A VIÚVA E O SOLDADO

A VIÚVA E O SOLDADO

(Folclore canadense, recontado por William Lagos, 3 ABR 13)

A VIÚVA E O SOLDADO I

Em certa aldeia, chegou um dia um soldado,

com espada, clarim e tambor.

em seu belo uniforme ricamente trajado.

E sem mais demora, foi-se apresentar

ao padre, ao prefeito, ao doutor

um veterano das guerras nessa aldeia a chegar.

Porque a guerra acabara e fora então reformado

com todas as honras de praxe,

já que fora em combate um heroico soldado!...

Foi bem recebido e com satisfação,

porque a época era então perigosa

e essa aldeia não tinha qualquer proteção.

Fez diversos discursos, assoprou seu clarim

e a todos encheu de entusiasmo,

narrando as vitórias e seus feitos assim.

Os camponeses o levaram, com grande alegria

para um trago tomar:

que seria uma bênção, bem depressa se via!

A VIÚVA E O SOLDADO II

Todos ficaram cantando até a madrugada;

na bebida mostrou-se valente

e cada moça da aldeia já se achava encantada.

O soldado, ao contrário, era compenetrado:

com as meninas sorria e brincava,

porém sem ficar de qualquer namorado.

Porque era consciente de terem irmãos e pais

e não queria arrumar confusão;

apenas dançava, sem chegar-se demais...

Já nesse domingo, na missa ele estava

e até pôs moeda na salva;

logo o padre com ele também se encantava.

Ao doutor foi mostrar as suas cicatrizes

de lança e de espada,

saradas há tempos, passadas as crises.

E onde ele andava, era bem recebido

por donzelas, crianças e velhos,

sem que por sua comida fosse um preço exigido.

A VIÚVA E O SOLDADO III

Cada dia ele usava um diferente uniforme

de cores vistosas e claras,

tirado de dentro da mochila disforme.

Mas após alguns dias, a notar iniciavam

que eram só três conjuntos,

cujas peças entre si muito bem combinavam.

E começaram alguns a murmurar, por inveja,

que não era, de fato, um valente:

uniformes não mostram a coragem que esteja.

E logo falaram que uma alcateia de lobos

acabara de descer da montanha

e entre as ovelhas já fazia os seus roubos.

O soldado mostrou a maior boa-vontade,

subiu a encosta sozinho, levando sua espada,

dois guias mostrando o caminho, é verdade.

Chegando ao local, começou a assoprar

seu clarim e a bater seu tambor,

conseguindo depressa a alcateia assustar.

A VIÚVA E O SOLDADO IV

Mas quando um dos lobos se achegou, a rosnar,

passou adiante logo os instrumentos

e foi a sua espada, bem depressa, sacar!

E um tamborilava e o outro assoprava!

sem mais, o soldado avançou

e logo na ponta da espada o espetava!...

Quando o resto do bando viu morto o mais forte,

(da alcateia era o líder)

fugiram depressa, temendo igual sorte!...

E o soldado seguiu atrás deles, gritando

enquanto pedras jogava

e meia dúzia de lobos foi assim espantando!

Entrou na caverna, sem mostrar qualquer medo,

mas só encontrou alguns ossos

e disse a seus guias conhecer um segredo.

Juntaram madeira e fizeram fogueira

que de luz encheu o covil;

reuniram então pedras para fazer trincheira.

A VIÚVA E O SOLDADO V

Cobriram a entrada com pedras e barro

e é claro que o fogo apagou

e o soldado explicou, meio a tirar sarro:

“Se os outros voltarem, encontram a parede:

pelas frestas farejam fumaça

e pensam que é gente que a entrada aí impede...”

Esfolaram os três toda a pele do lobo

e espalharam a carne e os ossos.

“Eles pensam ser espertos, mas todo bicho é bobo.”

“Comparado com a gente. Esse sangue demora

para sumir daqui inteiramente:

vem o vento e bem longe o fedor leva embora...”

“Tão cedo essa turma não nos vai incomodar...”

E de fato, eles não retornaram

e a aldeia inteirinha foi o soldado aclamar!...

Só quem não gostou foram os tais invejosos

que diziam ainda desconfiar,

maquinando outros planos ainda mais ardilosos.

A VIÚVA E O SOLDADO VI

O soldado, entretanto, deu a pele ao prefeito,

que gostou do presente

e pensou contratá-lo, de pleno direito,

como guarda da aldeia contra qualquer inimigo,

que eram gente pacata,

sem saber como agir, caso houvesse um perigo.

Os invejosos, porém, recomendaram prudência:

“O dinheiro anda escasso,

ele já come e já bebe, melhor ter paciência!...”

“E depois, ninguém sabe o lugar de onde veio,

acaso não será um desertor?

De tomar informações acharemos um meio...”

Mas o soldado era calmo e mostrava alegria

em fazer qualquer coisa:

ajudava com as vacas, ceifava e colhia...

Os meninos o seguiam onde quer que ele fosse,

caçando e pescando,

mel sabia colher e lhes dava o mais doce...

A VIÚVA E O SOLDADO VII

Rondava um urso velho por aquelas redondezas,

que nunca mal algum fizera,

porém inventaram, por inveja e safadezas,

que ele estivera invadindo algum curral

para comer os bezerrinhos.

Poderia o soldado vencer mais esse mal...?

Pediu a ajuda dos meninos o soldado

e foram cortar caniços secos;

fez o rapaz um arco bem moldado.

