O burrinho
Queria um burrinho daqueles. Tê-lo, ou mesmo sê-lo, pois não me canso de vê-los nas televisão quando mostram as ruas de Bagdá.
Pequenininhos, marronzinhos, mansinhos e, certamente bem burrinhos, vão eles puxando umas carroças enormes, desproporcionais para o seu tamanho asinino. E não parecem reclamar do peso que carregam, ou de alguma chicotada que eventualmente levam. Ou, quiçá, duma bala perdida, que por lá, tantas hoje há.
Montar num burrinho desses deve ser fácil, dada a sua altura - ou baixura - mas será uma fofura, a sua cavalgadura? A primeira impressão que me fica é
de que, prum tipo mais alto, os pés hão de tocar no alfalto.
E é possível que tenha sido num burrinho desses que Jesus entrou triunfal em Jerusalém naquele domingo de Ramos, saudado pelos mesmos locais que dias
depois, em meio à Paixão, iriam também aplaudir, sua crucificação.
Mas o burrinho presenciou e participou de outras cenas igualmente memoráveis, tanto na manjedoura quanto na fuga para o Egito. Isso no passado. Mais que perfeito. Nos dias de hoje, é bom que se segure, não há paz que mais dure. E tirano ou texano que se ature.
E vai tudo pro lombo do burrinho, que pouco importa se as caminhonetes são mais ligeiras, no fundo muito do que se carrega são besteiras. Ou eram, pois com a sua liberação de tantos anos e séculos de tirania, pode o povo do Iraque partir pro saque e carregar coisas de menos araque. Dos palácios presidenciais
nada sobra mais. E até o museu toda sua preciosidade já perdeu.
E o burrinho tem parte nisso. Trabalha incansavelmente sem distrações.
Naquela secura, sem grama a vista, vai ele seguindo a sua pista. Até se perder de vista.