A princesa Luísa 
                           – “com ‘s’ e com acento”–

Era uma vez, em um Reino bem distante... 

     — Vamos, meu amor, falta pouco... força! 

     A bela Rainha Átaner deu à luz uma princesa. Seu nome: Maria Luísa. O Rei Nóslen, o Bondoso, que ajudara o mago e médico Egroj a fazer o difícil parto, levantou a menina acima da cabeça e agradeceu a Deus o presente ansiosamente aguardado durante longos e intermináveis nove meses. 
     Maria Luísa tinha a pele macia e alva como a neve de dezembro. Os cabelos eram negros como a noite em que a lua descansa, aprontando-se para brilhar cheia e majestosa. Os olhos, também negros, eram de uma esperteza tão grande que pareciam dizer algo, talvez: “Muito obrigada pela chance de nascer!”. Os dedinhos perfeitos, os pés delicados, o nariz proporcional, as orelhas pequenas e bem torneadas. 
     A Rainha Átaner, cansada do parto, dormia em seus aposentos. Não sabia – ainda bem – que a jovem princesa precisou de alguns cuidados no berçário do Castelo da Luz, nada sério, apenas precaução, mas o pai não desgrudou um só minuto, esperando pela liberação, por parte do mago Egroj, para levá-la ao quarto onde descansava a mãe. 
     Crescia saudável e todos os dias surpreendia os familiares com novas conquistas. Seus brancos dentinhos não demoraram a nascer, embelezando ainda mais o já incomparável sorriso. Quase não chorava, entretanto, se estivesse com fome – e como tinha fome! – aí sim, abria um berreiro dos grandes. 
     Com menos de um ano, ensaiou os primeiros passinhos. Caminhava, equilibrando-se para lá e para cá, e raramente caía. Tomava as vacinas, necessárias à boa saúde, parecendo entender que, mesmo com um pouquinho, um pouquinhozinho de dor, era para o seu próprio bem-estar e nem chorava, bem, só chorava um pouquinhozinhozinho. 
     A Fada dos Sonhos a protegia contra todos os males: inveja, mau-olhado, olho-gordo, pesadelos – essas coisas. Nada deveria atrapalhar o crescimento natural da princesinha, única herdeira do trono do Reino Unido da Paz Verdadeira.
Próximo de completar três anos, foi matriculada no Jardim-Escola Pequenos Dragões e adorou. Desde os primeiros dias, aprendeu a dizer: “Luísa, com ‘s’ e com acento”. Fazia trabalhos belíssimos de colagem, pintava telas a dedo ou com pincéis, confeccionava bonecos e objetos com massinha para modelar. Aprendia as letras, os números, as formas, as cores, sempre com prazer e interesse. Pela dedicação, merecia muitos elogios. Os colegas não a invejavam por ser uma princesa, pois no reino de seu pai, todos eram iguais perante as Leis dos homens e às de Deus. 
     A Rainha, embora tivesse muitos ajudantes, a quem tratava com dignidade e respeito, fazia questão de escolher os lanches que Maria Luísa levaria para a escola, separando-os por seu valor nutritivo. Preparava pão com queijo ou presunto ou biscoito com geléia, uma fruta, que podia ser maçã, pêra, banana ou laranja, cortada em gomos e sucos variados ou leite. Às vezes, deixava que levasse algumas balas macias. A única guloseima que não oferecia, nem permitia que aceitasse dos colegas – e principalmente de estranhos – era chiclete. Para se fazer entender, sempre narrava historias de crianças que se engasgaram com eles: “Algumas crianças, até de cirurgia precisaram!” – completava a zelosa mãe. 
     — Prometo, mamãe, nada de chicletes! 
     — Quando você crescer, a mamãe deixa, está bem? 
     — Está bem! 
     E assim os dias se passavam e a menina, passo a passo, desvendava os misteriosos caminhos da vida. 
     Um dia, ainda no pátio da escolinha, um colega ofereceu-lhe um chiclete de morango que parecia delicioso, era macio e tinha caldinho dentro. A princípio, Luísa não aceitou, certa de cumprir a promessa feita à mãe. 
     — Come, Maria Luísa, ela nem vai saber... 
     — Vai sim, ela sabe tudo... 
     — Sabe nada. Minha mãe disse isso, e nem sabia que eu não fiz o dever de casa! 
     — Qual dever? 
     — Aquele, de giz de cera, lembra? 
     — Lembrei. Ela nem desconfiou? 
     — Não e ainda me deu esses chicletes, come sua boba! 
     — E se a mamãe descobrir? 
     — Ela não vai, eu sei! 
     As palavras do amiguinho a convenceram. Ao meio-dia, o condutor da carruagem real chegou para levá-la de volta ao Castelo da Luz. A essa hora, a princesinha deveria estar mordendo os dedos de tanta fome, mas o delicioso chiclete tirou-lhe o apetite – também, com aquele caldinho docinho! 
     — Come, filha, só uma colherada... 
     — Eu não estou com fome, mamãe, não quero almoçar agora! 
     — Mas você sempre come e repete, e hoje nem provou. 
     — Eu estou um pouco enjoada, mãe, deve ter sido o... 
     — O... 
     — O pão... acho! 
     — O pão? Muito estranho... você comeu algo diferente do lanche que a mamãe te preparou? 
     — Não, mãe, não comi nada, juro! 
     — Vou acreditar em você, dá um beijo. 
     Rainha e Princesa se abraçaram com carinho de mãe e filha que se amam e se respeitam, independente de hierarquia. 
     Como de hábito, Maria Luísa deitou-se para cochilar durante uma hora, uma hora e meia, depois faria os trabalhos escolares e brincaria com os amigos no jardim, seu lugar preferido. Adormeceu com os anjinhos e acordou com os passarinhos que cantavam em sua janela. Espreguiçou-se e se levantou, calçando as pantufas ‘de abelha’. No banheiro, ao jogar água no rosto, percebeu que estava melada, sentia o cheiro e o gosto do morango. Olhou-se no espelho e quase desmaiou de susto: sua cabeça tinha se transformado num enorme e redondo chicletão de morango. “Papai do Céu, o que aconteceu? Por que é que eu fui mentir para a mamãe?” – e começou a chorar. 
     Precisava mostrar para os pais o que tinha ocorrido, mas eles tinham saído para visitar a vovó Eriem, no Palácio da Felicidade. A seguir, correu para o jardim onde a esperavam para brincar os amigos Augustus, com a irmã Liliana, e Talita. 
     — Amigos, vejam o que me aconteceu! 
     Os colegas, ao verem sua enorme cabeça de chiclete de morango, começaram a rir dela. Augustus, que adorava criar músicas para distraí-los, cantou: 

