Ela ainda pintaria os dias de preto

Mamãe, por que os tecidos desfiam?

Pegou uma agulha grande e um enorme carretel de linha preta. Colocou debaixo do travesseiro. Antes de pegar no sono tramou tudo direitinho: quando tecessem a noite e ela estivesse emaranhadamente preta, pretinha, caindo lindamente sobre a gigante azul ela pegaria agulha e linha, puxaria as barras da noite e costuraria as bordas uma na outra. O sol ao acordar não conseguiria mais tirar o manto negro da Terra e a vida ia correr assim, escura, fresca e celestial. E ainda que soubesse que todo tecido um dia desfia aproveitaria cada minuto de prolongamento da sua negra felicidade.

Mamãe, por que o sol nasce todos os dias?

Antes que a noite virasse breu, caminhou devagarinho pelo quintal, abriu com todo cuidado o portãozinho de tela e entrou sorrateiramente. Pé ante pé, foi se achegando perto do poleiro e tão rápido quanto um raio cortando o céu alcançou o pescoço do galo carijó. Pronto! Este não iria mais acordar o Sol pela manhã. Quanta noite a mais ela teria?

Mamãe e se chovesse ao contrário, a Terra derramando o mar sobre o céu, encharcando nuvens, lavando o sol. Será que assim ele se apagaria?

E saiu andando pela casa, mãos nas costas, olhos atentos, expressão pensativa. Teria que bolar um jeito de virar o mundo de ponta cabeça.