Vizinho Estranho

Eu morava em uma rua normal, de uma cidade normal, de um mundo? Não normal. Certo dia, quando a casa vizinha ao lado – uma casa esquisita, com um pequeno jardim na frente, mal cuidado, que mais parecia uma selva -, foi vendida e, novos moradores viriam. Achei aquela noticia ótima, pois eu pensei que talvez, os novos vizinhos teriam filhos com os quais eu pudesse brincar. Mas, não foi nada disso. Não eram os vizinhos, e sim o vizinho. Não tinha filhos, nem mesmo esposa ele tinha.

Nesse dia, o dia que o vizinho chegou com a mudança, eu estava brincando com meus bonecos heróis de batalha perto da cerca. Quando ele chegou com seu carro e, começou a retirar dele algumas caixas do porta-malas e dos bancos de trás e frente dos passageiros. Fiquei espiando por entres os espaços da cerquinha, enquanto ele descarregava, e saia com o carro e voltava com mais caixas. Certamente, ele não conseguira arrumar um caminhão ou um carro maior para carregar suas coisas, eu pensei.

Cansado de espiá-lo, voltei a brincar com os meus bonecos, quando de repente ouvi um barulho de algo caindo. Seguido de um monte de palavras que o vizinho resmungou, algumas palavras, que minha mãe proibia que eu as dissesse e, outras que ele disse que nem eu conhecia. Mas, eu sabia que também deveria ser proibido dizê-las. Olhei de novo pelo buraco da cerca. Era uma caixa que cairá no chão, e ele estava recolhendo algumas coisas que espalhara pelo mesmo. Tentei ver o rosto dele, antes não o vi, pois ele estava de boné, mas agora não. Acho que ele jogou o boné no chão no momento em que proferiu aquelas palavras, você sabe, aquelas que eram proibida eu dizer incluindo também as novas que eu aprendera naquele dia. Contudo, mesmo sem o boné não consegui ver o rosto dele, o sol das 10 e meia fez o favor de criar uma sombra e, escurecer o rosto dele.

No momento em que ele recolheu a ultima coisa no chão, olhou para minha direção, ainda com o rosto escuro, parecia que ele tinha me visto e ficado bravo, ou podia ter sido só a minha imaginação mesmo. Depois disso, ele voltou sua atenção para a caixa e eu engoli a seco, voltando a respirar novamente. Vi o mundo escurecer, nesse instante. Era uma nuvem negra carregada de água, como minha mãe dizia, que atravessava o sol. Olhei mais uma vez pelo buraco, era a minha chance de ver o rosto dele. Porem, ele colocara o boné na mesma hora, escondendo o rosto novamente. Depois ele entrou, carregando a ultima caixa. Não o vi mais o dia todo, depois disso.

No outro dia, percebi, para minha sorte, e azar também, que a janela do meu quarto dava direto para outra janela de vidro na casa dele. O que também deveria ser um quarto. A minha janela tinha uma persiana, que estava fechada. Aberta mesmo só entre os meus dedos, ela era ótima para ver sem ser visto. Bem, era o que eu achava. No período da manhã, vi varias movimentações naquele cômodo. Ainda não tinha visto o rosto dele, pois ele não havia ido nenhuma vez até a janela. Quando estava me cansando de observá-lo, o vi se aproximando da janela, claro, foquei minha visão no rosto dele. Era um cara, novo, aparentava ter uns 25 anos, mais ou menos. Ele tinha uma barba que cobria os dois lados do seu rosto, mais não tinha bigode. Sua expressão, não era nem de mal, nem de bom.

