefa que as costas desacata,
mas que no inverno todo o fogo embasa
e o alimento que nas casas cozinhava.
Pelo verão, a lenha acumulava,
em grandes pilhas, ao redor de sua choupana;
de madeira bem menor a necessidade
porque as pessoas iam catar gravetos,
ou a palha que dos trigais restava;
mas na Polônia o inverno é coisa insana
e ele a vendia, em grande quantidade,
comprando roupas e outros objetos.
A VARINHA DE CONDÃO II
Vivia até bem o pobre Wenceslau:
colocava pelas matas armadilhas
ou nos rios um bom salmão pescava.
Com as peles fabricava cobertores
ou roupas grossas para o tempo mau
sua esposa Marfa, ajudada pelas filhas
e uma horta também ela plantava,
com bons legumes de todos os sabores.
Ainda mais pobre era o povo da aldeiazinha
e assim bem pouco dinheiro recebia;
em geral, por outros gêneros trocava
sua lenha seca empilhada no quintal.
Mas do Conde o Intendente sempre vinha
buscar cargas de lenha, que dizia
serem o tributo que se lhe destinava,
pois era o dono dessas terras, afinal!...
Ou seja, nada pagava o Intendente,
porque a floresta pertencia ao Conde!
Mas na exigência tampouco exagerava,
a lhe cobrar apenas o razoável...
E Wenceslau se dava por contente:
se o mandassem embora, para aonde
iria ele, com a família que aumentava?
Pagar tributo, afinal, era aceitável!...
Quando a choupana precisava de consertos
ou quando o número dos filhos aumentava,
ele empregava parte da madeira;
usavam musgo para os travesseiros,
trançavam juncos para fazer leitos
e até tamancos ele também afeiçoava,
com o cerne de carvalho ou cerejeira
e os cabos de machado dos amieiros...
A VARINHA DE CONDÃO III
Chegou um ano em que exército acampou,
Com hussardos, zuavos e granadeiros...
Para as fogueiras, toda a lenha seca
por muitas milhas ao redor juntaram.
Pior ainda, a soldadesca então caçou
todo animal da mata e os galinheiros
esvaziaram também, que a guerra peca
por toda a espoliação que executaram...
Logo depois que levantaram acampamento,
indo lutar só Deus sabe em que guerra,
pois dezenas na Polônia se travaram,
apresentou-se na choupana o Intendente,
com exigência de singular momento:
haviam os soldados assolado toda a terra
e do castelo do Conde ainda levaram
toda a lenha armazenada por sua gente.
E assim tomaram do pobre lenhador
até a última acha reservada
para o próprio fogão de sua mulher
e de nada adiantaria protestar...
Marfa, depressa, lhe disse com rancor:
“Vá cortar lenha, Wenceslau, ou nada
em nossa casa se poderá comer!...”
Que mais podia fazer que concordar?
Ao ombro colocou o seu machado
e saiu a procurar tronco caído
ou algum galho verde despregado,
sem nada achar, porque a soldadesca
tudo levara, sem o menor cuidado,
qualquer graveto do solo recolhido,
todo o musgo das ramas arrancado,
contaminando até o riacho para a pesca!
A VARINHA DE CONDÃO IV
Depois de muito procurar, cansado,
Wenceslau, a contragosto, decidiu
que teria de abater árvore viva...
Ficou andando um pouco, a escolher:
para uma bétula ergueu o seu machado,
mas para seu espanto, então ouviu:
“Não me mates! Minha seiva é muito ativa!
Sou forte e jovem demais para morrer!”
“Há muitas árvores velhas na floresta!
Seu tronco oco, carunchado e carcomido...
Tenho sementes demais para plantar,
a muitos bichos alimento eu dou,
pelos meus ramos fazem ninho e festa...
Deixa-me viver!...” Bem surpreendido,
Wenceslau resolveu que a iria poupar
e para uma outra árvore se adiantou...
Escolheu então velho carvalho,
mas no momento em que brandiu o machado,
com voz bem rouca, a árvore falou:
“Não me mates! Sou ainda são e forte,
mais de uma vez já me podaste um galho,
com minhas algarrobas muitos tenho alimentado,
para esquilos e morcegos abrigo eu dou,
sem o meu oco encontrarão a morte!...”
