Bicicleta minha não anda.


Todo domingo, após a missa dominical, Lucinha dirigia-se para a loja de brinquedos que ficava ao lado da Igreja Matriz da pequena cidade onde morava com a sua família.Ali, ela ficava longo tempo diante da vitrine, apreciando o seu brinquedo predileto. Uma bicicleta cor-de-rosa sorria e parecia aguardar por ela, pois permanecia ali a bastante tempo. Ninguém parecia notá-la,além de Lucinha..
Num domingo, a mãe vendo a filha parada em frente à vitrine da loja, perguntou:
- O que você tanto olha filha? Tem algum brinquedo que você gostaria de ganhar?
Lucinha respirou fundo e emocionada, indicou para a bicicleta cor-de-rosa. Mas ao ver a expressão triste no rosto da mãe, concluiu que seus pais jamais teriam condições de presenteá-la com uma bicicleta cor-de-rosa. O assunto morreu ali.
Muitas vezes, durante o sono, Lucinha sonhava com a bicicleta e em seus sonhos, ela a levava para passear por todos os lugares desejados.
Certo dia, Lucinha estava sentada perto de um monte de sucata jogada embaixo de um pé de laranjeira. Começou a prestar atenção nas peças que haviam sido jogadas ali ,para depois, serem vendidas ao ferro velho. De repente, descobriu uma roda em meio ao monte de sucata. Logo sua imaginação cresceu e a bicicleta começou a tomar forma na sua mente. Novamente a bicicleta cor-de-rosa sorria para ela.
Depois de algum tempo ,concluiu que ela mesma construiria a sua bicicleta. Se dependesse dos seus pais, jamais teria uma bicicleta. Iniciou então o seu projeto. Resgatou o formato da bicicleta na sua mente e fez um levantamento da quantidade de peças que precisaria para montá-la.
Olhou mais uma vez para a pilha de sucata. Uma das rodas de que precisava estava bem diante dela. Com alguma dificuldade retirou a pesada roda de ferro entre o ferro velho. Agora só faltava a outra roda. Toda bicicleta tinha pelo menos duas rodas.
Para Lucinha não foi nada fácil encontrar a outra roda. Procurou por todos os cantos dos galpões do sítio até encontrá-la. Bom, ela tinha dentes, mas era uma roda, pensou Lucinha.
O guidão foi a peça que a seguir chamou sua atenção. Voltou ao depósito de sucata do seu pai e procurou uma peça que para ela era um guidão. Deu-se por satisfeita quando encontrou um velho torno com cabo de madeira.
Sentou-se no chão e analisou as peças encontradas. Ia pensar na próxima peça, quando Gertrudes, sua irmã mais velha, perguntou o que ela fazia ali, cercada por ferros velhos.
Lucinha apenas sorriu e : - Segredo, é um segredo... Não posso contar...
Gertrudes afastou-se do lugar sem dar importância ao fato da irmã permanecer ali sentada, analisando aquelas peças velhas. Lucinha logo descobriu que precisava de um selim. E mais uma vez foi a caça do assento para a sua bicicleta. Procurou, procurou muito até desistir. Ali no sítio não encontraria assento de bicicleta velho porque jamais houvera bicicleta por lá.
Lucinha era muito hábil com madeira e foi assim que modelou com um serrote e um pedaço de madeira, o selim para a sua bicicleta e retornou para o lugar onde havia deixado as demais peças. Colocou-as uma ao lado da outra e bem depressa descobriu mais uma peça que faltava. Imaginaram uma bicicleta sem pedal?
E partiu outra vez à procura dos pedais. Voltou ao monte de ferro velho e antes que pudesse definir o que usaria como pedais, apareceu um pedal a sua frente. Era uma peça que pertencera ao antigo debulhador de milho manual e devia servir de pedal. Só tinha um problema: Toda bicicleta precisava de dois pedais. E mais uma vez revistou os cantos mais secretos do sítio. Já ia desistindo, quando o debulhador de milho novo apareceu a sua frente. Será que o pai ficaria muito zangado se ela tirasse o pedal do debulhador?
Antes que a imagem zangada dele aparecesse a sua frente, retirou o parafuso que atrelava o pedal ao debulhador e saiu do galpão, assobiando satisfeita.
Já havia reunido as duas rodas, o guidão, o assento e agora tinha os dois pedais.Tentou montar a bicicleta mas as peças estavam soltas. Faltava alguma coisa. Pensou, pensou e finalmente , lembrou-se da correia que ligava as duas rodas. E mais uma vez saiu à procura de uma correia. Não custou muito para encontrá-la. Era de borracha e deveria ter pertencido a um dos motores do sítio.
Voltou para junto das peças encontradas. Tentou ajeitar a correia entre as duas rodas mas assim que ela encostava numa delas, ambas desabavam ao chão.
Escureceu e Lucinha ainda tentava desvendar o mistério sobre as peças restantes para a sua bicicleta. Estava distraída, quando escutou uma voz meio distante. Era o seu pai: - Luci, já recolheu os ovos? Já fez os gravetos para o fogão à lenha? – E a voz foi se distanciando...
Lucinha só se deu conta de que havia escurecido, quando deparou com a noite a sua volta. O que o pai havia lhe perguntado? Tentou organizar as ideias e ver quais eram as suas tarefas naquela tarde. Num instante depois, ela saiu correndo em direção ao galinheiro.
As galinhas já se encontravam todas empoleiradas dentro do galinheiro. Tinham passado o dia ciscando pelo sítio e com o cair da noite, haviam se recolhido para dormir no galinheiro.
Depressa, ela recolheu os ovos. Como não encontrara o cesto de ovos, usou o vestidinho rodado como cesto. Ia saindo apressada da casinha que servia de depósito de comida , quando escutou outra voz. Desta vez era a sua irmã Gertrudes: - Onde estão os gravetos? O pai já vai chegar para tomar o seu banho e eu ainda não consegui acender o fogo... – E continuou: - Luci, os gravetos...
Lucinha saiu tateando no meio da escuridão dentro do pomar, atrás de galhinhos secos. Ainda bem que não era um daqueles dias úmidos. Se fosse, teria que pegar torras de madeira seca no galpão e transformá-las em finas lascas com o machado.
Após deixar os gravetos na cozinha, saiu correndo outra vez ao galinheiro. Desta vez, para trancar a portinha, impedindo que algum gambá invadisse o galinheiro durante a noite para abocanhar algumas das galinhas do sítio.
Quando chegava perto da casa, escutou o pai dizendo:
- Não sei o que a Luci está aprontando desta vez. Já escureceu e esta menina ainda está fora de casa.
Mais que depressa , Lucinha respondeu: - Fui fechar o galinheiro... O seu Fritz disse que na noite passada sumiram várias galinhas do galinheiro dele...
O pai tomou-a no colo e abraçando-a perguntou: - É só isto mesmo ? Então vai tomar o teu banho que a água ainda deve estar quente na bica.