Voltei meus olhos para o corpo dele. O homem estava usando uma camisa branca, que quando notei bem o que tinha nela, me afastei da janela num pulo, assustado. Sua camisa tinha marcas de sangue, pelo meio e, na parte da manga direita. Meu coração desacelerou um pouco. Tomei coragem, respirei, e olhei de novo pela persiana. Sua mão direita também tinha sangue. Ele respirou um pouco mais de ar puro. Coçou o nariz, com a mão direita, começando do dedo indicador até perto do punho. Ele notou que tinha sujado o nariz de sangue, quando reparou na mão. Entretanto, pareceu não se importar com aquilo, pois, limpou a mão na camisa, e saiu de perto da janela. Como se não se importasse com nada daquilo.

Sai de perto da janela, e me sentei na cama ainda meio assustado. Pensei em sair correndo e contar tudo a minha mãe. Mas, para quê? Perguntei-me. Ela nunca iria acreditar em mim, desde a vez que eu disse que vi um dos vizinhos da frente jogar um saco que se mexia dentro da lixeira. Ela achou aquilo um absurdo e me proibiu de assistir os filmes de terror do me pai. Os quais eu gostava muito. Agora eu estava deitado na cama, pensando. Já que ninguém acreditaria naquilo, então, deveria, de alguma maneira, encontrar provas que provassem que eu estava dizendo a verdade. Mas como? Pensei. O único lugar onde poderia encontrar tais provas seria dentro da casa dele. Então, estava resolvido, disse se levantando num supetão. Eu iria mesmo entrar na casa dele.

Depois, de almoçar e assistir aos meus desenhos fui para o quarto, arquitetar meu plano. Não foi fácil, durante dias fiquei o observando e anotando os horários em que ele saia de casa e voltava. Eu já estava obcecado por aquilo, para mim tudo aquilo era uma grande aventura, e perigosa por sinal. O que a deixava ainda mais emocionante. Eu o espiava pela a minha janela e também pelo o buraco na cerca. Era estranho, às vezes, era como ele percebesse que estava sendo observado. Visto que ele parava, e observava para os lados. E isso o deixava ainda mais suspeito, na minha opinião.

O vizinho saia algumas vezes durante o dia. Às vezes trazia sacolas com latas, e em outras, levava alguns objetos cobertos por lençóis brancos. Objetos esses, que ele manuseava com extremo cuidado, eu achava. Em uma dessas saídas, resolvi tentar entrar na casa dele. Não era uma tarefa difícil, já que ele colocava as suas chaves dentro de um jarro com uma planta que ficava suspensa ao lado da porta. Olhei para os lados, e para a minha casa ao meu lado. E pulei a cerquinha. Andei por aquele jardim na frente da casa dele, que era feio, e parecia uma selva. E cheguei ate a porta. Consegui pegar as chaves entre pulos, e isso me fez pensar o quanto eu era baixo para um garoto de 8 anos. Destranquei a porta. Virei à maçaneta, e engoli a seco, antes de entrar.

Eu tinha que ser rápido, porque as saídas do vizinho não costumavam demorar mais que 20 minutos. Já dentro da sala, observei. Nada de anormal. Fui até a cozinha, a mesma coisa, normal. “Ah, o quarto”, murmurei. E comecei a subir a escada que levava aos quartos. Meu coração estava acelerado. “Minha adrenalina deve estar a mil”, Pensei. Mesmo não sabendo o que era adrenalina. No corredor dos quartos, mais daqueles objetos, retangulares, coberto por lençóis brancos. Não os descobrir, queria encontrar provas de que o vizinho era um maníaco assassino. Havia apenas três portas, no corredor, dois quartos e um banheiro. Abrir a primeira porta, era o mesmo quarto que eu via da minha casa. O que tinha dentro dele? Bem, quase nada. Apenas, latas que eu vi serem de tintas e mais daqueles objetos retangulares, que vi serem apenas quadros.

Havia muitos quadros nas paredes, e sobre o chão. Quadros prontos e outros inacabados. E muita, muita tinta mesmo por todos os cantos, inclusive no chão. Até mesmo tinta vermelha a qual pensei ser sangue, quando vi na camisa dele. Afinal de contas, o vizinho não era um maníaco assassino, e sim um artista, um pintor.