O TERCEIRO HÓSPEDE

O TERCEIRO HÓSPEDE

(Folklore mexicano, recolhido por B. Traven)

(versão poética de William Lagos, 15/12/11)

O TERCEIRO HÓSPEDE I

No velho México, há uns duzentos anos,

habitava um pobre e triste lenhador,

que se esforçava no seu árduo labor.

Todos os dias até a noite trabalhava

e lá no fundo das matas procurava

as árvores caídas, sem enganos,

cuja madeira já se achava ressequida

e com machete era fácil de cortar,

sem precisar em demasia se esforçar.

Nunca pudera um machado adquirir:

aquela lâmina de aço, a reluzir,

custar-lhe-ia muitos meses de sua vida.

De fato, por muito tempo só pudera

catar os galhos secos e vender

os grandes feixes que podia entretecer

com as lianas encontradas pela mata,

porém um dia, enquanto andava à cata,

vira o facão que alguém por lá perdera.

O TERCEIRO HÓSPEDE II

De certo modo, fora preservada

a lâmina de aço, sem ferrugem,

o cabo desfizera-se em penugem...

Mas com uma navalha, foi serrando

um galho rijo e um cabo afeiçoando,

sua vida desde então facilitada.

O lenhador, cujo nome era Macário,

teve sua obra bem depressa melhorada,

muito mais lenha logo era cortada...

Ele dispunha de uma pedra de amolar,

que achara, pela estrada a caminhar:

servia bem para seu uso diário.

Ele afiava o machete com carinho,

a lâmina brilhando pouco a pouco,

pois se esfalfava no trabalho feito louco.

Prendeu o cabo firme com embira,

trançada bem, amarrada como tira,

mas a lâmina cedia ainda um pouquinho...

O TERCEIRO HÓSPEDE III

Então Macário encontrou um galho duro,

mas de haste bem fina e foi serrando:

fez dois tarugos e depois foi empurrando

nos buracos em que um dia houvera pregos

e no cabo que cortara, abriu dois regos,

enfiando uma cavilha em cada furo,

para cortar depois, pacientemente,

de cada lado, a ponta que sobrara;

fizera inchar o pedaço que ficara,

pondo-lhe água até ficar bem preso,

deixando o cabo perfeitamente teso

e capaz de aguentar golpe potente.

Foi desse modo que Macário conseguiu

um excelente instrumento de trabalho,

com que podia cortar um grosso galho

e aumentou suas cargas, bem contente,

vendendo, por um preço diferente,

cada acha grossa que agora produzia...

O TERCEIRO HÓSPEDE IV

Mas embora sua renda melhorasse,

seus filhos aumentaram mais depressa:

teve dez, teve doze; e depois dessa,

procurou ficar longe da mulher:

não poderia sustentar, com seu mister,

mais nenhum filho que ela lhe gerasse.

Todos os dias comia raízes e frutinhas

e fizera uma vasilha de taquara,

comprida e grossa, carregada numa vara,

que de água enchia; e assim, a toda hora,

a fome se enganava e ia embora,

enquanto mastigava umas folhinhas.

E às vezes, conseguia roubar mel,

enxotando as abelhas da colmeia,

que levava para a esposa, Rosicleia,

com as frutas que pudesse carregar,

e que seus filhos vinham logo disputar,

breve consolo para o amargor de fel...

O TERCEIRO HÓSPEDE V

Já em casa, depois de se banhar,

ia sentar-se, finalmente, à mesa.

Sua mulher lhe servia, com certeza,

uma tigela de batatas com feijão,

mas via os filhos e só de compaixão,

a maior parte acabava por lhes dar.

E enquanto as crianças disputavam

e a mulher o olhava, consternada,

ele fazia uma prece apaixonada:

“Ai, meu Deus, eu queria só pra mim

um peru inteiro, para comer assim,

sem precisar dividir com os que me olhavam!”

Depois, ia dormir, louco de fome,

mas o ditado diz: “Quem dorme, janta...”

E antes da hora em que passarinho canta,

vai ele encher no poço sua taquara,

prender ao cinto o facão por uma apara,

e logo, logo, pela mata some...

O TERCEIRO HÓSPEDE VI

E a história se repete, diariamente:

ele traz o quanto pode para casa,

mas a panela fica sempre rasa...

A comida nunca chega para tantos

e ele lenha, por trancos e barrancos,

dando o dinheiro a Rosicleia inteiramente.

