A HISTÓRIA SEM FIM

A HISTÓRIA SEM FIM

(Homenagem a Adhemar João de Barros,

Versificação de William Lagos, 11 NOV 13)

A HISTÓRIA SEM FIM I

Era uma vez um rei com uma filha muito bela,

e como fosse única, sem o rei ter outro herdeiro,

que em sua ausência ao trono viesse se assentar,

todos a cobiçavam, não só pela beleza,

mas por toda essa riqueza que adviria com ela.

Porém temia o rei que ao escolher entre a nobreza,

ante os demais fidalgos, por força da vaidade,

de imediato surgiria dissensão e rivalidade:

sua pátria sofreria guerra civil, ligeiro,

e poderia o reino assim se esfacelar!...

Decerto com um príncipe estrangeiro poderia

casar essa sua filha, para evitar disputas,

mas do reino vizinho uma proposta já chegara

e ele bem sabia quererem a anexação...

No dia em que morresse, a pátria perderia

a longa independência mantida com paixão,

havia muitos séculos, por seus antepassados...

Melhor seria um príncipe de reinos afastados,

mas então se ofenderia seu vizinho e longas lutas,

em consequência imediata uma tal boda provocara...

Mas as propostas chegavam com múltipla insistência,

causando dissensão entre seus conselheiros...

Até que uma noite, em sonho, recebeu inspiração:

no dia seguinte, bem cedo, depois de pensar bem,

lá do alto de seu trono, na costumeira audiência,

declarou bem meritórias as cem propostas que já tem,

mas para evitar brigas, proclamaria um torneio,

do qual participar poderia, sem receio,

qualquer súdito do reino, ou mesmo de terceiros,

que a enfrentar se dispusesse uma terrível condição...

A seu salão de audiências viria o candidato,

para contar-lhe história que não tivesse fim

e que ele escutaria pelo tempo necessário...

Naturalmente, seria a história interrompida

a cada noite ou por importante fato,

porém no dia seguinte, seria prosseguida

e nenhum dos candidatos poderia desistir,

porém na narrativa ser forçados a insistir,

até chegado um ponto em que não pudesse, enfim,

dar-lhe continuidade em seguimento vário.

A HISTÓRIA SEM FIM II

Se, por qualquer motivo, a história terminasse,

mesmo que o candidato alegasse uma viagem

ou algum comunicasse no leito estar doente,

a irrefragável pena seria condenado:

seria decapitado, se de nobre fosse a classe;

ou sendo só plebeu, no patíbulo enforcado,

por ter perdido o tempo valioso de seu rei,

ficando proclamado o torneio como lei

e aberto a qualquer um que mostrasse ter coragem,

bastante inteligência e engenho suficiente...

Seria o seu problema adiado permanente,

pensava o rei... Uma história sem ter fim

teria de ser narrada durante anos a fio...

Talvez até o dia de sua própria morte;

seria a decisão para outrem pertencente...

Mas, que fazer? Do amado reino a sorte,

enquanto ele vivesse, estaria assegurada;

ninguém podia dizer que não fizera nada

para impedir então guerra civil assim

e nem seria o rei vizinho ferido no seu brio!

Contudo, o mais provável seria exatamente

que a história terminasse. Então, o candidato

seria executado consoante a posição...

E se outro aparecesse a contar outras histórias,

a mesma situação se mostraria novamente!...

Talvez se aborrecesse ouvindo tais vanglórias;

decerto viria gente pedir-lhe que perdoasse

esse parente seu que, afinal, embatucasse...

Porém todos teriam de conformar-se ao fato

de que ele já escolhera sua sorte de antemão...

Um único problema, talvez, ocorreria:

é que o medo da morte a todos espantasse;

mas em tal caso, boa desculpa ele teria:

a condição do matrimônio já se tornara lei

e revogá-la, então, nem sequer ele poderia,

porque não volta atrás a palavra de algum rei...

Talvez sua linda filha ficasse solteirona,

mas tivera tal destino muita formosa dona.

Quem sabe num convento então a colocasse,

quiçá ela chorasse... Mas a paz tem mais valia!

