Waldimira. Lia de Sá Leitão (RELEITURA) 22 DE FEVEREIRO DE 2012

Waldimira era uma moça que morava perto de minha casa, ela era muito magra, tão magra, tão magra que um ventinho daqueles que faz redemoinho nas calçadas e levanta as saias da moças e enchendo os olhos da gente de areia deixa cego por minutos.

Era esse vento desconjuntado que fazia a pobrezinha voar de poste em poste como panfleto ao vento.

As pessoas perguntavam umas às outras, será que não tem um jeito daquela mo-cinha se proteger de uma brisinha inesperada?

Waldimira não podia ir à praia, andar na praia, nem brincar na areia, era sempre a mesma angústia.

Um dia as crianças que brincavam barulhentas fazendo castelinhos nas areias pensaram que ela era uma pipa pós-moderna, guiada por controle remoto. Imaginem só aquela moça bem fininha de braços abertos tentando aterrar.

Seus familiares correndo de um lado para o outro na tentativa de ampará-la na queda iminente. Foi um desespero! por pouco ela não ficou enganchada nos fios da energia, ainda bem que desceu antes. Um garotinho que era muito bom em empinar papagaios com sua pipa, deu uma empinada de bico e só deu Waldimira, ela segurou com força na linha, conseguiu descer como os corajosos fazem nas asas Delta e foi salva.

Só para vocês terem uma idéia da magreza da menina!

Ela queria vestir as roupas das irmãs, principalmente as calças grandes (compridas) como as moças da vila onde morava, mas, bastava uma perna para acabar com o charme da garota e note ainda sobrava muito pano. Os rapazes ficavam meios desconfiados, imaginavam que dando um abraço seus ossinhos quebrariam todos e a culpa; quem iria carregá-la.

A mãe de Waldimira procurou uma vizinha, a sua melhor amiga e contou o pro-blema da filha.

D. Fafinha, passou um regime de engorda, parecido com o que dava aos seus porquinhos no quintal. Só que era tudo de muintão e a pobrezinha não levantava do canto com o peso da comida.

Chegou a uma situação difícil de resolver, Waldimira cada dia mais triste os amigos de seus pais cada noite mais preocupados.

Até que alguém teve uma idéia brilhante.

Todos da vila teriam o compromisso de ajudá-la. De hora em hora, cada um daria uma frutinha pequenininha para ela começar a ganhar peso.

Depois, de três meses se entupindo de frutinhas, Waldimira pediu para que mudassem o cardápio pois não agüentava mais aquilo. Quando todos pensavam que ela tinha engordado um pouquinho, ela estava na mesma. Fizeram um rodízio de comidinhas saborosas para ela engordar um pouquinho de nada.

Na vila tinha uma doidinha, ninguém dava atenção a pobrezinha, ela tentava ajudar também, mas, ninguém dava atenção. Florisbela sempre chegava com um papelinho rabiscado um endereço. Na hora sempre tinha alguém para pegar e jogá-lo fora, nunca esse bilhete era entregue a outra moça. Eles diziam, ora mas quem já viu tamanho enxerimento? Essa doidinha toda vez que se faz uma campanha na Vila para engordar Waldimira ela chega com esses papéis rabis-cados.

 Ô Mocinha, você leu o que estava escrito no bilhete que Florisbela trouxe hoje?

 Eu, eu não. Não me diga que a senhora vai dar ouvidos ao que aquela doidinha.

 Deixe de ser afoita menina, tudo que for bom para sua irmã a gente deve ten-tar.

Disse isso como quem não acredita em nada, como que está desanimando.

Cada vez que se fazia um multirão para tentar engordá-la, aí era que ficava mais esquisita; todos estavam preocupados com o tipo de comida! receitas! cardápios! tinha gente que se preocupava até com as roupas, essa azul é para o café da manhã, serve de estimulante, a vermelha para o almoço é mais encorpada e vibrante, a lilás para o jantar que deve ser mais delicada.

Enquanto isso, Florisbela ainda estava lá e ninguém tinha tempo de perguntar se queria. ajudar; ou o que sempre trazia naquele papelinho. Claro todos estavam super atarefados, cada um queria oferecer o melhor.

O doutor corria de um lado para o outro dizendo que ali ninguém podia fazer dietas alimentares sem saber da ciência da endocrinologia. A nutricionista formada na cidade grande dizia que o doutor estava doido, ela era quem sabia as quantidades exatas dos lipídio... fibras ... açúcares e blá ...blá... blá!

A mãe da moça não perdia tempo empurrava goela abaixo sopa de tudo quanto era coisa, carne, galinha, pimenta, pano com cabo de guarda-chuva, peixe, tudo era motivo para criar uns quilinhos na moça. E NADA!

Sem querer, Florisberta encontrou com Waldimira escondida numa torceira bem viçosa de frutinhas vermelhas .

 Ei? você é Waldimira, a moça que querem engordar na Vila, não é? Cuidado! estão querendo é envenená-la. Até o delegado disse que vai levar uma comidi-nha que só ele sabe fazer! Coitado! É uma mistura de jiló, gengibre e jenipapo.

Ninguém agüenta aquilo, até o cheiro é horrível!