Mas na hora de comer, a criançada,

que comeu pouco e ainda está faminta,

nada lhe pede, mas fazem que ele sinta,

com a força de seus olhos esgazeados

e ele cede sua tigela aos esfomeados,

comendo muito pouco ou quase nada!

E sempre ergue seus braços para o céu:

“Ai, meu Deus, eu queria só pra mim

um peru inteiro, para comer assim!...”

Logo em seguida, se joga a ressonar,

a fome adiando, sem poder matar,

nessa tristeza que o envolve como um véu.

O TERCEIRO HÓSPEDE VII

Um dia, ao acordar de madrugada,

Sentiu um cheiro de peru assado,

Mas a seguir se virou para o outro lado...

É só um sonho bom... fica a pensar.

Pouco depois, quando vai levantar,

chega sua esposa, com jeito de cansada

e lhe entrega alguma coisa bem pesada,

envolta numa toalha: “Vai embora,

antes que acordem as crianças nesta hora.”

“Este é o peru que tanto desejavas:

eu fui juntando o dinheiro que me davas,

come-o inteiro e não deixes dele nada...”

“Mas e tu, não comes um pedaço?”

“Se eu tirar, não será um peru inteiro.

Eu me esforcei e levantei primeiro...”

“Quero que o comas todo, integralmente.

Há muitos anos quero dar-te este presente:

vai comer, com meu amor e meu abraço!...”

O TERCEIRO HÓSPEDE VIII

“Mas, e as crianças?” perguntou Macário.

“É teu trabalho que lhes dá comida;

é muito justo, que uma vez na vida,

possas comer o teu peru inteiro.

Mas agora, pega logo e sai ligeiro,

tens de cumprir o teu labor diário...”

Macário agradeceu, profusamente,

e despediu-se da esposa, com um beijo.

Andava rápido, movido por desejo...

O peru estava quente no seu braço:

“Ah, comeria, sem deixar um traço!

O seu estômago cheio, finalmente!...

Assim pensando, se embrenhou no mato,

até chegar à clareira, muito urgente,

em que estava trabalhando, ultimamente.

O seu peru pendurou firme num galho

e passou toda a manhã no seu trabalho,

água na boca, pelo peru em seu prato!

O TERCEIRO HÓSPEDE IX

Depois, lavou-se na água do riacho

e então sentou-se para abrir sua toalha:

o alimento recompensa a quem trabalha...

Ficou sentindo o cheiro delicioso.

Nunca vira peru assado mais formoso:

Nem no espeto, nem no forno e nem no tacho!

Examinou seu peru, antegozando

o sabor de sua carne e seu tutano,

para guardar na lembrança mais de ano.

Ergueu as mãos para dar graças a Deus,

que cedo ou tarde ajuda os que são seus

e com uma folha foi a lâmina limpando.

Mas no momento em que ia dar-lhe um talho,

apareceu perante ele um peregrino,

blusa branca de peão, seu rosto fino...

E lhe pediu, bastante meigamente:

“Meu amigo, corro a terra diariamente:

dê-me um pedaço de peru por meu trabalho...”

O TERCEIRO HÓSPEDE X

Macário logo viu não ser qualquer

o viajante que surgira de repente:

era o próprio Jesus, ali presente.

Descia à Terra, para fazer o bem

e que decerto auxiliara também,

na compra do peru, a sua mulher...

Andava esfarrapado e quase nu

e parecia estar com fome, realmente,

mas Macário não estava complacente.

“Para eu poder comer esta ave inteira,

minha esposa se esfalfou, trabalhadeira:

não posso dar-lhe um pedaço do peru!”

El Peregrino suspirou de compaixão:

“Está certo, meu amigo, passe bem,

que algumas frutas eu acharei, também.”

“Dou-lhe minha bênção e todo o meu carinho;

Aproveite o seu peru; não sou mesquinho.”

E deu-lhe as costas, em comiseração.

O TERCEIRO HÓSPEDE XI

Sentiu algum remorso o lenhador,

mas Rosicleia se esforçara tanto!

Podia ver-lhe as lágrimas de pranto,

quando lhe pode entregar o seu presente

e como ele ficaria indiferente?

Preparara-lhe o peru com tanto amor!

Ergueu os braços para a Deus agradecer

e levantou bem depressa o seu facão...

