HISTÓRIAS INFANTIS - O Velho do Saco

A criança não pode ser podada em suas fantasias, muito pelo contrário, deve ser estimulada, para que quando adulta possa ser criativa e feliz.

A grande pereira cuja idade talvez nem meu avô Benjamin soubesse e que ficava lá no canto sul do grande quintal, naquele tempo estava carregada de deliciosas peras, pelas quais nem o seu tronco grosso e de grande altura com seus longos galhos não me davam medos para minhas ousadas arremetidas, ainda que pondo em risco a própria pele, mas valia a pena a caça a tão deliciosos pomos. Os famosos pomos de Hespérides, (frutos da árvore de ouro) eram coisa pouca, se comparados às peras do quintal do meu avô.

Pensava eu naquela tenra e doce idade, que, talvez aquela árvore fosse o último espécime que sobrevivera quando da expulsão de Adão e Eva do Paraíso, ainda que também imaginasse ser aquele quintal rodeado de muros altos cobertos de tenras e exuberantes eras fosse o próprio paraíso, que por um mistério qualquer tivesse sobrevivido à grande maldição.

Além de outras árvores ali existentes, aquele recinto abrigava toda a espécie de hortaliças imagináveis, inclusive feijões trepadores, devidamente empados*, formando grandes caramanchões aqui e ali, que nos serviam de esconderijo no esconde-esconde dos nossos ledos brincados.

Mas, certa tarde, a tão doce paz foi estremecida quando eu e minhas duas primas, Salete e Dolores, lá junto ao muro do lado onde o sol costumava aparecer e nos sorria a cada manhã, inopinadamente demos de cara com um velho barbudo e com um saco ao ombro que nos encarava lá do alto, dando-nos a nítida impressão que ele se preparava para descer o muro e nos meter no saco como se fôssemos batatas, e então adeus vidinha boa. Sem dar sorte para o azar encetamos então frenética corrida, e com grande gritaria chegamos até nossa avó Tereza que estava no seu tear tecendo uma toalha de linho com belos enfeite, pedindo-lhe aflitivamente socorro, pois, o velho do saco queria nos roubar e levar, sabe-se lá para onde.

-Ai que medo, vó, ai que medo!...

Minha avó fingindo sentir os mesmos medos nossos, lá foi conosco também em correria até ao local da aparição do ladrão de criancinhas. Lá chegando, para alívio geral, o velho tinha desaparecido. Minha avó parecia se esforçar para não arrebentar de riso, e com paciência de avó nos foi explicando que, o tal velho ladrão de criancinhas era pura lenda.

-Mas o que é lenda? Alguém perguntou.

-Lendas são histórias fantasiosas, como esta que vocês acabam de inventar.

- Mas vó, nós vimos o tal velho, de verdade, ele até nos piscou um olho, e deu uma gargalhada.

-Está bem amores, tudo já passou podem voltar lá pró seus brinquedos.

- Ah, isso é que não vó, para lá é que nós não voltamos...

Outra ocasião, lá num cantinho do mesmo quintal, certo dia eu descobri uma bela planta de flores amarelas e que exalava um perfume inebriante difícil de descrever, pois como aquele outro igual não havia. Ao dia seguinte da ditosa descoberta relatei o achado a um meu tio, e juntos nos dirigimos até ao local para observar a tal maravilha. Desilusão, a misteriosa planta, como por encanto havia desaparecido.

Até hoje ainda suspiro pelo divinal perfume que se entranhou tão indelevelmente em minha alma, que até aos dias de hoje ainda o sinto. Pena que não tenha palavras para poder descrevê-lo.

* empados, suspensos por ( empas) paus.

Eduardo de Almeida Farias
Enviado por Eduardo de Almeida Farias em 05/02/2012
Código do texto: T3481714