 É, eu estou sabendo. O que posso fazer? Eu sou tão esquelética que assusto, ninguém pode sair comigo, não tenho um namoradinho, ninguém quer ir ao cinema comigo, os cantores vem e vão, e nem as minhas irmãs deixam eu ir aos shows da Associação Recreativa. O tempo todo é em casa tomando caldos e comendo essas coisas. Todos pensam que engulo mas, jogo é fora que não sou destrambelhada.

 Eles vivem dizendo que eu sou a doidinha da Vila, meu nome é Florisbela, vi e não gostei do que estão fazendo com você. Só porque não somos iguais a eles querem nos transformar.

Antes que fizessem comigo o que estão fazendo com você eu fugi para a Flores-ta viviam dizendo que inventei esse mal jeito na perna. Sofri, fizeram pedaços de pau grudados na minha perninha, diziam que evitariam as moletas, ataduras, gessos, chegaram a colocar uma perna feita de vela, dura que só, por fim queriam virar ao contrário meu defeito através de um jeitinho e um curioso achou que seria o ideal.

Não tive dúvidas fugi. Eu moro naquela floresta ali em baixo, as pessoas tem medo de ir lá, dizem que é assombrada, mas, não é não, somos nós e os bichinhos que não permitimos que os homens cheguem com suas experiências doidas e apliquem em nós.

Lá nós temos a natureza, carinho, respeito, as pessoas que nos ajudam não olham pra gente por causa das nossas diferenças e sim porque nos querem felizes. Quer acompanhar-me? se você não quiser ficar lá eu entendo e a trago de volta. A outra ficou meio espantada mas, aceitou de imediato.

Correram muito pelos matos, ou melhor, Florisbela corria segurando as mãos de

Waldimira voava ao sabor do vento.

A tarde já estava dando adeus à Terra e a Lua beijava luminosa o céu, sorridente, fora uma das confidentes de Waldimira e agora via a felicidade da menina. Quando chegaram ao local das casinhas dos amigos, o jantar já estava servido, era uma mesa enorme com vários pratos e cadeiras, todos foram se posicionando em seus lugares e um rapaz ainda jovem e sua esposa receberam a moça com muita alegria.

Pediram para que todos esperassem pois a convidada iria tomar um banho e vestir uma roupa nova que estava guardada há anos para ela. Vocês nem imaginam quem são esses dois? Trilili a fadinha e Bilau o príncipe que casou com a fadinha.

A alegria era muito grande, todos conversavam animadamente contando como fora o dia. Só Nequinha, um rapaz super desconfiado, estava quietinho, ele parecia não gostar de ninguém e era sempre mal humorado, resmungão, todos acreditavam que ele era assim porque ainda não conhecia a filosofia da Floresta, só o amor vence os obstáculos e barreira.

Quando Waldimira chegou, num vestido bem fofinho, com um laço de fita cor-de-rosa e os cabelos bem penteados, todos ficaram em silêncio, espantados com a primeira transformação. Até Nequinha sorriu.

 Sente aqui, menina e sirva seu jantar do que gosta. Hoje é você quem faz a oração da ceia. Pode iniciar. Como a pobrezinha não sabia rezar todos ajudaram na hora de agradecer a Papai do Céu aquele alimento tão gostoso e natural.

Vocês nem imaginam o que aconteceu com Waldimira...

A família dela ainda não tinha desistido de procurá-la para as novas experiências gastronômicas, quando ela apareceu em um dos caminhos para o seu pai e o irmão mais velho, quase que eles caem para trás do susto.

 Papai, Murilo desistam de me procurar, eu não quero mais voltar para aquela Vila onde todos maltratavam comigo. Eu quero ficar aqui, com os meus amiguinhos.

Sou eu quem arruma as camas dos que saem muito cedo para o trabalho, as bolsas e as lancheiras dos que vão para a Escola, ajudo a fadinha Trilili com outros afazeres: inclusive aprendi que não sou feia e solitária, muito pelo contrário sou necessária e cheia de gente que gosta de mim.

 Waldimira, é você? Puxa! como está formosa? Cheirosa, que cabelos bonitos, quem ensinou você a falar assim? Menina você tem jeito de rainha, e essa roupa? quem ajudou você a ficar assim?

Ela dá um sorriso terno olha para os dois e apresenta a pessoa que mais mostrou o caminho da harmonia interior, do amor e do respeito.Essa é Florisbela.

Eles quase correm de medo, mas, sentiram uma paz tão grande em seguida que pediram desculpas pelas maldades anteriores e prometeram que nunca mais ali na Vila ia acontecer algo daquele tipo, todos; homens mulheres e crianças iam começar a freqüentar a Escolinha da Floresta, para aprender o que era ser real-mente Felizes.

Meses depois Waldimira foi pedida em casamento por Nequinha que deixara de ser tão abusado para se tornar numa pessoa agradável e alegre. Graças à fé de Waldimira e ao apoio que ela ainda dá para os povos da Floresta todos a amam de coração e uma vez no ano fazem a maior festa, onde são feitas muitas comidinhas gostosas com muita dança e muita alefria.

( Lia Lúcia Almeida de Sá Leitão - 18/04/97)

Lia Lúcia de Sá Leitão
Enviado por Lia Lúcia de Sá Leitão em 22/02/2012
Reeditado em 22/02/2012
Código do texto: T3513190
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