Mas uma sombra lhe cobriu a mão!...

Ergueu os olhos, cheio de surpresa:

chegara outro, de oposta natureza,

bem alto e magro, de estranho parecer...

Como a de um Charro era sua vestimenta:

um salteador, que percorria a Terra,

todo de negro, vestido para a guerra,

moedas lhe pendiam do chapéu

e bem depressa, dissipou-se o véu:

era o diabo, que todo o cristão tenta!

O TERCEIRO HÓSPEDE XII

“Estou com fome, meu querido amigo,

dê-me um pedaço desse seu peru!”

Macário percebeu-lhe o olhar cru,

sua maldade refletida em ameaça,

porém julgou possuir de Deus a graça

e não mostrou temor ao inimigo...

“Lamento muito, mas vai-me desculpar;

minha esposa passou a noite cozinhando,

para eu comer sozinho se esforçando.”

“Não reparti com ela ou com meus filhos:

volte depressa a seus estranhos trilhos,

pois nem um pedacinho vou-lhe dar!...”

El Charro praguejou e foi-se embora,

ameaçando fazer-lhe grande mal.

Sabia Macário que tal ser infernal

só poderia vencê-lo em tentação

e com fervor, dirigiu nova oração

para que os céus o protegessem nessa hora!

O TERCEIRO HÓSPEDE XIII

Mas no momento em que o peru ia partir,

uma terceira figura apareceu

que, num relance, logo conheceu,

com sua sotaina negra e sua gadanha,

que mil vidas cortara na sua sanha,

que ele era a Morte pode logo deduzir!...

“Eu sou El Magro,” disse-lhe a figura.

“Vai querer dar-me um pedaço de peru?”

A gula lhe marcava o rosto nu

e Macário já não podia recusar,

porque, no mínimo, poderia adiar,

por algum tempo, sua morte já segura...

“Pois venha, então, para me acompanhar,”

falou o lenhador, logo em seguida.

Se ele morresse, quem daria comida

a tantas bocas que em casa o aguardavam?

E logo todos dois se banqueteavam,

cada um a sua metade a mastigar...

O TERCEIRO HÓSPEDE XIV

Meio peru, na verdade, lhe bastou:

seu estômago era pequeno e encolhido

e a ave inteira nem teria comido

e alegrou-se seu estranho companheiro,

após comerem os dois peru inteiro

e na sotaina as mãos ele limpou...

“Há muitos séculos não comia tão bem!

Vocês, humanos, me tratam muito mal.

Que tenham medo de mim, é natural,

pois nunca sabem o que espera do outro lado;

cada um teme o castigo do pecado

e muitos deles têm razão também!...”

“Porém você tratou-me hoje diferente.

Para você, morrer seria descanso,

de mim seu medo realmente é manso...”

“É por seus filhos sua preocupação

e só por isso, vou mostrar-lhe compaixão

e lhe darei um tesouro bem potente!”

O TERCEIRO HÓSPEDE XV

“Dê-me a taquara em que guarda sua água!”

Macário obedeceu, sem nem pensar.

De um só trago viu El Magro a esvaziar.

Podia enchê-la no riacho, facilmente,

mas o outro tinha intenção bem diferente

e o contemplou com expressão de mágoa.

“Vai-me levar ao Paraíso, em recompensa?

E quem irá cuidar de minha mulher

e de meus filhos, sem este meu mister?”

“Ou quem fazer com que morram de fome?

São jovens vidas que você mais come!...”

Disse-lhe El Magro: “Não é o que você pensa.”

E levantou-se, batendo com o pé,

aqui e ali e pelo chão cuspindo...

Macário persignou-se. Estava findo

Esse breve adiamento que alcançara;

pensava ver que El Magro se zangara

e encomendou-se a Deus, com muita fé.

O TERCEIRO HÓSPEDE XVI

Mas de repente, viu quando jorrou

uma fonte na clareira, de água pura:

nela inclinou-se a estranha criatura

e sua taquara encheu inteiramente.

A fonte cessou de fluir, incontinenti!

E o viajante para ele retornou.

“Nem toda morte tem de ser obrigatória,”

disse ele, com os olhos reluzindo.

“Eu sei que poucas vezes sou bem-vindo.”

“Sempre apareço em caso de doença

e dependendo do poder da crença,

as almas levo para o Inferno ou a Glória!”

“Mas agora, eu lhe dou a Água da Vida!

