GALO CORREDOR
(verídico)

Essa foi contada pela minha mãe, disse que aconteceu quando ela tinha um  pouco mais de 10 anos, lá no quintal mágico, cheio de árvores da vovó.
Confesso que não acreditei muito, pois mãe escritora gosta de fantasiar... De qualquer forma, prometi que eu ia escrever. Então ai vai.
Lá no quintal da vovó, havia um galo corredor, isso mesmo que ouviu. Mas na verdade não é o tipo de corredor que imaginou. Não era um galo de rinha, daqueles que os homens ainda colocam pra brigar e ficam torcendo pra ver quem sai vencedor.
Ele era um galo que cuidava do quintal, portanto, nem precisava de cachorro. Isso mesmo, o galo fazia o serviço de cuidar, faltava latir. E como não latia, a pessoa só descobria que não podia ter entrado sem avisar, bem lá no meio do caminho, no momento em que o galo erguia suas asas, arrastando a espora no chão e dando aquele grito de cocoricóoooo. E lá ia a visita correndo pro outro lado do portão. Então se misturava o grito do galo com o grito da visita. Deve ser por isso que por um bom tempo a casa da vovó quase ficou vazia, nem tinha cheiro de bolinho frito e café feito na hora. O galo não deixava ninguém voltar ´ra um dedinho de prosa.
O pior de tudo, é que o galo também invocou com a mamãe, que era criança e menina, não esqueça! Ele muitas vezes grudava nas pernas dela até sangrar. Só se via alguém vindo com a vassoura para salvá-la. Haja tantos gritos...
Para não ser pega novamente,  quando ela vinha da aula, tinha que jogar a bolsa pra dentro do muro e torcer pro galo não ver ela pulando. Deve ser por isso que ela começou a pular tantos obstáculos!  Todos os dias era o mesmo final. jogar a bolsa, pular o muro para não fazer ranger o portão e correr pra dentro de casa. A felicidade era chegar primeiro na porta da vovó e ticar o galo dançando. O galo quase sempre perdia.
Mas as vezes... a mamãe esquecia e entrava com alguma amiguinha... e lá ia o galo expulsando todo mundo. E muitas vezes cravava a espora nas pernas da pessoa, avançando várias vezes até que a vitima fugisse.
Virou sensação no bairro, o tal galo corredor... agora as crianças faziam de propósito atentar o galo para dar grandes gargalhadas quando algum corajoso resolvia arriscar a corrida. Eram os gritos do galo contra os gritos da vovó para que os moleques fossem embora.  Era uma gritaria sem fim naquele quintal de terra batida no pilão.
Com o passar do tempo, o galo foi cansando da rotina de correr para assustar as pessoas. As penas começaram a ficar brancas e as pernas meio mancas... agora as crianças riam de sua pouca força no grito.
Não era mais a grande sensação o tal galo corredor.
Meu uniforme escolar encolheu, colocaram campainha na porta, mas continuei com o ritual de pular o muro. Num belo dia na volta da escola, mesmo com o barulho do corrimão do portão  tao pouco usado por mim, o galo não veio me receber, ou melhor, me devolver pra rua. Ele simplesmente desapareceu deixando apenas os riscos no chão.
A vovó falou então que ele tinha ido morar noutro quintal para descansar, num sitio bem longe dali e que em breve íamos visita-lo. Esse em breve nunca aconteceu. A principio fiquei feliz, não seria mais perseguida. depois de um tempo sem ele, e u me senti  meio que traída, como se ele tivesse esquecido de mim... será que era porque eu tinha crescido tão rápido sem avisar?
Hoje crescida, ainda lembro do galo corredor. Jamais perguntei na minha fase adulta o que tinha realmente acontecido com ele. Na época a história da vovó tinha me acalentado. Só com o tempo é que confessei a mim mesmo que as corridas, os tombos, as cicatrizes que ele me deixou nas pernas,  as gargalhadas realmente até hoje me fazem falta. Que fim será que deram no galo corredor? Foi a pergunta que fez minha filha, com os olhos brilhantes de curiosidade quando contei essa estória verídica dos tempos da vovó. Imediatamente, ela  pegou a a caneta e e se apossou do sonho meu de criança, que estava adormecido
Railda
Enviado por Railda em 09/09/2012
Reeditado em 16/02/2015
Código do texto: T3873258
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