A viagem da chuva
Em uma nuvem bem branquinha do céu, mora uma linda gotinha de água.
É uma gotinha muito amiga e muito risonha, dizem que nasceu nas águas do Rio doce, mas essa gotinha apesar de muito querida lá no céu, tinha um grande defeito, tinha muito medo de descer quando a chuva caía.
Por mais que suas amiguinhas, as outras gotinhas, dissessem que era muito divertido, não tinha jeito, ela tinha medo e nunca descia.
Sua mãe pedia, seu pai pedia, sua avó pedia, mas ela não queria nem saber de descer.
Seu nome era Clarinha, morava na nuvem que ficava bem no alto do Cristo redentor e tinha uma enorme vontade de passar por ali bem pertinho do Cristo e quem sabe escorregar nas suas enormes mãos e poder contar esta incrível aventura as gotinhas menores, que ainda não podiam descer e as mais velhas que já não desciam do céu há muito tempo, mas mesmo com este sonho, não tinha jeito, chovia, chovia e clarinha nunca tomava coragem de descer.
Sua mãe cansava de lhe dizer, o quanto era bom dar um passeio de vez em quando, seu pai chegava a reclamar, dizia ele:
_ Já está uma mocinha e não tem coragem de viajar!
Mas Clarinha não estava nem aí, queria mesmo era curtir o ventinho soprando e ouvir as incríveis histórias de aventuras que suas amigas contavam quando voltavam.
Algumas eram muito alegres, histórias de gotinhas que pegavam até carona em aviões, que acabavam parando em um cabelo engraçado e até de gotinhas que acabaram colorindo o céu em um enorme arco íris, mas nada disso era o bastante para Clarinha tomar coragem de descer.
Clarinha tinha uma amiga que era muito valente, seu nome era Jatilda, e sua mãe colocou este nome nela por que ela era mesmo um jato, desde que nasceu sempre corria para espiar as outras gotinhas descendo e dizia:
“O dia que eu puder descer vou ser a mais rápida a subir de novo...”
E assim era a vida de ser gotinha de chuva no céu, algumas desciam e logo estavam lá no céu de novo, algumas desciam e demoravam algum tempo pra voltar, mas sempre tinham histórias engraçadas para contar.
E Clarinha adorava ser gotinha de chuva, gostava de ver seu brilho nas outras gotinhas e principalmente, gostava do perfume que suas amigas de sorte traziam quando voltavam e tinham caído em flores, algumas vinham tão perfumadas que Clarinha dava sempre um forte abraço pra tentar ficar com o cheirinho por quase uma semana, mas tinham algumas menos sortudas que acabavam caindo em algum lugar fedorento e quando voltavam ninguém agüentava nem chegar perto.
E assim era a rotina no céu, cheio de viagens e histórias incríveis aqui da terra, era assim que acontecia desde a antiguidade, o sol esquentava a terra, as gotinhas de água subiam, moravam na nuvem até elas agüentarem e quando as nuvens estavam cheias demais, acabava chovendo de novo pra viagem recomeçar.
Em um dia de muito calor no Rio de Janeiro, as nuvens começaram a ficar cheias de gotinhas, o que era sinal que estava na hora de algumas descerem para a terra, Clarinha como sempre, foi se esconder no finalzinho da nuvem pra não ter que descer, e tapava o ouvido com medo do som dos trovões, que nada mais eram que uma nuvem pesada de gotinhas dançando com a outra, e elas ficavam tão alegres que faziam uma festa de raios no céu, se pra nós aqui da terra da medo de ver, imagina para uma gotinha assustada que morava em uma nuvem?
Clarinha ficava mesmo apavorada.
A chuva caiu, e a nuvem ficou levinha de novo, Clarinha saiu do seu cantinho e viu que estava sozinha com as gotinhas menores que não podiam descer ainda, ali nos dias de solidão, ela sentava e contava as histórias que tinha ouvido desde pequenininha das outras gotinhas, andou pela nuvem tranqüila, pois sabia que tão cedo não iria descer, o vento soprou mais forte e clarinha teve medo de cair da nuvem, mas não caiu,chegou pertinho das pequenininhas e começou a brincar com elas do que mais gostava de brincar: “fazer desenhos no céu.”