Caso me encontre postado à cabeceira,

a morte da pessoa é bem certeira...”

“Mas se estiver aos pés, eu posso adiar:

basta uma gota e posso me afastar

e conceder-lhe uma certa sobrevida...”

O TERCEIRO HÓSPEDE XVII

“Porém da água se aproveite bem,

que é quanto lhe darei por seu peru.

Só você poderá ver-me a olho nu.”

“Se me encontrar parado aos pés da cama,

num copo uma só gota se derrama.

Encha depois com mais água também.”

“Pois quem bebê-la, logo sarará!

Mas veja bem onde está seu benefício:

nunca cobre, porque será um vício!...”

“Porém todos presentes lhe darão

e à porta de sua casa lhos trarão

e facilmente, você enriquecerá...”

“Mas de novo, se me achar à cabeceira,

diga logo à família, francamente,

que vão chamar o padre, prontamente,

Para que lhe administre a extrema-unção.

Não desperdice água, que esses vão,

bem certamente, à sua morada derradeira...”

O TERCEIRO HÓSPEDE XVIII

O seu Terceiro Hóspede partiu

e Macário até pensou ter sido um sonho.

Olhou os ossos do peru, tristonho...

Comera, realmente, só a metade?

Mas na barriga sentia saciedade

e os ossinhos na toalha ele reuniu.

Pois serviriam para engrossar a sopa.

Durante a tarde toda, cortou lenha,

pois come bem quem energia tenha.

Pôs na cabeça um feixe muito grosso,

sentia estar uns dez anos mais moço,

músculos fortes a lhe esticar a roupa...

Mas na viagem de volta, duvidava,

pensou até em beber aquela água,

pela metade do peru sentindo mágoa.

Mas era inverno e sua sede era pouca.

Chegando em casa, viu a esposa quase louca

e perguntou-lhe por que ela chorava...

O TERCEIRO HÓSPEDE XIX

“É o Reginito,” disse ela, em desespero.

“Está doente, acho que vai morrer!...”

Chegando à esteira, pode logo perceber.

El Magro estava perante os pés parado!

Por um instante, ficou atarantado

e o outro o contemplou, de olhar severo...

Pediu uma cuia d’água e lha trouxeram

e dentro dela um pouco da água derramou;

deu-a à criança, que logo após sarou...

Contudo, o olhar de El Magro lhe fez ver

que água demais ali fora verter

e bem depressa ambos se entenderam.

Foi Macário cortar outra taquara,

que encheu inteira, tirando água do poço;

guardou a outra em seu telhado grosso.

Que era feito de bambu e de sapé.

Na água mágica, agora tinha fé:

“Não mexam nela!” falou, com voz bem clara.

O TERCEIRO HÓSPEDE XX

Mas os vizinhos que em sua casa estavam,

para a pobre Rosicleia consolar,

viram o menino depressa se curar.

E entre si ficaram cochichando...

Já no outro dia, o estavam procurando:

em sua rua outros doentes se encontravam.

Macário, no começo, recusava,

mas sua mulher se pôs a insistir tanto,

que teve pena de escutar-lhe o pranto.

Foi visitar as outras casas em sua rua.

Parado aos pés de cada esteira nua

El Magro sorridente se encontrava.

Macário então pedia um recipiente,

caneca ou xícara ─ e nelas derramava

uma pequena gota e a misturava

com qualquer água que por ali tivessem,

porque depois que os doentes a bebessem,

sempre sua cura chegava, de repente.

O TERCEIRO HÓSPEDE XXI

Todos ficavam muito agradecidos

e lhe traziam os presentes que podiam,

pois a cura quase todos conseguiam.

Porém se via El Magro à cabeceira,

ele dizia que a morte era certeira

e recusava todos os pedidos...

Passou-se o tempo, seus filhos estudaram,

Macário comprou nova moradia,

a cortar lenha nem sequer mais ia...

Pois a promessa de El Magro se cumprira!

E o pagamento que ele jamais pedira,

esses presentes amplamente compensaram.

Sua fama se espalhou pela cidade,

pela província e no país inteiro.

Diziam os médicos que era um feiticeiro.

Mas ele ia à missa com frequência

e os padres lhe mostravam deferência,

pois contribuía com regularidade...

O TERCEIRO HÓSPEDE XXII

Chegou-lhe a fama até o governador,

que tinha o título, então, de vice-rei

e governava o país com dura lei!...