No dia seguinte, assim que acabou de almoçar, Lucinha sumiu outra vez. Precisava descobrir uma maneira de fazer a sua bicicleta andar. Na escola, a professora chamara a sua atenção por diversas vezes. Simplesmente não conseguia pensar noutra coisa que não fosse o seu projeto.
Depois de muito pensar, decidiu ir até a casa do Paulinho que ficava perto de sua casa. Precisava dar uma olhada na bicicleta dele e descobrir quais as peças que ainda faltavam para montar a sua .
Encontrava-se bastante desanimada ao retornar para casa. Faltavam ainda muitas peças importantes para que a sua bicicleta andasse. Faltavam parafusos e arruelas. Eixo para dar sustentação às rodas e fazer o corpo .
Procurou por longo tempo pelo sítio atrás das peças. Depois de muito procurar, encontrou um pedaço de ferro parecido com eixo, mas faltavam os buracos para enfiar os parafusos. Nada encaixava. Tentou por diversas vezes colocar a bicicleta em pé, mas alguma peça sempre se desequilibrava e tudo caia ao chão.
Após pensar muito, Lucinha concluiu que a sua bicicleta seria apenas uma bicicleta para ser vista e não para ser montada. Decidiu então montá-la encostada numa das paredes do galpão. Ali, ela ficaria e cada vez que tivesse vontade de pedalar, iria olhar para ela e com os olhos fechados, imaginaria viagens fabulosas em companhia de sua bicicleta.
Todas as tardes, depois do almoço, Lucinha corria até o galpão e sentada sobre um saco de aniagem colocado em frente a sua bicicleta , ela viajava para longe. Pedalava muito em seus sonhos e todo o dia conhecia novos lugares e pessoas.
Um dia, Lucinha estava sentada no seu lugar de costume com os olhos fechados. Viajou para muito longe. Pedalou muito e quando cansou de tanto pedalar, ela deitou-se sobre o saco e adormeceu. Quando acordou e abriu os olhos, lá estava parada a bicicleta cor-de-rosa dos seus sonhos. No lugar das velhas peças enferrujadas, havia uma linda bicicleta cor-de-rosa, igual a da loja de brinquedos.
A emoção foi tanta que ela saiu correndo em direção à casa gritando: - Milagre...Milagre... Papai do céu ouviu as minhas preces...
No mesmo instante, escutou vozes cantando em coro: - Parabéns para você Lucinha...
Sem dúvida, este foi um dos dias mais felizes da infância de Lucinha.


F I M


Escrito por Cristawein

 
Cristawein
Enviado por Cristawein em 29/08/2012
Reeditado em 27/10/2014
Código do texto: T3855687
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