Todas as gotinhas que moravam na nuvem iam de um lado para o outro bagunçando a nuvem toda e quem via da terra acabava vendo um bicho, ou um coração ou uma fruta, e era muito bom para as gotinhas olhar lá de cima e ver que tinham pessoas apontando para o céu e dizendo:
“Aquela nuvem parece um cavalo, ou um homem de barba, ou uma flor.”
E as gotinhas se divertiam pra valer com aquilo.
E logo no final do dia, as gotinhas que desceram no temporal, começavam a voltar, e Clarinha sabia que Jatilda logo voltaria cheia de histórias para contar.
Teve um dia que Jatilda caiu na lona de um caminhão e levou três dias para voltar, só passeando de um lado para o outro.
Mas naquele dia Jatilda não voltou para casa, e Clarinha esperava ansiosa a volta da amiga.
Muitos dias se passaram, muitas das gotinhas voltaram e Jatilda continuava sem dar noticias, ninguém tinha visto Jatilda lá embaixo e Clarinha começava a se preocupar:
_Aonde será que minha amiga foi parar?
A todos que voltavam, Clarinha não cansava de perguntar, tinham gotinhas que tinham entrado na terra pra alimentar as plantas e já estavam de volta e mesmo assim Jatilda nada de voltar, mesmo que tivesse caído no mar, já teria dado tempo de voltar pra casa.
A saudade da amiga começava a incomodar e Clarinha não sabia o que fazer.
Em um dia de sol quente, em que as nuvens começam a ficar animadas para virar chuva e descer, Clarinha tomou uma decisão: iria descer para tentar achar à amiga Jatilda em algum lugar.
De repente Jatilda estava fraca e precisando de ajuda, o que Clarinha não podia era ficar parada com saudades da amiga.
E tudo aconteceu muito rápido, o sol esquentou, as gotinhas que estavam na terra subiram, as nuvens ficaram pesadas, começaram a dançar batendo umas nas outras, e lá estava mais um temporal pronto para molhar a terra, mas desta vez, ao invés de Clarinha estar lá nos fundos da nuvem escondida, ela era uma das primeiras da fila pronta pra descer, enfrentando os ventos e os raios, e tudo o que fosse preciso pra encontrar sua amiga Jatilda.
Quando desciam, as gotinhas podiam pedir ao vento pra levá-las na direção em que quisessem e Clarinha sabia que o lugar preferido de Jatilda era passear na cidade, adorava cair nos carros, nas bicicletas, nos cachorros e voltar ao céu cheia de novidades.
E Clarinha quando desceu, pediu ao vento para jogá-la bem pertinho da cidade grande, ela sabia que tinha pouco tempo para achar à amiga, era só o tempo de o sol esquentar e lá iam as gotinhas de chuva de novo, de volta para as nuvens.
Na hora de descer o medo veio querendo tomar conta do coração de Clarinha, mas ela resolveu ser forte e pensou só na amiga Jatilda. Precisava saber o que tinha acontecido, sua mãe já era bem velhinha e já estava preocupada.
Clarinha chegou bem na pontinha da nuvem e antes que pudesse pensar em desistir a chuva veio forte e ela veio descendo no vento sudoeste, bailando pelo ar e fazendo mil perguntas ao vento que pudesse dar uma pista de onde sua amiga estava o vento soprava forte, do alto Clarinha podia ver as árvores sacudindo e chegou a ter medo, mas não iria desistir de achar à amiga Jatilda.
Clarinha tentava ver algo em meio à chuva, mas a visão estava ruim, e gota de chuva não tem farol, ela chamava pelo nome da amiga, achando que ela poderia escutar.
De repente Clarinha bateu em alguma coisa, e era bem macia, lembrava das histórias que as outras gotinhas contavam e achou que tinha caído em um cabelo fofo, mas na verdade era em uma ave, um passarinho marrom, que voava rapidinho tentando fugir da chuva, um grande pardal.
Clarinha esperou que o pássaro parasse para conversar com ele, e contou toda a sua história e como acabou parando ali, falou da amiga que tinha sumido e que a saudade era grande demais, o pardal decidiu ajudar a gotinha de chuva, sabia que para uma gota de chuva descer e subir levava mesmo um tempinho, mas enquanto ela estivesse na terra, o pardal iria ajudá-la.