A HISTÓRIA SEM FIM III

É claro que a condição afastou o rei vizinho:

seria até um insulto seu filho apresentar

a tal tipo de torneio, em idêntica igualdade

com qualquer fidalgote de bem menor nobreza

ou até no mesmo pé que qualquer burguesinho,

mais atrevido e de mau sangue, com certeza.

Naturalmente, não poria em risco a vida

de nenhum só de seus filhos, no caso de perdida

por ele a tentativa de a história continuar,

mas mencionando a honra, pouparia sua vaidade!

Porém tais considerações não afetaram a nobreza

e os jovens casadouros, com permissão dos pais,

grimórios e alfarrábios passaram a consultar,

para encontrar história que não tivesse fim;

os mais ricos dentre eles tiveram a esperteza

de formar comissões para criar assim

a tal história longa; ou alguma descobrir

que houvesse no passado e pudesse permitir

a vitória almejada, acima dos demais,

nenhum deles duvidando que pudesse triunfar!

O primeiro candidato trouxe as Mil e uma Noites

e seis meses prolongou essa longa narrativa,

mas não lhe permitiram de Scheherazade o ardil,

vários capítulos forçado a narrar no mesmo dia!...

Destarte, esse coitado, apressado com afoites,

logo chegou ao dia em que desistiu o Sultão

de matar Scheherazade, por quem teve paixão...

E quando uma pergunta lhe fizeram, incisiva,

nada pôde apresentar, senão resposta vil...

E como confessasse estar a história terminada,

foi levado ao patíbulo e ali decapitado,

sem dar tempo à família para vir interceder,

sendo enterrado com toda a pompa da nobreza...

Mesmo assim a disputa não se deu por encerrada:

veio outro candidato, pensando, em esperteza,

contar de cabo a rabo as Sagradas Escrituras,

das genealogias longas às leis mais obscuras,

pensando a solução assim ter encontrado...

mas ao fim do Apocalipse precisou se interromper...

A HISTÓRIA SEM FIM IV

E foi levado ao cepo, sofrendo igual destino...

Então veio um terceiro, buscando melhorar,

com lendas e detalhes a Sagrada Narrativa,

porém foi proibido, fora a história já contada.

Tomado de terror, cometeu o desatino

de prosseguir, sua história já inventada,

de Pedro e Paulo, qual a tradição dizia,

em frente prosseguindo com a Santa Hagiologia,

as biografias dos Papas depois a mencionar,

com vastos improvisos sobre a igreja primitiva...

Enfim, foi obrigado a narrar a de outros Papas

bem mais recentes e com as histórias registradas,

sem poder nada mais falsear ou inventar,

até chegar àquele que pontificava então...

Na corte havia presentes prelados em suas capas,

chapéus e solidéus, que o olharam sem perdão,

quando detalhes novos tentou acrescentar...

E pediram permissão ao rei para explicar

não haver mais ações que pudessem ser contadas:

E assim ao pobre moço mandaram justiçar...

De novas tentativas os nobres se arreceiaram;

apresentou-se candidato um rabino: era judeu,

que havia enviuvado, a contar sobre o Talmude;

as histórias separadas habilmente rejuntando;

porém chegou o dia em que estas terminaram...

E novas historietas foi então improvisando,

até que os magistrado sua fala interromperam:

eram histórias diferentes as que se sucederam

e mandaram enforcá-lo, já que era só plebeu:

inúteis manuscritos, por mais que a gente estude!

Contudo, na esperança de uma noiva tão bonita

e de tornar-se rei haver possibilidade,

levou a apresentarem-se alguns dos eruditos,

narrando o Zend-Avesta e também a Secuntala,

o Ramayana e o Mahabharata em sua longa fita,

as sagas nórdicas a ampliar em vasta escala,

e até o Livro do Mortos redigido lá no Egito,

lendas da China e do Japão, em vasto agito;

mas sempre terminava a sua volubilidade,

seguindo para a forca, sufocados os seus gritos!

A HISTÓRIA SEM FIM V

Depois disso, em vários meses, ninguém se apresentou,

ficando o rei contente com seu estratagema;

várias vezes por ano proclamava-se o torneio,

porém machado ou forca não eram apreciados...

