O MENINO PREGUIÇOSO
O MENINO PREGUIÇOSO
(História infantil em prosa de Antonio Barata, publicada em 1947,
versão poética de William Lagos, 14 jan 2013).
O MENINO PREGUIÇOSO I
Era uma vez um menino preguiçoso
que adorava permanecer dormindo;
jamais pudera ver o sol surgindo
e na hora em que chegava o por-do-sol,
os olhos tinha já pregados com anzol,
talvez perdido no sonho mais formoso.
Para o café ele sempre se atrasava
e quase sempre saía tarde para a escola;
para as lições ele nunca dava bola:
dormia debruçado sobre a classe;
ria-se a turma, sempre que ele se espantasse,
ao ouvir que a professora reclamava!...
Foi para a aula da tarde transferido,
mas então já comera o seu almoço
e se afundava na sesta, como em fosso,
até que o conseguissem despertar,
mal-humorado, para se pentear,
saindo à rua como um pobre incompreendido...
Desse modo, era chamado muitas vezes
e a cada quinze minutos, novamente
respondia: “Já vou!” bem descontente
para então se virar para o outro lado
e no sono voltar a estar ferrado,
levando em tal história muitos meses...
O MENINO PREGUIÇOSO II
Houve um sábado, que era dia de faxina
e depois das três vezes que o chamaram,
logo os irmãos do colchão até o puxaram,
mas então ele deitou-se sobre o assoalho,
a ressonar como bigorna sob o malho
e a paciência dos irmãos rápido mina...
Era verão e ficou ali deitado,
enquanto os irmãos saíam a brincar,
os adultos da casa a trabalhar,
ele caído no chão como restolho...
Mas ao se ver sozinho, abriu um olho
e voltou para a cama, regalado...
Mas tendo medo de virem-no buscar,
enfiou-se bem no fundo das cobertas
e ao verem as outras crianças bem despertas,
pensou a família que brincando estava,
enquanto o preguiçoso ressonava,
se achando esperto porque ali foi se aninhar...
Só que veio nesse dia a lavadeira
buscar a trouxa de roupa de costume,
que levava na cabeça, até o cume
do morro em que ficava sua casinha;
com lençol atava a trouxa pesadinha
e a seguia equilibrando, bem ligeira...
O MENINO PREGUIÇOSO III
Ora, o menino era, afinal, bem levezinho,
pois na hora de comer, ele dormia...
Ficou molengo e quase nem crescia...
Juntou a lavadeira a roupa toda
e, como o peso muito pouco a incomoda,
atou os lençóis e a colcha, de mansinho...
E nem notou, lá no meio do lavado,
o menino preguiçoso... e o levou junto,
dormindo ainda, imóvel qual presunto...
Fechou a trouxa a boa lavadeira
e a equilibrou na cabeça, bem certeira,
partindo logo, sem maior cuidado...
Nessa época não fora ainda inventada
a máquina de lavar e nem sabão em pó...
A roupa era esfregada, sem ter dó;
punham de molho dentro de um barril,
botavam a quarar com muito anil,
numa limpeza muito bem cuidada...
E a lavadeira era muito caprichosa...
Enfiou a roupa inteira num latão,
colocou lenha e acendeu um fogueirão...
Ficou o menino todo avermelhado,
na água fervendo quase cozinhado,
mas nem abriu a boca preguiçosa...
O MENINO PREGUIÇOSO IV
Até ficou com vontade de gritar,
mas parar não queria de dormir
e se deixou, igual que ovo, frigir...
Pois na verdade, pensou a lavadeira
que ele fosse uma boneca bem faceira
e o esfregou com sabão para alvejar...
Depois, juntamente com os lençóis,
o estendeu na armação do quaradouro,
com um monte de anil para desdouro...
O menino se secou ali, no sol,
ficou fininho, quase como anzol,
passando a tarde a olhar os girassóis...
A família dera falta, nessa altura,
mas ele se escondia, para dormir,
nalgum cantinho em que pudesse ir.
Remexeram pela casa com cuidado,
mas ninguém ficou muito apavorado:
já era domingo e a noite estava escura...
“Ele aparece assim que tiver fome...”
disse o pai para a mãe desconsolada;
porém, insone, deu mais uma procurada...
“Se não aparecer até segunda,
depois de nova busca mais profunda,
a polícia sempre encontra quem se some!”
O MENINO PREGUIÇOSO V
Enquanto isso, a hábil lavadeira
tirou as roupas de seu quaradouro,
pondo de molho numa tina de couro,
reforçada com aros de barril,
para tirar todo o excesso desse anil
e foi depois dormir a noite inteira!
A seguir, pôs a roupa a enxaguar
e acho um tanto estranha a tal boneca...
Mas percebendo que já estava seca,
torceu de leve, sem força fazer
e na corda pendurou, sem espremer,
para depois por na mesa de engomar!...
E depois do menino estar bem duro,
colocou sobre a tábua de passar,
passando a ferro, até todo se esticar;
enfim, dobrou-o, tal qual um lençol
e quando da roupa foi fazer o rol,
colocou: Boneco de cabelo escuro.
E na segunda de tarde, a lavadeira
trouxe a roupa empilhada na cabeça
e a dona conferiu, vá que ela esqueça
algo ou misture com o lavado do vizinho!
E foi assim que encontrou o menininho,
ainda vivo, mas esticado como esteira!
O MENINO PREGUIÇOSO VI
Ela até quis brigar com a lavadeira,
porém o seu marido não deixou.
“A culpa não é dela!” ele afirmou.
“Como foi que o guri não se acordou,
depois de todo o trabalho que passou?
É dele a culpa por essa desgraceira!...”
Chamaram um doutor, rapidamente,
que achou o caso muito interessante...
E receitou um bom fortificante!...
Aos poucos, o menino se ajeitou,
foi ficando arredondado e reclamou
que sentia muita fome, realmente!
Então lhe deram canja de galinha
e vinte e cinco tigelas de mingau,
até passar esse período mau...
E assim, começou até a crescer,
mas da lição nunca pôde se esquecer
e agora tem até medo da caminha!...
Pois nunca mais ele tarde levantou
e anda sempre até bem esticado,
por ter sido aquela vez todo engomado...
De alegria o doutor ficou possesso
e descreveu o caso num congresso,
em que a plateia toda se espantou!...
EPÍLOGO
Claro que hoje isso não ocorreria:
quando botassem na máquina de lavar,
o preguiçoso teria de acordar!...
E se usassem sabão com amaciante,
talvez crescesse até ficar gigante
e a todo mundo então espantaria!...