** VOVÔ 111 ** Antonio Cabral Filho * http://blogdopoetacabral.blogspot.com.br/p/cronicas-do-suassui-antonio-cabral.html

Vovô trocou o reino da cegonha pelo nosso em 12 de agosto de 1890, e já chegou espruvitado, deixando a parteira em polvorosa.

Bem cedo, aprendeu a arte de desenrolar o fio da meada e, segundo os mais velhos, nunca se deixou ser posto no bolso.

Viveu intensamente a virada do século, e, segundo ele, na virada pra 1900, muita gente enlouqueceu, famílias desintegraram-se, traições foram cobradas a bala, galo cantou fora de hora e os lobos uivaram enamorados com a lua mesmo sem ser cheia.

Diz ele que passou o pico da meia-noite embaixo do pé de guiné, que livrou-o do feitiço da "hora derradeira".

No dia primeiro de janeiro de 2001, perguntei-lhe: Vô, como é virar o milênio?

- É o mesmo que olhar p'a dentro da cacimba.

Após o almoço, Vô adormeceu em sua rede, onde tirava a sesta sempre à tardinha, com vários bisnetos brincando ao seu redor na varanda de sua casa. Deram com ele morto quando foram chamá-lo para o jantar, em plena hora do Ângelus.

Deve ser o mais novo contador de causos pra Nosso Senhor, porque segundo ele, quanto mais envelhecemos, mais nos tornamos criança, e seus cento e onze anos devem ser criancice a dar com o pau.

Antonio Cabral Filho
Enviado por Antonio Cabral Filho em 08/07/2012
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