FÁBULAS
FÁBULAS – 28 SET 13 (Homenagem a Radagásio Taborda)
(Excertos de sua “Crestomatia” em prosa, recontados em formato poético.)
I – O PRESENTE DO CALIFA
Havia um califa na antiga Bagdá,
que hoje do Iraque constitui a capital
e como o dinheiro que sobra não faz mal,
ele mandou construir grande palácio já!
Construção mais bela se não achava lá:
jardins e fontes de frescura divinal,
mosaicos e calçadas do mais monumental
caráter encontrado, em hora boa ou má.
Quando o califa viu a obra completada,
seu coração foi tomado de humildade:
Eu não mereço tal coisa, Santo Alá!...
Tal edificação por mim foi orientada,
mas a darei a quem, com sinceridade,
se achar feliz, se é que tal homem há!...
Permitiu a abertura do local aos visitantes,
deixando claramente pintado em tabuleta:
Morvan, servo de Deus, sem intenção secreta,
as sortes conhecendo por serem inconstantes,
doará este palácio, sob provas dominantes,
ao homem que possua a vida tão dileta
que sua felicidade seja plena e bem completa,
que mal algum lhe venha em qualquer de seus instantes.
Mas a fim de garantir o melhor peneirar
dos muitos candidatos que se apresentariam
dispôs pelos jardins seus sábios ulemás,
a cada visitante buscando interrogar,
até identificar as falhas que teriam
e eliminar de cada um as intenções que traz.
Finalmente, toda prova passou um cidadão,
saudável, rico, alegre e muito bem casado,
cada um de seus filhos já bem encaminhado,
afortunado sempre, qualquer fosse a ocasião.
E tendo satisfeito assim toda a questão,
à presença do califa foi ele encaminhado,
mostrando a cortesia e o respeito costumado
por todo o protocolo determinado então.
Perguntou-lhe o califa: “Então, és bem feliz?”
“Decerto, Majestade, bem mereço seu castelo...”
“E por que esse palácio deseja então ganhar,
se já está contente e possuiu o quanto quis?
Se já amas a tua sorte, para que meu prédio belo?
Dá-te por satisfeito por igual vida conservar!...”
SERIA ELE FELIZ OU A SEU REI MENTIRA,
OU AO SER DESAPONTADO, PERDEU SUA ALEGRIA?
II – O IMPERADOR E O MANDARIM
Havia um Imperador mandando em toda a China,
onde alcançasse o reino, sua voz única lei;
qualquer obedecia ao que mandasse o rei
e só dele dependia desses milhões a sina...
O fado tem caprichos que a cada um destina
e com todo o poder exercido sobre a grei,
um limite possuía o Imperador, bem sei:
não restaurar a vida, por mais que pequenina.
Um dia, soube ele, com o maior desgosto,
que a pata do cavalo a que mais estimava,
devido a um espinho, sofrera inflamação;
e ao invés de melhorar, sucedeu o seu oposto:
a ferida se arruinou e em breve gangrenou...
Morreu-lhe o animal, que atroz desilusão!...
E quando o Imperador chegou à estrebaria
e viu sobre seu lado, já morto, o animal,
tomou-se de uma fúria e de um rancor fatal,
a execução ordenando do estribeiro que tremia!
Mas ao ver que o carrasco para a obra aparecia,
um de seus mandarins, com inspiração genial,
pediu ao Imperador que adiasse esse ritual,
até que o estribeiro escutasse o que diria...
“Esse homem não sabe por que morre, Majestade!
Permita-me lhe explique a razão de seu pecado,
antes que vá, finalmente, reunir-se aos ancestrais...”
O Imperador se acalmou e assentiu de boa vontade
e então o Mandarim se virou para o coitado:
“Escuta o meu conselho e então não peques mais!...”
“Não passas de um plebeu, nada vale tua vida;
cuidar deste cavalo era a tua obrigação
e o deixaste morrer, por negligente ação:
sua terrível moléstia por ti não foi contida!”
“Do Imperador mataste a montada mais querida!
Causaste-lhe, portanto, a maior indignação!
Certo, pois, é que morras debaixo de sua mão:
este é o momento justo da plena despedida!...”
“Tanta raiva provocaste no bom Imperador,
que decidiu um homem matar por um cavalo!...
Beija-lhe então os pés e agradece em humildade!”
Entendeu o Rei da China seu tom reprovador
e suspendeu a sentença sem mais qualquer abalo,
demonstrando ser sábio quem mostra mais bondade!
NESSA NOITE O ESTRIBEIRO FUGIU E NÃO VOLTOU:
SÓ UM DOIDO FICARIA DEPOIS DO QUE ESCUTOU!
III – O SERMÃO DO MONGE
Viu um bando de ladrões a um monge viandante,
andando pela estrada e fez-lhe uma emboscada;
revistaram-lhe o hábito, não encontraram nada;
só um naco de pão atado com um barbante...
