O polvo letrado

Era uma vez, sempre uma vez, um polvo.

Mas não era como o seu povo.

Era letrado.

Em seus bracinhos, apenas um livro.

Com ele, viajava pelos sete, oito, nove, dez mares...

E tinha o mundo em suas ‘mãos’.

Gostava de admirar a natureza.

Era sensível e sonhador.

Porém, os outros polvinhos eram diferentes.

Estavam sempre muito ocupados.

Em cada braço, um objeto diferente: conchas, pedaços de recifes, algas, computadores-sea, vídeo games aquáticos e outros, muitos outros...

Estavam sempre muito ocupados.

Faziam cursos de corrida aquática, culinária do mar, gestão e liderança marítimas e outros, muitos outros...

Estavam sempre muito ocupados.

Enfim, não tinham tempo para a imaginação, a fantasia.

O polvinho letrado vivia isolado.

Era motivo de risos.

- Onde já se viu um polvo usar apenas um braço?... – diziam uns polvinhos.

- Preguiçoso! – falavam outros.

Apesar disso, o polvo letrado era feliz em seu mundo.

Mundo vasto.

Um oceano profundo de livros.

Seu maior sonho era se tornar um escritor.

Quando cresceu e seus pais faleceram, ele resolveu sair pelo mundo em busca de seu autor predileto, que havia escrito a obra ‘O polvo maluquinho’, um polvinho que vivia com uma concha na cabeça.

Então, ele partiu.

A viagem lhe pareceu longa.

Percorreu muitos mares.

Apreciou baleias, tartarugas, cavalos-marinhos, lulas, lagostas, tubarões, focas, golfinhos, estrelas-do-mar, camarões...

Dizem que viu até sereias.

Até que, finalmente, conseguiu encontrar seu escritor favorito.

Ele estava cuidando de suas algas, nos jardins de sua casa.

E rodeado de polvos, seus amigos.

Ninguém impediu o polvo letrado de entrar, todos eram convidados a entrar.

Entrar na vida do escritor.

E fazer parte de sua obra.

Quando pôde dar mais atenção ao jovem polvo, o escritor revelou que amava escrever e desenhar, ilustrar suas histórias.

- E qual é o grande segredo dos escritores?

- Gostar de polvos!

O jovem polvo ficou intrigado.

- Por quê?

- Porque nos faz bem amar, partilhar. E porque os polvos são fontes de inspiração para nossas histórias, polvos que riem e choram, lutam e desistem, amam e odeiam, vivem tristes e felizes... ou simplesmente vivem, esse é o mistério de todas as histórias!

O polvo letrado compreendeu a lição.

- Entre no mundo dos polvos, faça parte de sua história!- finalizou o escritor.

Só restava ao polvinho voltar para casa.

Então, ele partiu.

A viagem lhe pareceu lenta.

Percorreu muitos mares.

Apreciou muitas lembranças.

A mãe lhe preparando um mingau de crustáceos, o pai lhe ensinando a ler, os carinhos da avó, as broncas do avô, as brincadeiras com os primos e a zombaria dos amigos.

Quando regressou ao lar, encontrou os polvos ocupados, como sempre.

Mas o polvo letrado tinha um planinho literário.

Começou a contar as histórias do Polvo Maluquinho.

No princípio, ninguém ligava.

Mas, com o tempo, os outros polvinhos paravam tudo o que estavam fazendo para ouvir as histórias...

E começaram a gostar de livros.

E a amar o bisonho e o poético.

E ficaram meio maluquinhos também.

Começaram a cantar desafinado.

Começaram a plantar bananeiras.

Começaram a colecionar parlendas.

Começaram a inventar uma Polvolândia.

E acabaram poetas.

Mas a história do polvo letrado não terminou...

Ele passou a criar suas próprias histórias.

Histórias que atravessaram os oceanos, os mares, os rios, as lagoas, os lagos, as cachoeiras, as poças d’água... os pingos d’água.

E o polvo finalmente se tornou um escritor.

Letrado?

Amado!...

Kate Lúcia Portela
Enviado por Kate Lúcia Portela em 21/11/2012
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