Wenceslau bem depressa se apiedou
e caminhou um pouco mais adiante,
o machado levantando para um freixo,
que, de imediato, começou a suplicar:
“Não me mates, bom homem!” – lhe falou.
“Ontem casei-me, foi o carvalho celebrante!
A minha esposa como viúva deixo
antes que o pólen a possa fecundar!...”
A VARINHA DE CONDÃO V
Wenceslau sentiu dor no coração:
sempre tivera pelas árvores amizade,
mas uma agora precisava de cortar!
Para um sicômoro então se dirigiu...
“Não me mates!” – suplicou-lhe, com paixão
o cinamomo, ansiando por piedade.
“A meu redor estão cem filhos a brotar,
sem minha sombra morrerão ao sol do estio!”
Wenceslau não resistiu à compaixão,
encaminhando-se até um álamo velho,
rachado o tronco e de lagartas cheio...
Mas também este encontrou sua voz:
“Não me mates! Ainda que velho, em mim estão
milhares de criaturas, como um espelho
a refletir o sol... Posso estar feio,
porém minha linfa as alimenta como foz!...”
Teve pena o lenhador e foi a uma faia,
mas também esta, com súplica, implorou:
“A minha vida é de árvore sagrada,
o murmúrio de minhas folhas doce canto:
se aqui chegou de malvados qualquer laia,
o meu sussurro seus pecados suplantou...
Não me mates! Minha sombra é encantada
e faz passar toda a tristeza e pranto!...”
De novo, teve pena o lenhador...
Mas a próxima árvore, eu cortarei!
Já está a manhã pela metade,
Precisa Marfa de acender o seu fogão...
Meus ouvidos fecharei, sem mais amor!
Se não o fizer, em minha casa o que direi?
E aproximou-se de um lariço, com vontade
de derrubar aquele tronco até o chão...
A VARINHA DE CONDÃO VI
Mas o lariço igualmente suplicou:
“Não me mates só por ser árvore feia,
pois meus galhos amam muito o rouxinol,
a toutinegra e o gaio e fazem ninhos!
Se me cortares, cada ave que gorjeou
irá embora que a floresta hoje permeia...
Será assombrada sem o chilreio do arrebol,
só as corujas a piar entre os espinhos!...”
Wenceslau chegou então ao pé de um choupo,
o tronco torto e sem galhos, esguelhado:
Este ao menos, não pode fazer falta!
E seu machado ergueu, bem decidido!...
Mas a árvore entoou lamento rouco:
“Não me mates! Olha acima, com cuidado!
Cobrem meus ramos as flores, grande malta,
Logo mil bagas terei no alto produzido...”
“Sobre mim se alimentam passarinhos!...
Se eu morrer, hão de morrer também!
Queres ter tantas mortes na consciência?”
Mais uma vez, Wenceslau baixou o machado
e foi adiante: Há resina em pinheirinhos,
será fácil fazer fogo... Quando escolheu, porém,
falou-lhe a árvore, com grande veemência:
“Não me mates!... Logo vem tempo gelado...”
“Somente eu conservo verdes ramas
o inverno inteiro: sou a árvore do Natal!
Sob meus galhos se abrigam viajantes,
quando todas as demais estão desnudas!
Com minhas agulhas fazem as suas camas
e o frio da neve não lhes pode fazer mal!...
Pensa bem como somos importantes...
Bem ao contrário, de nós devias plantar mudas!...”
A VARINHA DE CONDÃO VII
Wenceslau pôs-se em busca de um abeto,
mas este lhe falou: “Mostra piedade!
Como o pinheiro, guardo minha vestimenta
durante o inverno... Mas no tempo do verão
a minha galhação mais eu completo;
a melhor sombra forneço, na verdade!...
à minha utilidade então atenta:
será um crime se não tiveres compaixão!...”
Completamente desnorteado o lenhador,
mais uma vez à súplica atendeu;
só o cipreste a única árvore restante;
a cortar um seria então obrigado...
Mas a árvore pediu-lhe, com pavor:
“Não me cortes. Minha folhagem forneceu
remédios tanta vez, sempre constante,
quando doenças chegaram a teu lado...”
“És lenhador, sabes perfeitamente
o poder curador de minhas raízes,
das bagas, da resina, até das hastes:
noventa e nove doenças eu combato!...”