“Perdemos o trabalho!” – disse o maior meliante.
“Mas vamos te prender, sempre alguma resgatada
pagará a tua paróquia!” – “É inútil empreitada,
sou monge, não sou padre, apenas sigo avante...”
“Pois me matem de uma vez, por que gastar comida?
É certo que ninguém irá pagar resgate:
só trago junto a mim as preces e os sermões...”
Os ladrões se entreolharam ante a surpresa tida...
Brincando, então, o chefe lhe deu o xeque-mate:
“Pois pague com um sermão que nos sirva aos corações!”
E toda a ladroeira soltou uma gargalhada,
porém o monge conservou seu bom humor:
“Caros amigos, sabeis terdes meu amor,
pois tudo deu-vos Deus, pensando não ter nada!”
“Morais numa caverna, com espinhos disfarçada...
Pois noutra veio ao mundo o Nosso Bom Senhor...
Sois insultados, maltratados, perseguidos, em temor:
foi o mesmo com Jesus em Sua vida atribulada...”
“E quando fordes presos, da corda pendereis,
do mesmo modo que Cristo pendeu da Santa Cruz,
escutando os insultos da plebe dos judeus!...”
“Após o enforcamento, ao inferno descereis,
de onde, após um dia, ressuscitou Jesus:
só essa a diferença entre vós e o Homem-Deus!...”
AO MENOS FOI A HISTÓRIA QUE O MONGE RELATOU,
SALVO SE ERA LADRÃO E EM MONGE SE TORNOU!
IV – CONRADO QUARTO (Atribuída ao Pe. Antonio Bernardes).
Era costume antigo se dar a um rei-menino
companheiros de folguedos para o acompanhar;
se ação má cometesse, eram eles a apanhar:
quem poderia bater em um jovem assim tão fino?
O futuro Imperador Conrado IV, homem de tino,
perguntou aos preceptores por que tinham de sovar
seus amiguinhos, sem uma ofensa realizar
e assim lhe respondiam, sempre e de inopino.
“Sois o filho do rei. Como vos espancariam
se fordes preguiçoso, altivo ou malcriado?
O teu castigo então cabe a eles suportar!...”
Na mente do menino tais frases entrariam
e doravante foi sempre o melhor comportado,
louco de pena ao ver seus amigos chicotear!
CONRADO EM 1250 SUBIU AO TRONO DA ALEMANHA;
A NENHUM REI SE LOUVOU JUSTIÇA ASSIM TAMANHA.
V – OS TRÊS AMIGOS (Fábula do Conde Liev Tolstoi)
Tinha um homem três amigos: um era o seu Dinheiro;
os outros sua Mulher e as Obras que fizera;
abençoado pelo pope, viu que a morte o acometera
e chamou para seu lado o mais antigo companheiro.
“Dinheiro, meu amigo, vimos muito janeiro;
agora, eu vou morrer e ficarás à espera...
“Não, meu amigo, eu pagarei toda a cera
das velas a queimar junto à tumba, por inteiro!...
“Eu comprarei a terra para a tua sepultura
e pagarei o mármore, a cruz e os enfeites;
não vou dormir contigo, mas cuidarei que deites
em mortalha de cetim, lençóis de seda pura...
Bem sei não poderás usufruir de tais deleites,
mas, que fazer? A morte é longa e dura!...”
Chamou a mulher a dar-lhe adeus o comerciante:
“Adeus, querida!... Terás de mim saudades?”
“Certamente que sim, foram muitas tuas bondades
para comigo, mas nossos filhos, doravante,
irão me acompanhar, não fico soluçante;
teu corpo eu amortalho; em velório de vaidades
será tua despedida, missas em quantidades,
e até o cemitério te acompanharei, penante...”
“Mas não irei contigo, é certo, antigo amor:
voltarei para casa, com meus filhos e netos,
bastante protegida pelo dinheiro que deixaste.”
“Não vou passar trabalho algum, meu bom senhor,
da perda alcançarei consolo em meus afetos
e lembrarei, à noite, do tempo em que me amaste.”
Depois, o moribundo ouviu bater de leve
na porta de seu quarto já meio abandonado;
(ninguém sente prazer em defunto demorado...)
o dinheiro e a mulher se afastaram em breve
para atender às visitas e só mais um se atreve
a entrar no seu quarto escuro e desolado...
Eram suas Boas Obras; todo o Bem realizado
deitou-se do seu lado, qual mérito assim deve.
“Adeus!...” – disse o doente, “Agora, partirei...”
“Adeus, não, que eu vou junto! Não me separarei.
Se viveres, viverei. Ao morrer, não deixo sobras...”
Assim morreu o homem, levado à sepultura;
a família rezou muito, sincera e muito pura,
e para a morte além, seguiram-no suas Obras...
TOLSTOI, UM SOCIALISTA, ERA ANTICLERICAL;
DO HUMANO A ADORAÇÃO SUA RELIGIÃO FINAL.