Mais uma dúzia de flechas pontiagudas

mergulhadas em breu,

e arranjou um fogareiro com brasas desnudas.

E lá se foi, com sua turma de meninos,

até chegarem onde estava o urso;

pediu silêncio, sem mais desatinos...

Estava o urso debruçado em um riacho,

pescando com paciência

e o soldado avançou, trazendo um facho.

A VIÚVA E O SOLDADO VIII

Escolheu bem a posição por trás da fera

e acendeu a ponta de uma flecha,

que apôs no arco, com mira bem certeira...

Cravando fundo no traseiro do animal,

cujo pelo pegou fogo!

Virou-se o bicho, como era natural.

Ergueu-se em pé, rugindo a seu redor

pateando seu traseiro!

Seguiu o soldado disparando com ardor.

E o pelo inteiro do urso pegou fogo:

ficou o animal em desespero!

E no riacho se atirou, em desafogo...

E ali se rebolcou, muito assustado,

no meio de outras flechas:

saiu correndo, totalmente apavorado!

O bando de garotos o instigou:

“Vamos pegar o urso!”

“É perigoso demais!...” ele falou.

Pois o soldado sabia muito bem

que o bicho era inocente,

não quis saber de o perseguir também!

A VIÚVA E O SOLDADO IX

O fato é que o pobre urso não voltou,

talvez porque o inverno já chegava,

quem sabe em uma caverna se enfiou...

Mas os garotos aclamaram o soldado,

tornou-se novamente o seu herói

por toda a aldeia de novo festejado!...

Contudo, em breve, chegaram salteadores

para roubar e matar!...

Então o soldado comentou, sem destemores:

“São meia dúzia – sozinho, eu não consigo,

preciso que me ajudem.

Peguem suas foices e então venham comigo.”

E preparou uma emboscada a esses ladrões:

tendo chefe, mostraram ter coragem:

foram os bandidos que se renderam aos aldeões.

Porque caíram sobre eles de surpresa,

mataram um, feriram os demais

E até suas armas se tornaram deles presa!

A VIÚVA E O SOLDADO X

Foram embora, feridos e assustados

para atacar outro lugar,

se retornassem seriam todos enforcados!

Na maioria, são covardes os assaltantes,

só atacam quem mostra medo deles:

esses fugiram para plagas bem distantes!

E desta vez, ninguém mais mostrou inveja

e se tornou herói definitivo,

por lhes salvar os bens, que mais não seja!...

A essa altura, já todo mundo conhecia

e sabia muito bem onde pisar,

pois por gosto ele a ninguém ofenderia...

Mas existia uma viúva no lugar,

bastante solitária

que o começou a convidar para jantar...

O soldado concordou, mas cortou lenha,

ajudou a cuidar da criação;

respeitava o falecido: Deus o tenha!...

A VIÚVA E O SOLDADO XI

Mas foi ficando e ali jantava e almoçava,

depois até passava as noites,

que o frio do inverno já se aproximava...

E com a viúva até deu-se muito bem,

por mais três meses,

em suas tarefas a trabalhar também.

Mas chegada a primavera, ela pediu:

“Soldado, você quer casar comigo,

de espada e de uniforme?” Ele sorriu.

“Até queria, mas não posso ir à igreja

em minhas botas gastas e rustidas;

não fica bem que seu noivo assim esteja...”

“Por isso, não!” disse a viúva e se inclinava

para abrir sua velha arca,

de onde tirou um par de botas que guardava...

“Eram do falecido”, falou, meio acanhada.

Serviram muito bem para o soldado,

que passou horas a lhes dar uma engraxada...

A VIÚVA E O SOLDADO XII

Saiu depois com as botas novas a passear

por toda a aldeia,

só retornando já na hora do jantar...

Na outra manhã, a viúva perguntou:

“Soldado, você quer casar comigo?”

Mas então, ele de novo se explicou...

“Você vê, as minhas três calças de uniforme

já ficaram bem gastas e puídas:

casar assim com você não é conforme!...”

“Por isso, não!” disse a viúva. E se inclinou

para de novo abrir sua arca

e um par de calças quase novas retirou.

O soldado agradeceu e as experimentou;

serviram bem, saiu bem satisfeito:

foi só na hora de jantar que retornou!...

Na outra manhã, a viúva lhe indagou:

“Soldado, você quer casar comigo?”

Mas o rapaz, mais uma vez, se desculpou.

A VIÚVA E O SOLDADO XIII

“Minha roupa interior está bem gasta

minhas meias furadas e cerzidas:

tenho uniforme e botas, mas não basta...”

“Por isso, não!” disse a viúva e bem depressa

abriu a arca e dali foi retirando

meias e roupa interior, peça por peça...

O soldado agradeceu, experimentou, muito contente,

mas de tarde foi guardar a sua mochila

lá na taverna, sem explicar a qualquer gente...

No outro dia, chegou a viúva e perguntou:

“Soldado, você quer casar comigo?”

Bem devagar, ele da mesa levantou...

“Até queria, minha bela, meu pecado...

Seria até a maior das alegrias,

mas não posso me casar: já sou casado!...”

E antes que a viúva recobrasse da surpresa,

foi saindo bem depressa pela porta

indo pegar a sua mochila, com presteza!...

EPÍLOGO

E pela estrada saiu logo, a caminhar,

aproveitando que era primavera...

e dele nunca mais se ouviu falar!...

Talvez esteja agora em outra aldeia,

com espada, tambor e clarim,

quiçá jantando com outra viúva feia!...