E Wenceslau o escutou, pacientemente;
nunca passara por semelhantes crises...
Machado amigo, melhor delas te afastes!
Pois falam como gente, estranho fato!...
Sentou-se, então, na relva de clareira,
até os tocos antigos arrancados...
Que vou fazer ante as lamentações?
Eu tenho pena das árvores frondosas...
Nunca as cortei, isso é coisa certeira,
só podei galhos já meio derribados...
Mas essa tropa realizou devastações,
nada mais resta que essas plantas poderosas...
A VARINHA DE CONDÃO VIII
E enquanto se perdia em reflexões,
um estranho velho viu se aproximar,
por entre as árvores, com longa barba branca,
vestido o corpo pequeno e atarracado
com camisa feita de bétula e calções
de casca de vidoeiro e a se apoiar
numa vara de zimbro, a perna manca,
dois tamancos de carvalho o seu calçado...
O velho chegou perto e lhe indagou:
“Por que pareces assim desconsolado?”
Wenceslau o encarou, em sua tristeza:
“E poderia de outro modo me sentir?
O exército toda a lenha carregou,
o meu depósito para o Conde foi levado;
não achei sequer gravetos... Com certeza,
alguma vida precisava destruir...”
“Mas abater a estas árvores falantes
eu não consigo, falta-me coragem...
Só que em casa, nem sobrou para o fogão,
a minha esposa e meus filhos sentem fome...”
Fitou-o o velho como ninguém o olhara antes.
“Respeito muito que não pensaste ser miragem
a voz destes meus filhos que aqui estão,
que a qualquer outro a ambição consome...”
“Saibas, portanto: sou o pai desta floresta
e de meus filhos a vida preservaste;
tua alma é boa e a vou recompensar:
de lenha alguma terás falta doravante,
nem para o necessário ou para festa;
de minha mata os tesouros conquistaste;
uma varinha de condão ir-te-ei dar,
que teus desejos satisfará, constante.”
A VARINHA DE CONDÃO IX
“Mas sempre peças apenas o normal
e nem tua esposa e nem teus filhos exagerem:
se alguma coisa absurda um dia pedirem,
resultará somente em sua desgraça!...
Se uma nova casa quiseres, afinal,
leva a vara a um formigueiro: ao aparecerem,
faz com que escutem os teus lábios repetirem
o teu desejo e então verás que assim se faça!...”
“Para comer, toca com a vara nas panelas;
para doces, te darão mel as abelhas;
dar-te-á o bordo todo o leite necessário
e o salgueiro te trará o condimento;
encontrarás carne e peixe em tuas tigelas,
as aranhas trocarão tuas roupas velhas
por roupas novas que encontrarás no armário:
basta pedir e terás todo o provimento.”
“Mas não te deves fiar só no condão,
pois tua lenha cortarás para a lareira
dos toros que encontrares no quintal:
madeira seca, que morreu naturalmente;
e uma horta manterás todo o verão;
plantarás trigo com o auxílio da toupeira,
que abrirá sulcos de modo natural
e minha floresta limparás constantemente.”
“Pois sempre foste bom trabalhador
e não é boa qualquer ociosidade;
também teus filhos devem trabalhar,
caso contrário, se corromperão!...
Toma esta vara, bravo lenhador!
que a mereceste, ao demonstrar bondade
para meus filhos que ouviste suplicar:
saúde e sorte não te abandonarão!...”
A VARINHA DE CONDÃO X
Wenceslau então lembrou-se de se erguer;
tomou a varinha e agradeceu profusamente;
e logo o velho, com um sorriso, despediu-se,
desaparecendo, a seguir, em pleno ar...
O lenhador, ainda sem se convencer,
mexeu a varinha, de forma reverente:
“Quero uma botija de água” – referiu-se.
Viu a seus pés uma botija a rebrilhar!...
Bebeu a água e se dessedentou;
ao cinto pendurou-a com um cordão
e convencido, retornou para seu lar;
no alto o Sol já indicava o meio-dia...
Pouco depois, a Marfa ele encontrou,
com impaciência, junto a seu portão,
que de imediato, se pôs a gritar,
vendo que lenha alguma ele trazia!
“De mãos vazias? Mas onde está a lenha?”