VI – MICHELANGELO E CESENA (Tradicional)
Durante os anos em que correu a Renascença,
Michelangelo recebeu do Papa a incumbência
de retratar, por meio de sua maior potência
o Julgamento Final que narra a cristã crença.
Veio Paulo Terceiro um dia a tomar tença
de como estava sendo realizada a agência
da grande e bela obra de sua sucumbência,
que no estético mostrou-se de forma bem extensa.
Acompanhando sua numerosa comitiva
estava Broglio de Cesena, antigo desafeto,
porque lhe tinha inveja e raiva do pintor.
O Papa lhe indagou, então, com voz altiva:
“Bom Broglio, que me dizes do valor deste objeto?”
“Santidade,” respondeu-lhe, “de fato, é um horror!”
“É coisa bem indigna de figurar como ornamento
em um templo tão formoso: de fato, até imoral!
Paulo Terceiro riu-se: “Ora, isso não faz mal!...”
“Ele eterniza em cor o que dura só um momento...”
Cesena mordeu os lábios em seu ressentimento,
enquanto via o Papa a louvar esse mural;
Michelangelo só curvou a testa, é natural;
só lhe importava mesmo do Pontífice o julgamento.
Mas nessa noite, ele ajustou a sua pintura
e nela colocou a Broglio de Cesena,
sofrendo de permeio a outros condenados...
Lá no Inferno a padecer de uma atroz tortura:
grossa serpente o aperta, fazendo com que gema
e orelhas de burro à testa, quais esteios aprumados!
Broglio não enxergou de imediato o acontecido;
mas viu rirem-se dele e logo até o Papa,
com dignidade, porém rindo-se à socapa,
até que um amigo lhe explicou o sucedido...
Broglio, furioso, ao ver-se assim ferido,
queixou-se ao Papa, que o tirasse dessa lapa;
Paulo III examinou de todo o afresco o mapa:
“Meu caro Broglio, lamento muito esse ocorrido...”
“Mas olhe só, ele te pôs no interior do Inferno!...
Se ao menos fosse ali, no simples Purgatório!
Mas veja bem, do ‘Averno’ é lugar que ninguém sai!...”
“Como posso te perdoar se teu castigo é eterno?
Do outro lugar, seria teu bom intercessório,
mas até o Inferno... O meu poder não vai!...”
E ASSIM VÊ-SE ATÉ HOJE, NA CAPELA SISTINA,
BROGLIO DE CESENA ZURRANDO A TRISTE SINA!...
VII - O CAMPONÊS E O DERVICHE
Existem santos homens lá no Oriente,
que, rezando, dão voltas sem parar;
pensam derviches que Alá os vai iluminar
nessa tontura, caídos de inconsciente.
Ora, um derviche, a peregrinar frequente,
na choupana de um sitiante foi pousar;
comia e bebia sempre e sem desanimar,
tremendo peso para a pobre gente!...
Disse a mulher, com medo, ao camponês:
“Marido, ele vai nos empobrecer!...
Manda-o embora, já está aqui há duas semanas!”
“Mulher, também eu vejo o que vês!...
Mas é um santo homem! Se o correr,
O flagelo de Alá me ferirá com longas canas!...”
Mas o tempo foi passando e ele ficava;
foram matando toda a criação;
galinhas, gado, ovelhas, até o pavão
(ave proibida!) e tudo ele tragava!...
Finalmente, disse a mulher ao camponês:
“Acabou nossa comida e até as crianças
mandei para os vizinhos, em esperanças
que deem comida para todos três!...”
Foi o camponês à companhia indesejada;
disse ao derviche: “Acabou nossa comida!”
“Amanhã eu parto, meu benfeitor amado!”
Falou-lhe, então, na hora da alvorada:
“O galo já cantou!... É hora da partida!...”
“Ah, ainda tens um galo...?” E virou-se para um lado!
NO MUNDO EXISTE MUITO SANTARRÃO
QUE NÃO PASSA DE UM TREMENDO ESPERTALHÃO!
VIII – OS DOIS IRLANDESES
Dois irlandeses caminhavam na Inglaterra;
estavam sem emprego e na grande cidade
colocação achariam com maior facilidade,
dispensados da tropa após o fim da guerra...
Mas era longa a estrada e áspera essa terra,
até uma tabuleta lerem, com dificuldade:
LONDRES, 20 KM “Ai, que infelicidade!”
disse um deles. “Não vencemos esta serra!...”
“Teremos de dormir esta noite ao relento,
Debaixo dessa neve, loucos de frio e de fome,
o vento a atravessar os furos de minha capa!...”
“Mas não é nada!” – disse o outro, com alento,
“São dez para cada um! A estrada logo some!
Esses dez quilômetros a gente faz num tapa!...
ASSIM TUDO DEPENDE SÓ DA COR DO CRISTAL
PARA SE VER O BEM OU SE ENXERGAR O MAL!