Alvina

Era fim de outubro ainda, mas aquele passeio - na caixa - da fábrica de brinquedos à

Loja dos Sonhos das Crianças foi a coisa mais esperada e mais memorável para aquele

grupo de bonecas, fresquinhas - e prontinhas para serem admiradas e adotadas pelas

meninas da cidade - e até mesmo do interior.

A chegada à loja, a desembalagem, a acomodação nas prateleiras, tudo feito com

calma e bom jeito, no cair da noite, com a loja já fechada ao público só serviu para

aumentar a excitação das bonequinhas.

E não é que ao se apagarem as luzes e se retirarem os humanos, aí é que a festa foi

legal!

As bonequinhas, eram tantas, se reuniram, sob a iluminação da árvore de natal e tanto

brincaram que só voltaram para seus lugares quando ouviram chave passada na porta,

quase ao amanhecer. E era só o vigia, mas melhor não arriscar.

E assim foram passadas as noites seguintes, até que já em meados de novembro

começaram a ser menores as rodas de folguedos noturnos, cada dia menores: as

bonequinhas estavam sendo vendidas rapidamente.

E um belo dia, chega mais uma turma nova, de reforço, já era dezembro afinal. E mais

outra leva ainda chegaria já quase na véspera do Natal. E tanta era a alegria de seus

folguedos que não viam passar a noite. Contando as horas e os minutos para caírem

nas mãos de um comprador - não sem antes passarem pelo olhar admirador das

pequerruchas.

Só Alvina é que desde que chegara não experimentou aquela sensação e viu, com

alguma lágrima escondida, partirem as amigas de farras.

Alvina era preta, pretinha feito ela só.

Sua noite mais triste foi na véspera do Natal. Sozinha na prateleira não tinha com

quem brincar ao menos. Até que chegou, de repente aquele menino, que parecia ter

entrado magicamente na loja, sem passar por porta ou janela. Mas um menino aqui,

pensou ela? Que faz? Não é a seção dos carrinhos e bolas que os satisfaz?

Mas veio o menino, " ... e veio sem muita conversa e sem muito explicar...", ela só

sabe que cheirava e gostava de amar - e brincou com ela até fartarem-se de tanta

alegria. E ela adormeceu em seu colo. Ele muito gentilmente a recolocou na prateleira,

não sem antes dar-lhe um beijinho na testa.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 29/10/2013
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