A PRINCESA E O BOTICÁRIO

A PRINCESA E O BOTICÁRIO

(Conto original de Antonio Barata,

versão poética de William Lagos, 22/11/13).

A PRINCESA E O BOTICÁRIO I

Antigamente, era costume nas boticas,

nome que então as farmácias recebiam,

nos velhos tempos que agora já lá vão,

colocar nas prateleiras

ou nas vitrinas, se eram lojas ricas,

botijões cujas cores reluziam

ou, algumas vezes, em cima do balcão.

Esses bujões, os havia em várias cores,

de vários litros e de vidro grosso,

eram azuis, amarelos ou vermelhos,

cheios de preparados,

destinados a curar doença e dores,

a aliviar o comer demais no almoço

e a curar as mazelas dos mais velhos...

Algumas vezes, serviam só de enfeite,

água fervida com algum corante,

ali dispostos para chamar atenção

de nova freguesia,

para o olhar trazendo algum deleite,

para a imaginação algo intrigante,

qualquer suspeita para o coração...

Em certos casos, até os empregavam

como parte de qualquer confecção,

quando continham Azul de Metileno

ou Azul de Mytilene,

como as pessoas educadas pronunciavam,

pensando ser referência de ocasião

à grande ilha do Egeu, o mar heleno...

A PRINCESA E O BOTICÁRIO II

De fato, usavam para passar na boca

ou pelos lábios, para curar feridas,

às vezes tendo até bom resultado,

embora temporário,

que a bactéria sob a derme entoca

e após serem as pinceladas removidas,

retornavam a requerer novo cuidado

O amarelo chamavam de Colubiazol

e o empregavam nos males da garganta,

tinha até um saborzinho adocicado...

Para iludir criança,

diziam ser as lágrimas do Sol

e ajudar qualquer pessoa que descanta

no coral da catedral ou ao namorado...

Era Mercúrio-Cromo esse vermelho,

que pincelavam para curar feridas,

manchas de sangue o sangue a ocultar

ou então carinhas

que a criança podia ver no espelho

e que lhe pareciam divertidas,

se nas bochechas alguém fosse lhas pintar.

Ficavam os botijões empoeirados,

em altas prateleiras para usar,

quando deles precisassem o boticário,

ou seja, o farmacêutico.

Mas por que eram nas vitrinas exibidos,

em que o sol poderia desvirtuar

o seu efeito pelo refletir diário...?

A PRINCESA E O BOTICÁRIO III

Poucos conhecem a origem verdadeira

desse costume dos vidros colocar

em que os fosse olhar qualquer passante

ou nem dar bola...

A história dizem que ocorreu, primeira,

há muitos anos, nas terras de além-mar,

em reino antigo, talvez pouco interessante...

Poucos ouviram falar mesmo de Navarra,

que então ficava entre Espanha e França,

que chamam Terras Vascas hoje em dia,

ou então, Províncias Bascas;

a Gasconha sobre a França ainda esbarra,

Álava, Guipuzcoa e Santander alcança

o território espanhol que as abrangia...

Existe ainda nessas terras espanholas

uma província com o nome de Navarra;

também da França diziam altivos soberanos

serem os Reis de Navarra,

desde que Henrique Quarto pisou as solas

no palácio do Louvre e assim amarra

as duas coroas sob os mesmos planos...

Para iniciar, é em Navarra que se passa,

esta historieta que agora vou narrar,

sobre um jovem boticário de Pamplona

e a filha de seu rei,

em que talvez veracidade se repassa,

ou que surgiu tão só do imaginar

e romantismo de qualquer formosa dona...

A PRINCESA E O BOTICÁRIO IV

É fato, dizem, que a filha de algum rei,

quando Navarra ainda tinha sua importância,

já que eram Espanha e França divididas

em mosaicos de nações,

por qualquer afecção de que não sei,

parou em sua botica, em certa instância,

para tisanas comprar ali vendidas...

E travou conversação com o boticário,

pobre rapaz, que por ela se encantou,

por mais distância que houvesse entre esse dois

em posição social...

Daí em frente, a alegar motivo vário,

frequentemente, à botica ela voltou,

poções e unguentos a adquirir depois...

E conversavam assim, horas e horas,

sem mencionarem amor abertamente,

pois sempre estava ali alguma aia

ou a governanta,

que começava a se queixar dessas demoras

em seu passeio feito diariamente,

até se a neve ou a chuva do céu caia...

Era ela sempre acompanhada por escolta

de alguns soldados, porém havia paz

sem que houvesse, na verdade, algum perigo

para a princesa linda;

com soldados e a dama dava a volta

pela cidade, mas de fato, andava atrás

do boticário, que já era mais que amigo...