     “Luisete, 
     cara de chiclete, 
     que não usa cotonete!” 

     Envergonhada, a princesinha volta para o interior do castelo e encontra a babá Carmencita, o mordomo Justino e a cozinheira Rosário lanchando na cozinha. Novamente, todos riram dela e passaram a cantar a mesma música que Augustus inventara: 

     “Luisete, 
     cara de chiclete, 
     que não usa cotonete!” 

     A Fada dos Sonhos entra e completa: “E a gente se diverte”. Coitadinha, até sua protetora se divertia com sua estranha transformação. 
     Os pais retornaram da visita à tardinha. Ela se lança em sua direção para abraçá-los. Contaria que comeu o chiclete e mentiu que não comeu, porém, para sua tristeza, em vez de socorrê-la, a mãe dá-lhe uma lambida: “Que delícia!”; o pai belisca o rosto e o estica, estica, estica... e solta: poim! – fez barulho de mola contraindo. Então, a princesa mentirosa dispara a chorar. Chora, chora, chora. Chora tanto que começa a inchar a cabeça que vira uma bolona de chiclete e sai voando pelo Castelo. Lá do alto, ela observa a cidadezinha e ouve todos os moradores cantando: 

     “Luisete, 
     cara de chiclete, 
     que não usa cotonete: 
     e a gente se diverte!” 

     Uma arara-azul sente o cheiro bom do morango, pousa em seus ombros e bica o narigão da chicletuda que voa em ziguezague – como um balão de gás que se esvazia rápido – até cair na própria cama, murcha, suando muito. 
     Abriu os olhos, lambeu a mão e passou no rosto, depois, de novo na boca. Não tinha mais gosto de morango, nem estava melada. Fora um sonho mau, um pesadelo não evitado pela Fada dos Sonhos, ela, afinal, precisava entender o significado da confiança, da lealdade e da honestidade. 
     Agora aliviada, a Princesa Maria Luísa – com ‘s’ e com acento – procura os pais para lhes dizer o que sonhara e o porquê de ter acontecido: o chiclete que comeu escondido. Arrependida,jurou que jamais faria outra vez. 
     O Rei e a Rainha a perdoaram, pois tinham certeza de que sua filha aprendera com aquele sonho maluco que a mentira nunca vale a pena, aprendeu, principalmente, que os pais, ao proibirem alguma coisa, mesmo algo que pareça bobo, é sempre para o seu bem. Sabiam que, com o tempo, ela seria a Rainha e criaria os seus filhos amados, a quem certamente iria contrariar, em nome da justiça, da verdade, do amor e da igualdade. Por ora, queriam apenas abraçar e acalentar a pequena e doce princesa: Maria Luísa. 
     — Com ‘s’ e com acento!