E com outros assuntos o Conselho se ocupou,

mais de uma dúzia de mortos raramente mencionados,

enquanto a princesinha envelhecia aos poucos,

sem que o rei se importasse com seus protestos roucos;

é certo que, no fundo, sentia dela pena,

mas de guerra ou de invasão nutria mais receio...

Entretanto, escutando o arauto a proclamar,

pela vigésima vez, do torneio as condições,

encheu-se de coragem um pobre camponês...

Em vão o dissuadiram seus pais, apavorados!

Pôs um farnel na trouxa e se foi apresentar

ante o portão do rei, perante seus soldados,

que fizeram grande troça e tentaram-no expulsar,

mas o rapaz fincou pé para se candidatar:

que o arauto proclamara, sem quaisquer limitações,

fosse nobre ou plebeu, vilão, pobre ou burguês!

Somente ao rei reconhecia ter direito

de impedi-lo da ocasião participar;

que estava certo de vencer o tal torneio;

da princesa ele seria o noivo consagrado;

e então se vingaria de qualquer sujeito

que pelo seu caminho se houvesse atravessado;

que mandaria os soldados pôr a ferros

e diante do portão, pôs-se a gritar, aos berros,

que sua participação teriam de aceitar;

que de ser justiçado não tinha algum receio!

O capitão da guarda mandou-o, então, entrar

e seguindo os protocolos, obteve permissão

para se apresentar no salão do soberano;

ficou o rei com pena e quis fazê-lo desistir:

era um moço alto e forte, não o queria condenar;

de fato, arrependido começava a se sentir;

era um rei justo, afinal, e tinha amor ao povo;

não sentiria prazer em condenado novo...

Perguntou o camponês se havia proibição.

“Não,” disse o rei, “porém seu sonho é insano.”

A HISTÓRIA SEM FIM VI

“Meu filho,” disse ele, “já ouvi tantas histórias

dos mais sábios do reino, de homens da nobreza,

de grandes eruditos – e todos fracassaram...

Por que veio aqui buscar sua morte prematura?”

Mas disse o camponês: “Minha vida não tem glórias,

trabalho noite e dia, sob a maior agrura...

Meu viver é tão difícil, que se morrer agora,

não será mui diferente que esperar por outra hora.”

O rei deu um suspiro e disse, com certeza:

“Lamento o seu destino, que já tantos suportaram...”

E na manhã seguinte, reuniu-se a assembleia

de sábios conselheiros, de bispos e assessores,

os fidalgos do reino, em seu olhar desprezo:

“Quem sabe esse campônio nos pode divertir?”

“Mas de qualquer maneira, estaremos na plateia,

para vê-lo estrebuchar, sua forca a sacudir...”

O rei, cheio de pena, mais uma vez falou:

“Quer desistir agora? Algum ouro lhe dou...

Pode voltar ao campo sem ter quaisquer temores,

sua morte não desejo, meus camponeses prezo...”

Contudo, o campesino conselho não aceitou:

“Não, Majestade,” disse. “Permita-me tentar,

a não ser que acredite ser grande desrespeito

um pobre como eu a sua filha pretender...”

A assembleia inteira, em coro, gargalhou,

mas o rei franziu o cenho àquele malquerer:

“Comece, então, meu filho, que nosso Deus lhe ajude

e que o Santo Espírito sua inteligência escude...

Dou-lhe hoje três horas para a história começar;

Talvez leve muitos meses ao longo desse eito...”

Então, o camponês a sua história começou:

“Era uma vez um reino de grã fertilidade,

com terras muito negras e clima do melhor

e em certo ano, maior ainda a sua colheita...

Toneladas de trigo num celeiro se guardou...

Era tão puro e doce o trigo desta feita

que uma formiguinha sentiu o seu perfume,

entrou por uma fresta e por não haver lume,

ninguém a impediu nessa oportunidade;

e dentre os grãos de trigo, ela pegou o maior...”

A HISTÓRIA SEM FIM VII

“Aquele grão de trigo que levou a formiguinha,

carregando muito alegre até o formigueiro,

chamou das outras depressa a atenção

e foram ao depósito em rápida carreira.

Voltava uma formiga, outra formiga vinha;

levava um grão de trigo, chegava uma terceira;

e assim foram levando, de noite e em claro dia:

chegava uma formiga e outra formiga ia,

aos poucos esvaziando o magnífico celeiro,

sem que ninguém interrompesse a sua dedicação.”