A PRINCESA E O BOTICÁRIO V

A governanta ela até manipulava,

pois a criara desde pequenina...

Mas os soldados começaram a murmurar

que ali havia coisa...

Já ao capitão da guarda algum falava

e este, temendo pela própria sina,

deu parte ao rei do que estava a se passar...

A aia interrogaram com dureza

e à princesa o rei chamou a atenção,

de que estavam a comentar a intimidade

que dava ao boticário;

e embora ambas o negassem com firmeza,

mais firme o rei lhe proibiu a visitação:

mandasse um outro por qualquer necessidade.

O boticário também foi advertido,

embora jurasse ao rei que nada houvesse,

a princesa estava sempre acompanhada,

era conversa só de cortesia...

Disse-lhe o rei, se algo houvesse acontecido

no calabouço já nesse dia ele estivesse,

marcada a hora em que seria enforcado...

Porém na sua palavra acreditara,

só nunca mais procurasse a sua princesa,

que em sua loja de entrar fora proibida,

de qualquer modo.

Agradecendo a clemência que mostrara,

já calculava o boticário, em esperteza,

um qualquer plano que tivesse concebido...

A PRINCESA E O BOTICÁRIO VI

Passou-se um mês e numa igreja se encontravam,

jurando amor e total fidelidade;

o boticário revelou-lhe então o plano

para enganar o rei,

pois para viver juntos precisavam

de um bom dinheiro, já que na realidade,

ninguém vive só de amor, sem sofrer dano...

Que ela aguardasse e que ele ajuntaria

todo o dinheiro para a fuga suficiente,

tão logo lhes chegasse a ocasião

e assim fariam:

a princesa pela loja passaria

sem entrar, porém cuidadosamente,

na vitrina examinando qual bujão...

Caso exposto estivesse algum azul,

representava o mais perfeito amor

que por ela ainda sentia o namorado

por toda a vida,

à espera de partirem para o sul,

em que teriam seus momentos de calor,

ano após ano, sempre lado a lado...

Assim que ele ajuntasse o suficiente,

colocaria na vitrina um amarelo,

do ouro símbolo e da prosperidade:

à espreita então ficasse,

pois no momento que mais fosse conveniente,

o bujão vermelho se mostraria belo,

simbolizando bravura e lealdade...

A PRINCESA E O BOTICÁRIO VII

A partir de então, que sempre andasse

com uma bolsa trazendo as coisas necessárias

para o momento em que a buscar viesse;

mas não trocaram beijo,

foi só o tempo em que a governanta comungasse

e o boticário, entre pessoas ordinárias,

depressa se ajoelhou, fingindo prece...

A governanta em nada reparou,

embora o rei ordenado lhe tivesse

que examinasse a bolsa da princesa,

em busca de bilhetes...

Qualquer escrito o rapaz sempre evitou

prevendo que algo assim acontecesse

e limitou-se a falar durante a reza...

Ora, os vigias da princesa relatavam

que nunca mais ela entrara na lojinha,

nem o boticário a ela se achegara,

por vários meses...

Esses relatos ao rei tranquilizavam,

deixando que passeasse a princesinha,

sem submetê-la a uma pressão mais clara.

Mais quatro filhas possuía aquele rei

e cinco príncipes, para sua alegria;

a princesa nem sequer era a mais velha,

mas a terceira...

Dificilmente a seu trono, pela lei,

qualquer marido, no futuro, poderia

pretender, nem sequer sonhar de esguelha...

A PRINCESA E O BOTICÁRIO VIII

Assim passeava a princesa, diariamente,

e de passagem pelo boticário,

só espiava para ver qual botijão:

sempre azulado...

Se precisasse de tisana diferente,

descia sempre algum soldado vário

e nunca o mesmo, de acordo com a instrução.

A princesa só passava nessa rua

parecendo o lado oposto contemplar,

enquanto alguém seu remédio ia buscar

ou a loção,

que o boticário aviava à luz da lua.

No dia seguinte, outro soldado ia pegar,

sempre respeito e cuidado a demonstrar...

Mas em geral, ela em frente cavalgava,

olhando firme para o fim da rua,

mas pelo canto do olhar observava

a cor do botijão...

Notando sempre que azul ainda estava,

a testa ela enxugava, qual quem sua,

qualquer lágrima a esconder que derramava...

Mas um dia, sentiu forte emoção

e quase o rosto virou para a botica,

a confirmar se não se havia enganado:

amarelo o botijão!...

O boticário já dispunha na sua mão

dinheiro suficiente, ou assim indica

a cor mostrada conforme o combinado!

A PRINCESA E O BOTICÁRIO IX

Mesmo assim, ela morria de impaciência,

que o botijão amarelo continuava...