“Lá na floresta... Tem de crescer ainda...”
Marfa ficou completamente furibunda:
“Desgraçado! Só queria cem gravetos
e quantos ramos de plátano ali tenha
para te dar uma sova, que é bem vinda,
nessas tuas costas!” – disse em rancor profundo,
“Acompanhada de cem ferrões de insetos!”
O lenhador respondeu-lhe, calmamente:
“Que esse desejo recaia sobre ti!...”
Enquanto sacudia a sua varinha...
E a mulher logo a seguir pôs-se a gritar,
como sofrendo vergastadas realmente:
“Mas quem me bate? Quem chegou aqui?”
Após alguns minutos dessa rinha,
moveu a varinha, para a sova terminar...
A VARINHA DE CONDÃO XI
Louco de pena, mandou a mulher ao leito:
“Deixa que hoje farei eu a comida!”
Ficou sozinho dentro da cozinha
e tocou com a varinha nas panelas:
logo alimento do tipo mais perfeito
estava pronto, sem a menor lida...
A criançada à mesa logo vinha...
“Mamãe está doente...” disse a elas.
E lhes serviu saborosa refeição...
Elas comeram e até pediram mais:
“A sua comida, papai, é muito boa!...”
“Fico contente que vocês gostaram...”
Passou a usar a sua varinha de condão
para o que precisasse, sem pedir demais;
já no outro dia a um formigueiro voa,
pedindo casa nova e as formigas o escutaram...
A casa estava imensa, no outro dia:
paredes sólidas, com muito bom telhado...
E continuou a pedir só o necessário,
sem revelar a ninguém o seu segredo;
à sua esposa a curiosidade ainda mordia;
se incomodava, um castigo era aplicado,
sem ser demais... E o tratamento vário
fez que ao marido acabasse tendo medo...
Já as crianças achavam natural
que tantas coisas surgissem por magia;
até o caminho de sua casa ao Intendente
ficou fechado e totalmente obstruído...
Não precisava de nada material,
mas em grande carroção ainda ia
distribuir lenha para aquela boa gente,
nada de estranho sendo percebido...
A VARINHA DE CONDÃO XII
Quando o tempo chegou dos casamentos,
foram as festas sempre na cidade,
filhos e filhas bem encaminhados,
ficando em casa apenas o mais velho.
Passado o tempo, ensinou-lhe quais portentos
poderia ele pedir, sem gravidade,
a ninguém mais os segredos revelados,
seu filho a imitá-lo, igual que espelho.
Marfa morreu e mais adiante, Wenceslau,
de morte natural e em boa velhice;
seu filho Ignaszio seguiu o seu caminho,
sem que nada chegasse a lhe faltar...
Muito depois, morreu... e ocorreu algo de mau:
Jan, filho de Ignaszio, por tolice,
acostumado a ganhar tudo prontinho,
desejo estúpido decidiu manifestar...
Ainda não casara... e um triste dia,
já esquecidas as recomendações,
sentindo frio, por ser um longo inverno,
a varinha a sacudir, mostrou desejo
de que o Sol, que lá no alto via,
chegasse perto, sem maiores precauções,
e o aquecesse com seu raio terno...
E a varinha obedeceu-o nesse ensejo!...
Queimou-se a casa e também o campo inteiro;
morreu o jovem, transformado num carvão
e até a floresta, num incêndio, consumiu-se!...
Passados meses, houve nova brotação,
cada árvore a reerguer-se, bem ligeiro,
mas com grande temor no coração;
e nunca mais falaram, por sumiu-se
a sua confiança em toda a humana geração!
EPÍLOGO
Não que ficassem totalmente mudas
para quem sabe as folhas escutar,
umas com as outras a se comunicar,
mas com os humanos sem nunca conversar...
E no negror das paredes já desnudas,
o Pai da Mata veio a procurar,
até a varinha de condão achar,
limpando o tisne que ficara, a suspirar...
A recompensa ele dera ao lenhador,
que por seu bom coração a merecera
e a conservara durante toda a vida...
Mas é tão curta a vida dos humanos!
A varinha sacudiu, com grande amor
e a casa e o terreno em que crescera,
a seu desejo de imediato a dar guarida,
deram lugar a cem troncos soberanos!...