Começaram a visitar florestas, e lugares úmidos aonde o sol demorasse um pouco mais para alcançar, e nada encontraram, depois pensaram nos lagos e piscinas da cidade, e foram vasculhando tudo o mais rápido possível, quando já estavam cansados, lembraram do pior de todos os lugares para uma gota de chuva cair: “um ferro velho cheio de pneus abandonados” e lá foram eles e o que acharam os deixou impressionados, como encontraram água parada naqueles lugares, as gotinhas de chuva, já tão fraquinhas que nem conseguiam evaporar pra virar chuva de novo, e de pneu em pneu acabaram encontrando Jatilda.
Clarinha ficou em uma felicidade incrível quando viu a amiga, começou a contar a ela da sua grande aventura e da ajuda do amigo pardal, mas Jatilda estava turva e fraquinha, dizia ela que ali entravam muitos mosquitos e colocavam seus ovos ali para um dia virarem mosquitos da dengue, adoecerem crianças e adultos e até matá-los e Clarinha ficou boba com os humanos que deixavam um crime daqueles acontecer, deixar um pneu pronto pra receber água da chuva e não perceberem que as pobrezinhas das gotinhas estavam ali e acabariam ajudando os mosquitos a terem seus bebês e espalharem doenças por toda parte.
Clarinha precisava arrumar um jeito de tirar a amiga daquele pneu, pensou em pedir ao amigo pardal para levá-la no bico, mas ele poderia sem querer bebê-la e lá ia sua amiga virar pipi de passarinho, pensaram em muitas coisas, mas nada daria jeito, o pneu estava em pé e pelo jeito não teria como desvirá-lo, o pardal chamou um cachorro que era seu amigo, ele conseguiu virar o pneu, mas a água parada continuava lá no fundo, algumas gotinhas até conseguiram sair, mas só as mais fortes que caíram no dia que Clarinha desceu na chuva, as mais antigas já estavam fracas de ficar muito tempo paradas.
De repente o pardal teve uma idéia, iria empurrar um humano até ali e fazer com que ele olha-se para o pneu, e para o risco que aquele pneu causava a sua saúde.
E lá foi ele, a procura de alguém que pudesse ajudar não só a Jatilda a sair do pneu, mas também a doença do mosquito de dengue não virar epidemia.
Na calçada encontrou uma pessoa que passava, tinha cara de ser do bem e de ser sério, e começou a gritar e beliscar o homem empurrando-o para o interior do ferro-velho, quando o homem viu os pneus ali guardados cheios de água, ficou logo bravo e começou a desvira- lo até que chegou ao pneu em que Jatilda estava e conseguiu libertá-la.
Clarinha não se continha de tanta felicidade, estava alegre demais de ter encontrado a amiga á tempo de salvá-la, amava Jatilda e não queria que ela se perdesse na terra.
O pardal ficou muito orgulhoso de sua idéia e de ter encontrado suas novas amigas, Clarinha e Jatilda, e decidiu adiantar a volta delas para o céu, pegou-as em suas asas e pediu que segurassem firme, voou com as duas para bem pertinho do sol, aonde poderiam evaporar rapidinho e subir para virarem chuva de novo, e lá foram as amigas felizes da vida de volta para o céu.
Ao chegarem lá, viraram noticia, todo mundo queria saber das duas amigas que tinham vivido uma aventura daquelas junto com o passarinho, e Jatilda contava tudo que tinha ouvido dos mosquitos da dengue enquanto estava no pneu, cada história que chegava a dar arrepios.
Assim os dias no céu vão se passando.
Clarinha perdeu o medo de descer na chuva, e agora toda vez que a chuva desce forte, lá vem ela escorregando pelo Cristo Redentor, com a ajuda do vento sudoeste, ás vezes cai nas rosas, suas flores preferidas e toda vez consegue rever seu amigo pardal que sempre que sabe que vem chuva, sobe bem alto no céu e abre suas asas para acolher Clarinha e sua amiga aventureira Jatilda.