Os cirurgiões se queixavam de Macário,

porque lhes reduzia o numerário

e o vice-rei os escutava, sem rancor.

Mas quando viu sua filha se enfermar

e os médicos não podiam fazer nada,

sua esposa fez-lhe súplica, alarmada!

“Você me pede ir chamar um curandeiro?

Que quer você com esse feiticeiro?”

“Acho que pode a menina nos salvar!”

Então, o vice-rei fez convocar

Macário, a que viesse à capital...

Este sabia não ter feito nenhum mal.

Porém tremeu de medo o lenhador:

levou consigo a taquara, com temor;

só um restinho no fundo a chocalhar...

O TERCEIRO HÓSPEDE XXIII

E lhe disse o vice-rei, severamente:

“Não acredito em sua bruxaria!

Mas minha filha se acha em agonia.”

“E minha esposa está desesperada.

Pois muito bem: se a deixar curada,

Dou-lhe grandes riquezas de presente.”

“Porém se ela morrer, como se espera,

saberei que não passa de um farsante

e o queimarei na fogueira nesse instante!”

“E seus bens eu irei todos confiscar.

A sua família prenderei para julgar!...”

Macário, só de ouvir, se desespera...

E ao ser levado ao quarto da menina,

o seu maior temor se realizou:

na cabeceira El Magro ele encontrou.

Que balançou-lhe a cabeça, em negativa.

“Esta menina não mais pode ficar viva,

está escrito que morrer será sua sina!...”

O TERCEIRO HÓSPEDE XXIV

Pediu Macário para ficar sozinho,

porque El Magro era só ele que via:

a mãe saiu, em grande gritaria...

E o vice-rei outra vez o advertiu:

as ameaças o próprio El Magro ouviu,

mas abanou sua cabeça, de mansinho...

Macário várias vezes suplicou,

pois perderia tudo o que lhe dera!

Zangou-se então, igual que besta-fera.

Virou a cama, bem rapidamente,

para deixá-lo aos pés, mas velozmente,

à cabeceira, El Magro se encontrou!

Ele tentou de novo, sacudindo

a cama inteira, até deixá-la torta!

Mas a menina já se achava morta...

E cada vez que a cama ele virava,

na cabeceira El Magro já pulava

e o vice-rei o barulho estava ouvindo!

O TERCEIRO HÓSPEDE XXV

E de repente, Macário percebeu

que a taquara na disputa se quebrara!

E que todo o conteúdo se esvaziara...

Então, exausto, caiu no chão, chorando.

Ficou El Magro, com pena, o contemplando

e seu velho coração se confrangeu...

“Meu amigo, fiz mal em lhe ajudar...

Nem mesmo eu posso vencer o Fado,

por mais que eu estivesse do seu lado...”

“O Destino sempre vem a se cumprir

e foi tolice sua, ao persistir,

depois que eu disse que não iria adiantar...”

“Mas eu sei bem o que irá lhe acontecer

e não quero que esse duro vice-rei

faça cumprir a sua perversa lei...”

“Não quero vê-lo queimado na fogueira.

Mas a morte da menina é verdadeira,

só há uma coisa que posso lhe fazer...”

O TERCEIRO HÓSPEDE XXVI

Então El Magro tocou-o sobre a testa

e tudo a seu redor se dissipou...

Macário na clareira se encontrou,

bem no momento em que partira seu peru.

E mesmo achando que ficara um pouco cru,

comeu-o inteiro, em verdadeira festa...

E só então El Magro apareceu...

Por um momento, Macário se lembrou;

logo depois, sua vista se apagou.

Cheio de pena, ele o tocou com a foice

e para vida melhor Macário foi-se,

mas com o estômago cheio ele morreu...

É sempre assim, quando nos chega a hora.

A maldição de El Charro se cumpriu,

de El Peregrino a bênção o nutriu...

Pois foi levado direto ao Paraíso,

nesse lugar em que há alegria e riso

e do qual nunca mais se vai embora...

EPÍLOGO

Reginito, porém, nem adoeceu

e a família inteira se criou:

cada vizinho um pouco os ajudou.

E quando acharam Macário na clareira,

comera até a migalha derradeira

o peru gordo que sua mulher lhe deu...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 18/03/2012
Reeditado em 20/03/2012
Código do texto: T3560799
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