Vestidinho Xadrez



Lá nos confins do Rio Grande do Sul, numa pequena fazenda, vivia Carola e sua família.
Carola era uma menina muito peralta. Eram raros  os dias em que ela passava sem receber alguma reprimenda dos pais.
Ela simplesmente não resistia aos novos desafios. Vivia sempre com algum aranhão ou machucado pelo corpinho. Nada, nem ninguém, a impediam de tentar realizar seus desejos de criança sadia e brincalhona.

Naquela época, as meninas não vestiam short. Eram sempre os vestidinhos que acabavam sofrendo os danos.
Para Carola, o prático seria vestir-se somente com short ou bermuda bem folgada. Isto, para resistir as peraltices dela.


Era um lindo domingo de verão e Carola recebera um novo e bonito vestido xadrez de sua madrinha. Apesar de achar os vestidos pouco práticos para  suas aventuras, ela  decidiu estreá-lo naquele domingo porque era muito vaidosa.
Após o almoço, ela aproximou-se da mãe, que  arrumava a cozinha:
- Mãe, posso brincar na casa da Berenice? Toda turma vai estar lá...
Distraída, a mãe respondeu:
- Pode ir, mas cuidado com o que vai aprontar desta vez. – e continuou a lavar a louça do almoço.
Depois de algum tempo, a mãe estranhou a presença da filha ainda pela cozinha. Ela permanecia parada ao lado do balcão, com as mãozinhas agarrando uma das pontas do seu vestidinho em uso.
- Fala Carola... O que mais tu queres?
- Mãe... é domingo... – e rapidamente perguntou:
- Posso ir com o meu vestidinho novo?
A mãe ficou ali parada pensativa por algum tempo e analisando a filha justificou sua negativa: - Mas é o seu melhor vestido filha. Está guardado para o batizado do Pedrinho!
Quando Carola queria convencer alguém de alguma coisa, acabava conseguindo. E foi assim que escutou a mãe dizendo:
- Está bem! Está certo! Mas vê lá o que vai aprontar. Nada de subir em árvores. Pular cercas de arame farpado! Certo?
Dois minutos depois, já vestida, saiu em disparada por entre o milharal da fazenda. Atravessou um milharal e uma cerca de arame farpado. Depois uma plantação de aipim e outra cerca de arame farpado. Epa! Uma plantação de vacas? Não. Ela acabara de atravessar a cerca que impedia o boi bravo de continuar a perseguí-la pelo potreiro afora.
Ufa! Por sorte o vestidinho xadrez escapara intacto. Ajeitou o laço que marcava a cintura e prosseguiu caminhando até a casa de Berenice.
Lá chegando, descobriu a turma toda no campinho de futebol, como era chamado, e o time de Voleibol já  formado e atentos na bola que picocava de mão em mão.
Todos ali pareciam mais interessados na bola colorida que passava de mão em mão, do que no novo vestidinho xadrez de Carola.
Minutos depois, ela já se encontrava impaciente, vendo aquela bola picando de mão em mão. Ao levantar os olhos para o céu, descobriu algumas laranjas-lima madurinhas lá no alto da árvore frutífera, convidando-a para apanhá-las.
Olhou para o seu vestidinho xadrez e escutou uma voz dizendo:
      - Nada de subir em árvores. Nada de subir em árvores.
     Mas quando deu por si, já havia escalado a metade da antiga árvore e até ali, nenhum acidente. À medida que ia subindo na antiga árvore, os galhos iam afinando. Mas isto não amedrontou Carola. Quando decidia algo ia até o fim. Aquelas frutas gostosas e madurinhas seriam dela e continuou sua escalada.
Com muito esforço conseguiu colher três preciosas laranjas. Sabia que se as jogasse ao solo, não veria a cor de nenhuma delas. Colocou-as então dentro do vestidinho xadrez e iniciou a dura tarefa da descida.
Tudo ia bem, até que pisou num galho podre. Este quebrou-se e ela foi junto em direção do solo. Já se via caída no chão, quando sentiu que algo a suspendia no ar. Abriu os olhos e viu que se encontrava suspensa um pouco acima do solo. Ao mexer-se, escutou o barulho de algo se rasgando, rasgando, não quebrando:
- Não! Meu vestidinho... – e despencou no chão.
As lágrimas impediam que ela visse os estragos em seu vestidinho novo.
Toda turma abandonou o jogo e correu para socorrê-la, verificando possíveis machucados no corpinho dela.
Porém, Carola não estava preocupada com alguns pequenos aranhões. As palmadas no bumbum, com certeza arderiam mais.

Assim que chegou em casa, escondeu-se atrás das folhagens próximo da varanda e entrou na casa, somente depois de certificar-se que ninguém a descobriria em casa ainda cedo.
Correu ao quarto que dividia com suas irmãzinhas e rapidamente retirou o que sobrara do vestidinho e escondeu-o debaixo do colchão da sua cama.
A mãe entrou na cozinha algum tempo depois e vendo a filha calada, sentada ao pé do fogão à lenha, perguntou-lhe:
- O que aconteceu Carola? Outra queda? Você parece doente!
- Nada não... Só uns aranhões. – E antes que a mãe perguntasse a respeito do vestidinho xadrez, ela emendou: - Já tirei o vestido novo e pendurei no armário.
A mãe estudou-a desconfiada, mas esqueceu o episódio.
À noite, já na sua caminha, Carola não conseguia dormir. O vestidinho a salvara de uma queda maior e lhe era muito agradecida, mas e quanto as palmadas no bumbum?

No dia seguinte, ao voltar da escola, a mãe a aguardava no portão do jardim que dava para a casa e foi logo dizendo zangada:
- Onde você meteu seu vestidinho novo? Procurei e não o encontrei.
Carola seguiu calada até a cozinha da casa e a mãe insistiu:
- Onde é que você escondeu o vestido?
Vendo a mãe bastante zangada, arriscou:
- Debaixo do colchão...
A mãe estudou o rosto de Carola, que permanecia apreensivo e confessou:
- Já sei o que aconteceu... A mãe da Berenice passou aqui e me contou... As palmadas no bumbum você merece, certo? Porém ficarão para a próxima vez, mas um vestidinho novo, só quando eu decidir que merece, certo?
Triste, Carola aceitou a decisão da mãe, mas a tentação de subir em árvores continuou ainda por muito tempo. E o vestidinho xadrez não foi o último que Carola deixou preso nos galhos das árvores.

Escrito por Cristawein
Cristawein
Enviado por Cristawein em 14/09/2012
Reeditado em 09/08/2017
Código do texto: T3882468
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