4.O Garnisé e a Galinha D'angola - "O bicho homem"

O vento soprava suave naquela tarde. O galinho Garnisé, Nana d'angola e o rato Ranoi

acompanhavam o percurso do rio. Ranói girava a cauda com uma das mãos enquanto a outra coçava a barriga e ia dizendo:

-É...tudo muito diferente.Quando eu era pequeno, galinho, cheguei a andar por estas bandas.

O galinho, todo curioso olhava tudo, até onde os olhos alcançavam.Tudo o que conhecia até aquele momento, restringia-se ao que existia no galinheiro onde morou e ao espaço em que viveu com Nana do lado de fora do galinheiro.

-Jura?E como era então?

- As árvores eram mais altas e tinha mais frutinhas no chão, tinha muitos outros vivendo por aqui. Galinhas, ratos, passaros, esquilos, tatus... Agora, isso aqui está muito silencioso, sem aquela agitação de antes.

-E pra onde foram Ranói?

- Sei lá! Talvez tenham feito como eu e foram pra cidade. Lá é bem mais fácil encontrar comida, encontrar abrigo e se esconder. E depois, as cobras, essas comedoras de ratos -disse baixinho temendo que alguma o ouvisse - Não conseguem morar na cidade dos homens, porque até eles têm medo delas.

Nana, apontou para uma toca vazia e disse:

- Alguns não resistiram às mudanças e morreram, outros foram caçados pelos homens e aprisionados ou servidos numa refeição. Nós, os bichos sempre levamos a pior, quando o homem age como se fosse dono de tudo.

- Eu até que gosto deles... Disse Ranói com certo ar de satisfação. É só ir na beira do rio, que lá está pão, biscoito,bolacha, restos de comida, garrafas, papel, pneus e tudo o que um rato precisa pra ser feliz e constituir família, mas nem um rato como eu quer ser feliz às custas do sofrimento dos outros. Bom mesmo, seria se todos vivessem bem sem prejudicar ninguém.

- Pois é...Uma capivara que morava também lá perto do galinheiro, me disse que muitos animais nem existem mais, morreram todos!Aliás, foi por isso que ela se mudou de lá, quando o homem fez sua casa próxima do rio, cortou as árvores... teve medo, por causa de seus filhotes. Disse Nana, soltando um triste " tô fraca".

Garnizeca ouvia e pensava, ser livre também não é fácil!

- Nana, então os tais homens são um perigo! Se entendi bem, eles não respeitam nossa casa e muito menos nossa liberdade. Nos obrigam a mudar para a cidade ou morrer de fome...Eles são maus.

- Nada disso Garnizeca! Disse Nana.

- De certa forma, eles são como nós, querem sobreviver, só que como são inteligentes para construir coisas como máquinas e ferramentas que lhes facilitam caçar, morar e se defender, perderam a mão da coisa...

Ranói e Garnizeca se entreolharam e perguntaram juntos:

- Como assim?

- Eu, por exemplo. Com meu bico, pego umas 3 ou 4 minhocas para o café da manhã. Se eu tivesse uma ferramenta que me permitisse pegar 10 minhocas, porque eu pegaria apenas 3?

-Porque você só precisa de três ué...E depois, pegando só as três que você precisa, sobram outras sete para outras galinhas. Não é o certo? Questionou o galinho, enquanto Ranói ainda tentava entender.

- É, seria o certo, mas eu agiria assim e outras não. Mais cedo ou mais tarde, algums passariam fome, enquanto outras teriam minhocas guardadas...E essas, com minhocas guardadas teriam um certo poder sobre as outras, entende?

- Acho que entendi. Então, o homem é inteligente e sua inteligência serve para fazer coisas que possam colocar outros da mesma espécie sob seu domínio e quanto mais têm, mais querem, por isso nós, os bichos não significamos nada para eles...

- Isso de uns ter muito e outros ter quase nada, já vi muito na cidade... Disse Ranói.

- Eu é que não queria ser tão inteligente assim! disse o galinho.

- Ora essa, Garnizeca, o problema não é a inteligência, mas o que fizeram com ela.Na natureza, tudo tem inteligência, até as plantas. Um bom exemplo disso, é o girassol que para amadurecer as sementes que estão em sua flor, giram em busca do sol. É verdade que é uma inteligência diferente, mas é inteligência. Nós, os bichos fazemos as coisas mas não sabemos porque fazemos, fazemos e pronto. É o que chamam de instinto.

- Os bichos são bons e homens maus? Perguntou Ranói.

- Não é bem assim... Você mesmo disse que foge de cobras, porque elas comem ratos.As cobras são más?

- São! Afirmou com convicção e uma tremedinha nas pernas, Ranói.

- Não, não são. Todos nós estamos programados pela natureza, para que tudo fique equilibradinho, dentro do espaço que vivemos.

- Então, se cobras podem comer ratos, os homens podem matar bichos?

- Não, Ranói. O que Nana quis dizer é que o homem não age para sobreviver, como nós os bichos que caçamos só para nos alimentar, convivemos sem muros e só atacamos para nos defender. O homem, apesar de ser um animal, não é mais um bicho e a forma como agem, ao invés de contribuir para o equilíbrio da natureza, desequilibra tudo! Pensando bem, acho que nem eles sabem o que são...Estão tão confusos que andam pensando que são donos de tudo mesmo...

- Resumiu bem, Garnizeca! disse Nana.

De repente, viram descer o rio um barquinho com algumas crianças dentro. Uma com um saco na mão e a outra, com uma rede recolhia o lixo que flutuava na margem. Ficaram parados observando, quando passou por eles, correndo uma menininha com um saquinho na mão, sem lhes dar atenção. Ela foi na beira do rio, desfez o nó do saquinho e depejou alguns peixes e ficou ali acenando para as crianças do barco e sorrindo.

Os três, foram mais para perto da margem para ver o barco descer o rio e ficaram surpresos em ver crianças surgindo e jogando sementes, colocando outros peixinhos no rio e recolhendo o lixo que tivesse ao alcance. Naquele momento, só as vozes e os risos das crianças se ouvia, quando então o garnisé perguntou:

- Nana, você conhece a cidade? Esses humanos aí, não me parecem malvados...

Nana riu.

- E não são...

- Lembra-se que te disse uma vez que aprender, nos ensina escolher sobre o que é bom e ruim e o que é certo e errado?

- Você também me disse isso! Se empolgou Ranói.

- Então meninos, os homens estão aprendendo, estão aprendendo...

Sorriram e continuaram descendo, acompanhando o rio.

Naquele dia, Garnizeca e Ranói, descobriram que liberdade exige responsabilidade com os outros também, que ser inteligente é prestar atenção ao que acontece à nossa volta, mas principalmente que não importa o tamanho que se tem, o que importa é ter grandes atitudes para promover o que é bom para todos.

Elicia Dock Holtz
Enviado por Elicia Dock Holtz em 10/08/2012
Reeditado em 15/08/2012
Código do texto: T3823600
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