“Chegava a formiguinha para buscar um grão;

e logo uma segunda vinha mais um pegar;

e mais um grão, depressa, levava uma terceira,

a carreira engrossando, em grande atividade;

mês após mês, inverno após verão;

Assim aproveitando sua oportunidade,

novo grão carregava a primeira formiguinha,

levando ao formigueiro a carga pequeninha;

e logo vinha outra para mais grão buscar,

mantendo interminável a rápida carreira...”

“E vinha a formiguinha pegar mais outro grão

e já outra formiguinha se enfiava no celeiro,

saindo carregada com o trigo perfumado;

e logo depois dela chegava uma terceira,

a sua comitiva a formar longo cordão,

aqui e ali um guarda protegia a sua carreira,

insetos diligentes, sem nunca ter descanso,

cada uma das formigas formando novo lanço,

enchendo pouco a pouco seu grande formigueiro,

no mesmo transportar constante e atarefado...”

A assembleia, aborrecida, começou a se indagar

que tamanho, afinal, tinha aquele formigueiro,

já que o cereal saía do celeiro sem parar...

Nesse ponto, o camponês explicou que outra panela

mais um grupo de operárias fora rápido escavar,

formando novo túnel que conduzia a ela...

“E cada formiguinha levava novo grão,

enchendo o seu buraco com grande agitação;

logo a seguir algumas escavaram um terceiro

e depois mais um depósito, sem nunca se cansar...”

A HISTÓRIA SEM FIM VIII

“E assim outra formiga chegou logo ao celeiro

depressa atravessando, feliz, o buraquinho,

para pegar um grão, protegida pelo escuro,

seguida por mais uma com a mesma atividade...”

Falou um ministro ao rei, então, bem sorrateiro:

“As três horas já passaram de hoje, Majestade!”

E o rei, muito aliviado, suspendeu a narração:

“A hora já chegou de nossa refeição!...

Amanhã se continua, meu caro rapazinho,

antes que suas formiguinhas na cozinha façam furo!”

No outro dia, de novo a audiência se reuniu

e o rapaz, prontamente, a história continuou:

“Chegou a formiguinha de novo no celeiro

e levou mais um grãozinho, desta vez o mais pesado;

uma outra formiguinha o trabalho prosseguiu,

cada uma um novo grão, em trabalho compassado.

Chegava uma formiga para levar um grão,

chegava uma segunda, com idêntica missão

e o formigueiro inteiro assim se atarefou,

sempre o transporte a executar ligeiro...”

“A primeira formiga levava um grão;

a segunda formiga levava outro grão,

a terceira formiga levava mais um grão,

a quarta formiguinha...”

A esta altura a corte, inteira, já impaciente,

porque, afinal, tinham de escutar em pé,

somente o rei no trono se assentava,

começou a protestar que a tal história,

já a impressão dava de que era permanente!

Mas disse o rei, de forma peremptória:

“Ninguém se atreva a dizer que não tem fim!”

E ao camponês: “Irá acabar assim?”

“Não, Majestade, falta muito, até!...

Por muitos anos essa história continuava...”

“Bem, então continue, é o que desejo,

porém minha corte já está aborrecida.

Basta por hoje. Amanhã você prossegue...”

E no outro dia seguiu-se a narrativa

de como outra formiga utilizava o ensejo

para formar uma nova comitiva

que conduzia a diferente formigueiro

e até o depósito se formar novo carreiro,

a roubalheira por ninguém sendo percebida...

Que era um tesouro para elas, não se negue:

“A primeira formiga levava um grão;

a segunda formiga levava outro grão,

a terceira formiga levava mais um grão,

a quarta formiguinha...”

A HISTÓRIA SEM FIM IX

Após outra semana, o próprio rei,

embora não ousasse interromper,

indagou se a colheita não acabava;

e o camponês explicou-lhe, prontamente,

“É neste ponto que agora chegarei:

durante um ano a insetaria, bem contente,

no saque do celeiro continuou...

De outra colheita o tempo então chegou,

tão abundante, que foi preciso recolher

nesse depósito o excesso que chegava...”

