Bolinhas de gude

O Milton defendia de unhas e dentes a atenção do irmão maior Dair. Minha

tentativa espevitada de aproximação para ouvir aqueles doutos ensinamentos no

ramo e rumo das bolinhas de gude foi rechaçada com um sinalizador murro no

nariz, que doeu, me fez chorar, mas me devolveu a consciência de que meus sete

anos de idade eram pouco pros nove do Milton. E bastantes para aprender rápido -

antes do segundo golpe.

O jeito era baixar o facho e o penacho, e seguir a inefável "pecking order", que

também existe no mundimundo dos petizes, pra poder seguir as explicações do

mestre Dair, no alto de seus dez anos. O mano Beu, com seus quatro pra cinco

anos, e o Andrade, irmão menor do Dair e do Milton, beirando os seis, formavam

uma dupla inocente, e senhores de suas próprias brincadeiras, não constituíam

risco à estabilidade da ordem. Na visão miltoniana.

E, impassível, o Dair, dos cabelos cacheados, olhos esverdeados - que podia bem

ser Adail, Adair, Aldair de pia batismal - ia destilando seus ensinamentos, para o

gáudio da tropa, passando-nos noções que se não iriam perdurar por toda uma vida

sobre o "obrigo o avanço", o "não dou limps nem reps", o "de fino ou de grosso", et

coetera, ao menos iriam dar sobrevida às nossas bolinhas.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 21/09/2013
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