Suas duas irmãs já haviam se casado,

agora era sua vez!...

Suplicava, sem cessar, à Providência,

enquanto a longa tratativa perdurava,

antes que lhe anunciassem seu noivado!

Passou-se o tempo e com o reino de Aragão

O de Navarra começou a ter disputa,

por uma pequena faixa da fronteira,

que ambos reivindicavam...

O rei seu pai precisou nessa ocasião

de reunir todas as tropas para a luta,

para manter no reino aquela jeira...

E quando deu o seu passeio matinal,

lá na vitrina era vermelho o botijão!

De alegria, seu coração quase parou,

evitando demonstrar.

Sua longa espera chegava no final,

reuniu suas joias em sua bolsa na ocasião

e em seus passeios diários continuou...

A sua escolta fora reduzida

a um único soldado, um veterano,

sem grandes condições de combater

e à governanta!

Mais que nunca sua espera era comprida!

cada dia a parecer-lhe quase um ano,

sem sequer seu namorado poder ver!

A PRINCESA E O BOTICÁRIO X

Certa manhã, a botica viu fechada!

De medo, estremeceu seu coração:

se o rei seu pai tivesse descoberto

e prendido o seu rapaz!

Mas como sempre, prosseguiu a cavalgada,

ao redor das muralhas que ainda estão

em certos trechos de Pamplona, a céu aberto...

Mas de repente, chegou um cavaleiro,

à toda brida, vindo em sua direção:

prendeu um lenço na cara do soldado,

com clorofórmio!

Caiu o coitado do cavalo, bem ligeiro

e um punhado de rapé lançou com a mão,

no nariz da governanta, bem mirado!

E enquanto espirrava a governanta

e o soldado no chão estrebuchava,

depressa as rédeas do cavalo segurou

de sua princesa!

E por montes e vales então se adianta!

A princesa, de emoção, mal respirava...

Para bem longe de Pamplona a carregou!

No fim, pararam à beira de uma fonte,

finalmente a trocar beijo de amor,

o caminho a seguir de Compostela,

com os peregrinos...

Depois cruzaram das Astúrias o horizonte

e a Pontevedra desviaram, com valor,

onde aguardava uma formosa caravela!

A PRINCESA E O BOTICÁRIO XI

Estava o rei na fronteira com Aragão

e duas outras filhas ainda tinha,

preferindo tal escândalo abafar:

morrera a filha!

Fora um ataque da terrível consunção!

Com o tempo, consolou-se até a rainha,

pois da princesa nunca mais se ouviu falar...

O boticário planejara com cuidado,

mandara à frente os produtos mais escassos

e até dinheiro depositara com banqueiros,

fiéis judeus...

O transporte no navio tinham arranjado,

tudo previsto, até os menores passos,

já conhecera o capitão e os marinheiros...

E depois dessas semanas de viagem,

muito difícil, nesses tempos de veleiros,

do oceano aportaram no outro lado,

nas costas do Brasil!

E com todo o testemunho da equipagem,

o capitão casou os aventureiros,

em pleno mar o matrimônio celebrado!

Instalou-se o boticário no Brasil

e fez fortuna aqui, rapidamente;

consoante os costumes da ocasião,

comprou escravos

e a princesa, sob o céu de anil,

vida levou não muito diferente

da que teria em Navarra ou Aragão!

A PRINCESA E O BOTICÁRIO XII

Em poucas décadas, o reino de Castela

dominou, permanente, toda a Espanha,

dos demais reinos tirando a independência,

menos Navarra,

que conservou-se ainda livre e bela,

só sucumbindo muito depois à sanha

dos soberanos espanhóis, sem ter clemência.

Que até o Brasil sessenta anos dominaram,

mas ao casal aqui ninguém incomodou,

tiveram muitos filhos e viveram

por longos anos;

do boticário os negócios prosperaram

e só entre a família se contou

essa linda aventura que tiveram...

Assim, se a um farmacêutico indagar

se, por acaso, esta história é verdadeira,

dificilmente ele a confirmará,

pois nem conhece...

Nas faculdades, ninguém a irá ensinar,

e mesmo algum comerciário ou enfermeira,

se perguntado, se surpreenderá!...

E nem existem mais tais botijões,

com seu líquido azul ou encarnado,

ou amarelo, em cima dos balcões,

que as coisas passam...

Mas muito tempo mantiveram tradições

e nas vitrinas sempre algum era mostrado,

na intenção de atrair as multidões...

QUALQUER EPÍLOGO QUE POSSA TER A HISTÓRIA

É CONSERVAR O CASALZINHO EM SUA MEMÓRIA...