“E o celeiro ainda tiveram de aumentar,

mas a seguir se apresentou a formiguinha,

para levar consigo um novo grão;

por uma outra logo acompanhada;

uma terceira também a carregar,

em sua obra constante e atarefada...

Os formigueiros não paravam de aumentar;

nas plantações nem chegavam a tocar:

bastava o trigo que o rei guardado tinha,

sem que ninguém passasse falta na região...”

“Então, construíram mais celeiros

e ainda guardaram em depósitos e porões,

mas as formigas abriram mais caminhos...

Cada uma delas pegava o próprio grão

e abarrotavam seus imensos formigueiros;

mas não usavam para a alimentação:

sobre o trigo era um mofo que plantavam

e desse mofo seus pulgões amamentavam;

tiravam leite, como de vacas, dos pulgões

e o davam a beber aos filhotinhos...”

“Era por isso que chegava a formiguinha

e bem depressa pegava um novo grão;

outra formiga logo depois chegava,

seguida sem parar por uma terceira...”

E o camponês continuava a ladainha:

“Vinha outra formiguinha, bem ligeira...”

E continuava assim, sem se cansar,

até a hora de o rei o mandar parar,

de fato, ninguém mais dava atenção,

porém a história nunca terminava:

“A primeira formiga levava um grão;

a segunda formiga levava outro grão,

a terceira formiga levava mais um grão,

a quarta formiguinha...”

A HISTÓRIA SEM FIM X

Porém com os conselheiros consultando,

eles disseram que era história aborrecida,

mas que, de fato, não chegara ao fim:

tinha direito a prosseguir o candidato,

sempre que fosse alguma coisa acrescentando;

e o camponês falava sem recato,

enquanto o rei não o interrompesse nesse dia

e no dia seguinte, de imediato a prosseguia,

do mesmo ponto em que fora interrompida...

(Com mais formigas a marchar pelo capim):

“A primeira formiga levava um grão;

a segunda formiga levava outro grão,

a terceira formiga levava mais um grão,

a quarta formiguinha...”

A seguir, narrou a terceira, outra colheita,

logo encontrada pela formiguinha;

mas, na verdade, falta ninguém dava,

por ser período de grande fartura,

novos celeiros a construir de cada feita...

Veio quarta colheita, ainda mais pura,

uma quinta, uma sexta e outras mais;

já a corte inteira reclamava por demais

e o camponês nunca perdia a linha:

na mesma história sempre continuava:

“A primeira formiga levava um grão;

a segunda formiga levava outro grão,

a terceira formiga levava mais um grão,

a quarta formiguinha...”

Algumas vezes, divertido, ele encenava:

os camponeses nos campos a semear,

brilhava o Sol, depois caía a chuva,

vinham ceifeiros, no momento da colheita;

em carroções as hastes se empilhava;

depois trilhavam; e a semente aceita

era ensacada e levada até o celeiro.

(Depois levada para o formigueiro,

cada formiga um grão a carregar,

seus panelões a encher como uma luva...

“A primeira formiga levava um grão;

a segunda formiga levava outro grão,

a terceira formiga levava mais um grão,

a quarta formiguinha...”

Finalmente, chegou o rei à conclusão

de que essa história não teria mesmo fim...

Já se afeiçoara ao ladino camponês,

por ele a filha também se apaixonara

e, para alívio geral, deu permissão,

pois o Conselho da Coroa autorizara...

E deste modo celebrou-se o casamento,

sem que ninguém impetrasse impedimento...

Só não o deixaram prosseguir assim,

contando a história por mais outro mês!...

EPÍLOGO

Em breve tempo, o rei abdicou;

fez amizade o camponês com a fidalguia

e um exército montou, bem aguerrido,

que as ambições do vizinho dissuadiu,

mas a história, é natural, não terminou:

o nascimento de seus filhos assistiu

e pelo povo inteiro foi amado!...

Só não foi para o casamento convidado

o formigueiro que lhe fora de valia,

tudo, afinal, em outro reino acontecido!

Porém lembrou de dar aos guardas o castigo,

muito assustados por correrem tal perigo:

uma vez por semana os convocava

e a história para eles continuava:

“A primeira formiga levava um grão;

a segunda formiga levava outro grão,

a terceira formiga levava mais um grão,

a quarta formiguinha...”